MINA
DE CAPÃO XAVIER:
LICENCIAMENTO
VICIADO E ILEGAL
1a
sessão da CPI da MBR sobre a Mina Capão Xavier e as atividades da MBR em Minas
Gerais. 14/04/2005 no plenário 4 da ALMG.
Segundo o
parecer de Gustavo Gazzinelli e Ricardo Santiago, em depoimento na CPI da MBR,
o licenciamento ambiental da Mina de Capão Xavier é ilegal e imoral. Confira
abaixo a argumentação e a exposição da questão.
Notas
taquigráficas da reunião da CPI da MBR que ouviu os depoimentos de Ricardo
Santiago e Gustavo Gazzinelli. (Algumas repetições foram cortadas.)
Sr.
Presidente (Deputado Márcio Kangussu)
- Há número regimental. Declaro aberta a 2ª Reunião Ordinária da 3ª Sessão
Legislativa Ordinária da 15ª Legislatura da Comissão Parlamentar de
Inquérito da Mina Capão Xavier para, no
Prazo de 120 Dias, Apurar a Regularidade dos Processos de Licenciamento Prévio,
Instalação e Operação das Atividades da MBR no Estado de Minas Gerais, bem como
o Julgamento dos Recursos dos Autos de Infração Atribuídos àquela Mineradora.
Destina-se esta reunião a ouvir o depoimento dos Srs. Gustavo Tostes
Gazzinelli, Otávio Freitas e Ricardo Carvalho Santiago.
Esta Presidência informa que os três
convidados são autores de ação popular contra a MBR.
O
Deputado Irani Barbosa - Sr.
Presidente, quero apresentar um requerimento a esta Comissão para que sejam
convidados o Greenpeace e a WWF, para que tenhamos conhecimento do que é feito
nas minerações em nível mundial.
Dep. Márcio Cangussu: “Esta reunião está
sendo transmitida ao vivo pela TV Assembléia. (- Lê:) “É necessário que
se esclareçam alguns pontos referentes às comissões parlamentares de inquérito,
conforme dispõem o art. 58, § 3º, da Constituição da República, e 60, § 3º, da
Constituição Estadual.
A CPI possui poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais (art. 112 do Regimento Interno). Além dessa
legitimação constitucional, encontramos em artigos do Código Penal e,
notadamente, na Lei Federal nº 1.579, de 18 de março de 1952, a regulamentação
dos trabalhos específicos desta Comissão, bem como os deveres e
responsabilidades a que estão sujeitos os que nela depõem. Cumpre ressaltar o
disposto no art. 4º, inciso II, da citada lei: ‘Constitui crime: I - ...; II -
fazer afirmações falsas, negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor
ou intérprete, perante comissão parlamentar de inquérito. Pena, no art. 342 do
Código Penal: reclusão de um a três anos e multa.”.
Com a palavra, o Sr. Gustavo Tostes
Gazzinelli, para suas considerações iniciais.
O
Sr. Gustavo Tostes Gazzinelli - Sou
Gustavo Tostes Gazzinelli, Jornalista, nascido em Belo Horizonte. Embora eu
tenha sido convocado a participar desta CPI em decorrência da ação popular que
fiz juntamente com o Sr. Ricardo Santiago e o Sr. Otávio Freitas, informo que,
anteriormente a essa ação popular, encaminhamos ao Ministério Público Estadual
e ao Ministério Público Federal uma série de questões que diziam respeito à
chamada Mina Capão Xavier, que hoje é
atividade minerária.
Eu, de certa forma, irei utilizar-me
muito dessas informações com que
instruímos o processo encaminhado ao Ministério Público. Inicialmente, queria,
agradecendo o convite ou convocação para participar dessa sessão, citar uma
pequena passagem do livro do Apocalipse, que diz o seguinte: “O que está
sentado no trono, disse-me ainda: eu sou o alfa e o ômega, o princípio e o fim
e, a quem tem sede, eu darei gratuitamente da fonte de água viva. O
vencedor receberá esta herança e eu serei seu Deus, e ele será meu povo, meu
filho”.
À medida que a vida vai passando,
começamos a compreender o sentido de certos marcos da civilização, entre eles,
cito a Bíblia, porque essa não foi escrita em um século, e seus ensinamentos
talvez teçam juízos sobre milênios de experiência na vida convivial humana.
Quando os portugueses, pelos idos do século XIII, começaram a organizar os
municípios, aos quais chamavam de conselhos, Portugal - não só Portugal, a
Península Ibérica - vivia grande problema de abastecimento. Esse problema de
abastecimento, que deixava boa parte do povo na penúria, levou uma sociedade,
um pouco abaixo daquela nobreza instituída, a organizar-se e a instituir bens
comuns, aos quais se referiam como os pastos, os montes, que eram os bosques,
as águas, os moinhos.
Então, a experiência jurídica e
legislativa da nossa cultura íbero-americana, íbero-brasileira começou há oito
séculos aproximadamente. E, desde então, quando se organizaram as chamadas
comunidades hidráulicas, houve grande preocupação com a água. E a água foi
passando de ordenações filipinas aos nossos códigos e às nossas leis maiores
como uma questão crucial. Na nossa cultura, ela é, talvez, o bem comum sempre
considerado mais relevante.
Então, deparamo-nos, no final do século
XIX, com a fundação de Belo Horizonte. Instruídos por uma avaliação da
qualidade do sítio, dos cinco locais que seriam estudados para a criação da
futura capital, a questão da água, da salubridade e das condições de
abastecimento foram vitais para a escolha de Belo Horizonte como a capital das
Minas Gerais, a chamada Cidade de Minas.
Várias medidas de combate aos
destruidores das matas e de preservação das nascentes podem ser lidas nos atos
dos primeiros Prefeitos de Belo Horizonte e dos primeiros legisladores da
capital a começar pela Constituinte, que instituiu o Ato Adicional que criaria
a capital de Minas, baseado num estudo técnico de grande peso dos sanitaristas
da época.
A cidade foi crescendo e viveu sempre
crises de abastecimento. Na segunda década, na capital já se registravam
problemas na região do Barro Preto, por exemplo. Alguns moradores reclamavam
das condições de abastecimento. Na região do Córrego do Leitão, onde
sabidamente a água não era bem tratada, houve duas ou três importantes crises
de abastecimento de água, nas décadas de 10 e 20. Nos anos 20, começaram a
prever os primeiros passos para ampliar as condições de abastecimento da cidade
pelos mananciais que, já no trabalho da comissão construtora, da comissão de
estudos para a construção da capital, estavam indicados. Eram os córregos de
Feixos, de Mutuca e outros mais. Catarina, na época, ainda não era citado, veio
com a construção da Cidade Industrial. Com a vinda da Mannesmann, logo se viu
que era o manancial ideal para abastecer a Cidade Industrial. Sem tratamento de
água, que a água era de altíssima qualidade. Quando se lê os relatórios do
então Prefeito Juscelino kubitischek, percebe-se o esforço desenvolvido pelo
município para que esses mananciais pudessem trazer água para Belo Horizonte.
Na década de 10, um então importante
sanitarista, engenheiro ou médico, estou em dúvida, aqui de Minas, Lourenço
Baeta Neves, fez uma palestra na academia de medicina, no Rio de Janeiro, sobre
as condições de abastecimento de água. Ele era então superintendente dessa
área, no Estado de Minas Gerais. Ele citou como uma das principais condições
para análise dos locais que se usaria como fonte dos recursos hídricos e
abastecimento, altitude adequada, para a água vir por gravidade, com condições
razoáveis de quantidade, de limpidez e de qualidade. Condições que estão
colocadas nesses mananciais envolvidos no caso da Mina Capão Xavier - Mutuca,
Feixos, Catarina e Barreiro -, todos com águas fluindo de uma mesma fonte, de
uma mesma reserva, conforme demonstram os estudos que enriquecem em grande
parte o próprio projeto da Mina Capão Xavier. Vários estudos são de boa
qualidade, eu diria. O problema não reside nos estudos. O problema são os
riscos implicados, é o cumprimento da
lei.
Várias foram as medidas adotadas por
decretos pelo Governo do Estado para desapropriação desses mananciais. Tenho em
mãos vários deles, que pude pesquisar na excelente biblioteca desta Assembléia.
Pude colher as leis e decretos mineiros.
Na década de 70, ou melhor, no início da
década de 80, sendo Francelino Pereira o então Governador, a Assembléia fez uma
série de leis dando proteção especial a esses mananciais que abastecem Belo
Horizonte. Depois editou a Lei nº 10.793/92, que, entre várias outras medidas,
realizou seminários sobre as águas. O poder público estadual, representado pelo
Poder Legislativo e também por gerações passadas do Poder Executivo, sempre
tomou medidas que, com o passar dos anos, foram consolidando a perspectiva de
proteção dos mananciais de abastecimento público.
Obviamente, uma pessoa nascida em Belo
Horizonte, com mais de 40 anos, não pode olhar a MBR de forma muito amigável,
porque a história da relação da Hanna Mining Company e depois da MBR com Belo
Horizonte, desde o ocorrido na Serra do Curral, que é o principal marco dessa
cidade, não pode ser vista como uma relação amistosa, por quem ama essa cidade.
Cuidar dos jardins da Praça da Liberdade
é muito pouco diante do mal que é feito à nossa natureza, em especial à mais
majestosa que temos.
Então, quando vemos um empreendimento de
uma empresa que tem uma história com a nossa cidade, mas que começa a trabalhar
em cima dos mananciais de água dessa cidade, ficamos desconfiados. Não é
possível achar que agora vem o santo. Seria muita ingenuidade pensar assim.
Fiquei surpreso quando abracei essa
causa, juntamente com companheiros como o Ricardo, o Otávio, o Frei Gilvander e
a Delze, que além de advogada é uma pessoa que tem dado um grande apoio como
cidadã. Percebi que algo estava fugindo ao juízo do poder público, ao autorizar
uma atividade de mineração em mananciais construídos com muito sacrifício e que
são reservas estratégicas da cidade. Uma represa utilizada para o abastecimento
de água da cidade e sujeita à chuvas ácidas, à poluição decorrente do
adensamento urbano e incontrolado e ao assoreamento, é muito diferente de uma
reserva protegida pela natureza, pelas montanhas, já que a reserva está embaixo
dela.
Pude aprender estudando o EIA-RIMA, consultando livros e ouvindo várias opiniões
que, infelizmente, onde há ferro no Quadrilátero Ferrífero há água. O ferro,
por ser muito poroso, permite maior concentração, infiltração de água. Então
nós nos deparamos com esse paradoxo: onde há água, há ferro, e onde há ferro,
há água. Só no Quadrilátero Ferrífero, a reserva de água - tenho os dados de um
estudo que trouxe comigo - é algo em torno de 5.000.000.000m3 . Uma
coisa fantástica.
Sabemos que a Serra da Moeda é um dos
importantes aqüíferos do Quadrilátero Ferrífero. Olhando os mapas do estudo da
comissão geológica, feito no Quadrilátero Ferrífero no início da década de 50,
final da década de 40, por esta comissão bipartite, já que ela era americana e
brasileira, vemos que as manchas rosas mais fortes são justamente aquelas com
maior concentração de hematita, que são o alvo das atividades prioritárias das
empresas de mineração. Então, aqui na região próxima à Belo Horizonte, a última
mancha rosa, com intensidade, é exatamente esse manancial, que agora a MBR está
explorando. A partir daí, se ela continuar a desenvolver atividades aqui em
Belo Horizonte, essa mancha se transformará numa mancha mais clarinha, em toda
a extensão da Serra da Moeda, que é o divisor de águas do alto rio das Velhas e
do alto rio Paraopeba, dois dos mais relevantes manancias do rio São Francisco.
É muito contraditório falar que somos
solidários com a Bacia do rio São Francisco e, no entanto, autorizarmos
atividades que, de certa forma, comprometem a qualidade e a permanência da água
desse rio. Minas Gerais deveria dar um bom exemplo aos brasileiros, até mesmo
para ter autoridade de dizer que discorda da transposição do rio São Francisco.
Fiz parte do Conselho de Meio Ambiente do
Município de Belo Horizonte e milito nesta área há muitos anos, de forma
autônoma, pois nunca estive ligado a nenhum grupo específico. Por isso achei
esquisito o fato de o termo de compromisso assinado entre a Prefeitura de Belo
Horizonte e a MBR - Minerações Brasileiras Reunidas - ter-se dado no mesmo dia,
ou no dia seguinte ao dia 21 de março, não me lembro ao certo.
Foi
publicado no Diário Oficial do município em 21/3/2003, Ano IV, Nº 1.834. (-
Lê:) “Prefeitura recebe doação para as vítimas da chuva em BH. A Prefeitura
recebeu ontem, dia 20, doação da Minerações Brasileiras Reunidas S.A. - MBR -,
no valor de R$1.500.000,00. O dinheiro será usado para construir moradias para
as vítimas das chuvas que atingiram Belo Horizonte em janeiro. O convênio foi
assinado pelo Diretor de Desenvolvimento da MBR, Juarez Rabelo, e o Prefeito
Fernando Pimentel.”. Curiosamente, no mesmo dia, ou na véspera, foi assinado
termo de compromisso entre a Prefeitura, na pessoa do Prefeito e outros
representantes legais, e a empresa que, gentilmente, doou R$1.500.000,00 para a
construção de casas para desabrigados, mas que fará essa atividade autorizada
praticamente no mesmo dia. Não sei se uma coisa tem relação com a outra; é difícil
ter certeza, mas, como bom mineiro, desconfiei um pouco.
Vimos que o Governo Estadual caminhava
rapidamente para autorizar o empreendimento de Capão Xavier. Houve uma
audiência pública no Bairro Jardim Canadá, que boa parte dos 2.300.000
belo-horizontinos conhecem muito bem, já devem ter pegado ônibus e atravessado
a serra do Curral, passando pelo viaduto da COPASA e pelo manancial da Mutuca.
É fácil ter acesso a essa linha de ônibus. Ninguém fretou ônibus para ir até lá
participar da reunião, embora saibamos que vários veículos tenham levado
pessoas do município vizinho, que todavia não consomem a água desse manancial.
Caso o façam, a proporção é irrisória do ponto de vista do contingente
populacional de Nova Lima, cidade onde ocorreu essa audiência em homenagem à
população de Belo Horizonte, que consome essa água desde a década de 40 do
século passado.
Sabemos que, com certa dificuldade, foi
aprovada uma moção pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, encaminhada para a
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e para o COPAM, objetivando a realização
de audiência pública em Belo Horizonte. Pouco tempo depois, o Secretário
Municipal de Meio Ambiente foi exonerado - não sei o motivo -, e parte da
equipe que o auxiliava na discussão desse assunto também pediu demissão. Parece
que a pressão sobre a Prefeitura era muito grande. O Governo do Estado não
considerou importante a realização dessa audiência para provar mesmo as qualidades do empreendimento, caso
existam, para a população, principal interessada, principal consumidora. Acho
até que devemos fazer uma autocrítica porque, quando encaminhamos esse processo
ao Ministério Público, procuramos a área de meio ambiente, e não a do direito
do consumidor, que é muito clara. Vi duas secretarias de meio ambiente no
Estado de Minas Gerais: a Secretaria de Meio Ambiente, auxiliada pela Fundação
Estadual de Meio Ambiente, e a COPASA, verdadeira secretaria de meio ambiente.
Tentei ter acesso ao regimento interno dessa empresa, ao regimento do seu
conselho de administração, por telefone, fui à biblioteca e tive muita
dificuldade, pois teria de solicitar audiência com a sua diretoria jurídica -
não sei bem o nome -, para justificar essa solicitação. Gostaria de saber por
que uma empresa como a COPASA toma decisões, de certa forma referendando
empreendimento que afeta a sua causa principal, que é o abastecimento público.
Como disse um geólogo que respeito muito, a geologia é uma ciência inexata.
Sendo assim, considero muito complicado fazer autorizações de mineração com base
em mananciais de abastecimento público. O legislador teve sabedoria ao
estabelecer que não se poderia fazer determinados empreendimentos dessa forma.
Não sei com quais critérios a COPASA, que administra uma série de reservas
hídricas para abastecimento no Estado, trabalha. Qual é o nível de
transparência das suas decisões? Como nós, consumidores, podemos intervir?
Como nós, amanhã, caso ocorra algum
problema que afete o nosso abastecimento, poderíamos penalizar o agente
responsável? Ou simplesmente essa conta nos seria repassada? Teremos de
procurar água a 500km de distância. Repassarão a conta para o consumidor.
Reli as atas das reuniões do Conselho
Municipal de Meio Ambiente, que trataram desse tema do Capão Xavier. Na
verdade, foram várias reuniões, mas duas são importantes, a do dia 23/7/2003 e
a do dia 13/8/2003. Chegam a ser irônicas algumas declarações que constam da
ata. Há uma justificativa técnica para falar que a solicitação para a audiência
pública em Belo Horizonte era intempestiva, não devendo ser apresentada. As
pessoas que tomaram essa decisão basearam-se em um parecer que diziam estar
legalmente correto. O Presidente da FEAM comentou que o órgão público tem de se
pautar na legislação vigente, mas não leu a Lei nº 10.793/92, porque, se se pautasse na legislação vigente, jamais
autorizaria o empreendimento em uma área de manancial de abastecimento público.
Ele não respeitou toda legislação. A norma é muito clara. Percebemos que tem
havido interpretações equivocadas da lei. E uma dessas interpretações
equivocadas partiu do nosso órgão ambiental do Estado.
Há outra questão que me parece bastante
complicada. Em relação duas matérias-primas - - ferro e água, a decisão foi tomada por uma câmara de atividades
minerárias, comporta em grande parte, por segmentos ligados ao interesse
minerador. Não houve uma reunião conjunta, por exemplo, da área de
atividades minerárias com a de recursos hídricos, para se tomar uma decisão que
diz respeito a um bem. O interesse comum vem antes do econômico. Essa é outra
norma clara, pétrea, que não se discute. O interesse comum, relativo ao
abastecimento para as primeiras necessidades da vida, tem de vir antes do
interesse econômico. Uma câmara, com composição questionável, foi criada para
tomar uma decisão dessa envergadura. E a tomou em causa própria. Cada qual tem direito à sua visão, mas,
seria como se a Secretaria de Meio Ambiente tivesse uma Secretaria de Mineração
em seu interior, que tomasse as decisões relacionadas à mineração, com a
maioria dos membros dessa Secretaria
ligada à mineração. Isso vai contra o princípio de uma discussão democrática,
no bom sentido da palavra. A Secretaria do Meio Ambiente, por sua vez, acabaria
sendo serviçal dessa visão, fornecendo pareceres, simplesmente atestando,
concordando e encontrando justificativas bonitas para autorizar algo dessa
natureza.
Deixarei aqui as duas atas, para não me
alongar muito, pois enriquecem muito a questão.
A minha principal tese sobre esse caso
foi expressa no jornal “Estado de Minas”, no dia 31 de dezembro de 2003.
Relatei o que estava acontecendo e as minhas principais dúvidas. No que
concerne ao termo de compromisso assinado com a Prefeitura de Belo Horizonte, o
que questionei foi o seguinte: Esse termo dizia, em alguma passagem, caso
houvesse algum acidente que pudesse comprometer o manancial no local onde seria feita a mineração, que
providências seriam tomadas? Seria indicada uma comissão, de comum acordo com a
Prefeitura, a empresa e o Estado, para analisar o caso e, se chegasse à
conclusão de que seria necessário fazer alguma alteração, seria feita no
próximo plano de lavra. Entretanto, para cada plano de lavra, a previsão era de
aproximadamente 5 anos de duração. Suponhamos que o problema ocorresse no
segundo dia, do segundo plano de lavra. Dessa forma, seria necessário esperar 4
anos, 11 meses e 30 dias para que uma nova alteração fosse feita. Há grande
quantidade de caminhões, trabalhando 24 horas por dia, e de explosivos, com o
objetivo de agilizar o serviço. Isso não é um contrato.
Numa das reuniões realizada na
Prefeitura, o Procurador do Município afirmou que aquela era uma relação
contratual entre a Prefeitura e a MBR. Se a relação é contratual, entende-se
que aquele é um bem dominial. Porém o bem não é dominial, mas de domínio público.
Na obra de Clóvis Beviláqua lê-se: “Entre
as coisas corpóreas, excluem-se da posse privada as inapropriadas, por serem de
uso inexaurível, como o ar, a luz, o mar alto e as coisas públicas de uso comum
ou especial e as dominiais.”. Ele afirma ainda: “O bem inalienável não está
sujeito ao usucapião.”. O que caracteriza o bem dominial é que ele é
inalienável. Se o manancial de abastecimento público, com toda a sua área
contida, é essencial para que aquela água seja realimentada com a chuva que cai
das nuvens, das árvores, das montanhas, etc, infiltrando no solo, aquele
manancial não está sujeito ao usucapião, pois é inalienável, ou seja, um bem de
domínio público.
A lei orgânica do Município de Belo
Horizonte diz claramente que a cessão de bens de domínio público tem de ser
autorizada pela Câmara Municipal. A decisão do prefeito Fernando Pimentel,
infelizmente, não levou em consideração a opinião da Câmara Municipal, e o
Governo do Estado não deu a devida atenção à população de Belo Horizonte.
Clóvis Beviláqua diz ainda: “A posse das
coisas públicas, se comuns, cabe, simultaneamente, ao povo, que as desfruta, e
ao poder público federal ou municipal que as administra.”. Portanto não é uma
coisa de administração exclusiva do Poder Executivo. Por isso existem
conselhos, Poder Legislativo, com seus conselhos internos, e Ministério
Público, que se manifestou de forma tardia, mas importante.
Estamos reunidos, para que possamos fazer
valer o direito da sociedade na administração de um bem que é público. Decisões
tomadas sem ouvir a coletividade, conforme ocorreu, podem se constituir de
algumas legalidades, mas se constituem de ilegalidades, totalmente ilegítimas.
O
dep. Márcio Cangussu - Agradecemos
a participação do Sr. Gustavo Gazzinelli e passamos a palavra ao Sr. Ricardo
Santiago, para suas considerações iniciais, lembrando que os parlamentares
farão indagações, não havendo necessidade de se preocupar em fazer um relato
completo.
O
Sr. Ricardo Carvalho Santiago - Sou
formado em Engenharia Civil pela UFMG, mas não tenho exercido a profissão de
engenheiro. Trabalho como corretor de mercadorias, ligado à Bolsa Brasileira de
Mercadorias. Vou ater minha fala às ilegalidades que ocorreram no decorrer de
todo o processo de licenciamento da exploração da Mina Capão Xavier, bem como a
outras ilegalidades e irregularidades cometidas pela MBR em Belo Horizonte,
Nova Lima, Itabirito, Ibirité e outras. Vou ater-me principalmente às
ilegalidades cometidas em Capão Xavier, pois possuo bom conhecimento, tendo em
vista minha formação de engenheiro. Estudei profundamente as leis ambientais
brasileiras.
Nós - Otávio, Gustavo e eu - cumprimos de
maneira forte as nossas convicções de cidadãos. Todo o assunto que culminou
hoje nesta CPI nasceu de uma ação popular que impetramos em 15/12/2003, em que
apontamos várias irregularidades da MBR -
aliás, não digo da MBR, mas sim dos órgãos públicos que concedem o
licenciamento e ferem frontalmente as leis mineira e nacional e a Constituição
Federal, como mostraremos aqui.
No dia 17 de dezembro, obtivemos uma
liminar, uma sentença de seis folhas, do Juiz Maurício Pinto Coelho, da 5ª Vara
da Fazenda Pública, que passou dois dias examinando detalhadamente o processo,
que entrou no Fórum com 680 folhas aproximadamente, em que justificávamos e mostrávamos
claramente as irregularidades cometidas no decorrer da aprovação do projeto de
exploração da Mina de Capão Xavier. Essa liminar, que foi um ato corajoso desse
Juiz, transmitiu a nós, autores, uma força muito grande. Vimos que precisávamos
contar com toda a sociedade civil para que tomasse conhecimento dos fatos
inescrupulosos que estavam e ainda estão ocorrendo.
Porém, no dia 30 de dezembro, véspera do
dia 31, grande feriado, o Desembargador Caetano Levi suspendeu os efeitos dessa
liminar, baseando-se no fato de que, se não houvesse aquela aprovação, haveria
grande desemprego em Nova Lima, da ordem de 300 postos de trabalho. Recebemos
da CUT uma correspondência dizendo, por meio da sua comissão de meio ambiente,
que não poderia minerar Capão Xavier, em função de 300 empregos e por em risco
a população de Belo Horizonte, pois a água que a abastece é proveniente das
nascentes daquele local. A CUT representa 1.750.000 operários, segundo escrito
na sua correspondência a nosso favor.
Na ocasião, recebi também uma
correspondência do ex-Prefeito de Belo Horizonte, Celso Mello de Azevedo,
que faleceu há poucos meses. Nela, ele diz: “Os esforços empreendidos pela
administração da Capital do Estado para equacionar a captação do Mutuca e do
Feixos não foram resultado do empenho de um só governo. A aquisição das terras
não foi também oriunda de uma só jornada de negociação. Tenho orgulho, como
Prefeito, de ter consagrado esse esforço, que, no final das contas, veio a se
incorporar ao patrimônio dos belo-horizontinos de tempos em tempos tão
sacrificados pela escassez de água.”. Isso foi o que disse o Prefeito,
autor e executor das obras de captação e de adução do sistema de Feixos,
Mutuca, Catarina e outros. A nossa ação se baseou principalmente nos problemas
das águas - Gustavo se referiu a isso -, porque entendemos que o empreendimento
fere a Lei nº 10.793/92, sobre a qual falarei detalhadamente quando abordar o
tema “Águas”.
Posteriormente ao ajuizamento da nossa
ação jurídica popular, os Deputados Adalclever
Lopes e Antônio Júlio tomaram uma segunda iniciativa: uma ação pública,
também popular, só que na Justiça Federal, em que argúem outras irregularidades
do projeto, principalmente em relação às cavidades, cavernas e sítios
arqueológicos existentes naquele local.
A Mina Capão Xavier fica dentro de Área
de Proteção Ambiental no Município de Nova Lima, exatamente 200m antes do Posto Chefão, ao lado da BR-040, e
50 ou 60m atrás de um prédio em que a
COPASA administra ou diz que administra a área de proteção ambiental do córrego
do Mutuca, que nasce exatamente ali.
Além da ação popular que tramita na
Justiça Federal sobre o problema da água, os Deputados argüiram o problema de
cavernas e sítios arqueológicos e também obtiveram uma liminar. Isso porque os
horrores causados pela mineração destroem todo aquele acervo do patrimônio
histórico mineiro e também do patrimônio nacional, pois, segundo a lei, as
cavernas fazem parte dele.
Posteriormente, obtivemos a adesão, a
compreensão e o conhecimento do Ministério Público para esse horror que é o
licenciamento ambiental de Capão Xavier. O Ministério Público, por meio de ação
direta dos Promotores da área de meio ambiente de Minas Gerais, decidiu entrar
com uma Ação Civil Pública - é impressionante a força e o poder dessas megaempresas
que os Governos brasileiros estão formando e deixando na mão de particulares,
como é o caso da Companhia Vale do Rio Doce -, que foi engavetada por seis
meses na 5ª Vara Pública. O Juiz sequer se pronunciou - somente , o fez seis
meses depois, quando todo o estrago já estava feito. Essa Ação Civil Pública,
cuja cópia está aqui, é contra o Estado de Minas Gerais, a Minerações
Brasileiras Reunidas, o Prefeito Fernando Damata Pimentel e o Sr. Inácio
Pereira Garda Júnior (do IEF). Ela busca, em primeiro lugar, o impedimento das
atividades minerárias, que podem produzir sérios danos ambientais em recursos
hídricos que se prestam a garantir o abastecimento público de água potável.
Busca também a responsabilização pessoal pela prática de atos de improbidade,
imputados ao agente público que autorizou a supressão de vegetação sem
preservar a área de reserva legal - o funcionário do IEF não poderia fazer
isso, cometeu um delito ambiental -, bem como ao Prefeito Municipal de Belo
Horizonte, que firmou concessão de direito real de uso sobre um bem dominical
do município, sem prévia autorização legislativa.
Se em algum momento foi falado para os
senhores que os membros das Câmaras Minerárias da FEAM e do COPAM não tinham
conhecimento do assunto, é uma balela. Já tínhamos feito representação junto à
FEAM, por meio do Sr. Gustavo Gazzinelli e do Sr. Otávio Gonçalves de Freitas,
sobre o problema das águas, dizendo que estavam ferindo a Lei nº 10.793/92,
principalmente a estrada de acesso que a Prefeitura não poderia conceder,
porque feria um bem público. Além disso, notifiquei, pessoalmente,
extra-oficialmente, todos os membros da câmara minerária, mostrando-lhes que,
naquela ocasião ou em todas as oportunidades em que se reúnem, perante a lei,
são tidos como funcionários públicos. Têm a obrigação de fazer respeitar a lei.
Notifiquei cada um deles, por meio do cartório, mostrando-lhes o risco de
aprovar assunto que já estava sendo argüido na justiça por duas entidades ou
por duas ações populares, posteriormente à ação do próprio Ministério Público.
Dizer que não conheciam essas ações não é verdade, porque, exatamente no dia da
reunião que aprovava, se não me engano, a licença de instalação, a segunda
licença ambiental, li, pessoalmente, uma sentença judicial concedendo uma
liminar por motivos que um Juiz de Direito julgava corretos na nossa inicial.
Fizeram ouvidos de mouro. Se a ata foi gravada e dignamente bem-feita, pois não
fui lá ver, terá, sem dúvida alguma, a leitura da sentença judicial a respeito
do assunto.
Esses cidadãos que se reuniram para
aprovar um projeto que atende aos interesses de uma mineradora feriram leis que
estão sendo argüidas e aceitas inicialmente por Juízes de Direito e não tiveram
sequer o cuidado, a prudência, de prorrogar ou adiar essa reunião.
Pasmem os senhores, na terceira reunião,
que era para a aprovação da operação propriamente dita da mina, o Ministério
Público fez chegar às mãos, a tempo e a hora, das Câmaras Minerárias do COPAM e
da FEAM, uma recomendação de quatro ou cinco folhas com os seguintes dizeres:
“Considerando que a exploração da Mina Capão Xavier pela empresa gera reflexos
nos mananciais que abastecem de água o Município de Belo Horizonte, e que a Lei
nº 10.793/92 não permite a instalação de empreendimentos que venham comprometer
os padrões mínimos de qualidade da água; considerando que o empreendimento não
possui licença ambiental que permita a instalação de equipamentos necessários
ao rebaixamento do nível piezométrico, ou seja, do lençol freático;
considerando as condicionantes estabelecidas quando da concessão da licença
prévia; considerando que inexistem, pelo COPAM, condicionantes que tratem
especificamente da garantia dos padrões classificados das águas hoje
existentes; entre outras e outras considerações da mesma importância,
recomenda-se que em nenhuma hipótese seja licenciado empreendimento que possa
alterar a classe especial dos recursos hídricos existentes na área de sua
influência, conforme definido na Deliberação nº 2.097, nos trechos 38 e 42 do
COPAM, por manifesta violação ao art. 4º da lei.”
Os senhores acreditam que com isso aqui
na mão - pior, com uma outra liminar
concedida aos Deputados - , a Câmara Minerária, não sei se do COPAM ou da FEAM
ou dos dois, aprovou como se nada ali estivesse acontecendo. Como cidadão, fico
pasmado. Isso merece, no mínimo, uma investigação. Pois bem, tudo isso ocorreu
antes da aprovação para exploração pela mineradora. A única coisa que não
ocorreu antes foi a Ação Civil Pública do Ministério Público, que ocorreu alguns dias depois. Peço que os
senhores tenham espírito público e realmente levem esta CPI à apuração das
irregularidades cometidas na aprovação desse processo.
Agora, falarei um pouco sobre as águas.
Afinal de contas, o que significa essa Lei nº 10.793/92 e por que a mineração
atrapalha ou prejudica esses mananciais que abastecem Belo Horizonte? Os
documentos de EIA-RIMA são aproximadamente 3 mil páginas, mas eu o estudei. Ele mostra a inexeqüibilidade, a
impossibilidade de compatibilizar o interesse da mineradora com o interesse
público.
Esses quatro mananciais a que nos
referindo são os mananciais de Mutuca, Fechos, Barreira e Catarina, abastecem
cerca de 10% da população de Belo Horizonte, segundo a COPASA, 320 mil pessoas.
Isso está escrito numa placa que considero a mais cínica que já vi e que foi
colocada pelo IEF na estrada. Foi o IEF quem concedeu a licença que está sendo
argüida como criminal pelo Ministério Público. A placa diz que ao IEF compete
resguardar as águas que abastecem 320 mil pessoas em Belo Horizonte.
Não existe a possibilidade de minerar sem
rebaixar lençol d´água. Água e minério caminham juntos. Ora, serão obrigados a
rebaixar o lençol d´água, porque a mineração será uma cratera com 1.800m de
comprimento por 800m de largura, uma grande cratera, um fossão; terão que
retirar água dali para minerar e aprofundar, porque o buraco terá 270m de
profundidade em relação à cota da montanha que lá existia até poucos meses
atrás. Para rebaixar 270m, terão que esgotar água, não tem outro jeito.
Todos os projetos da MBR, todos os seus
pesquisadores, todos os engenheiros que estudaram numericamente e de forma
matemática o assunto são unânimes em afirmar que haverá redução da ordem de
40%, em média, nos quatro córregos.
Portanto, estamos falando do abastecimento direto de 160 mil pessoas
aproximadamente. Isso está no projeto. Tudo que estou falando aqui está no
projeto. Então, pergunto: como se pode permitir um descalabro dessa ordem? E o
pior é que existe uma lei, aprovada por esta Assembléia, Lei nº 10.793/92, que
diz o seguinte: (- Lê:)
“Lei da Assembléia Legislativa do Estado
de Minas Gerais.
Art. 4º - Fica vedada a instalação de
bacias e mananciais dos seguintes projetos ou empreendimentos que comprometem
os padrões mínimos de qualidade das águas.
II- atividade extrativa vegetal ou
mineral.”.
O que é uma mineração? Não é uma
atividade extrativa mineral? Então, está proibida. Além disso, a lei também
prevê as atividades permissíveis naquele local, se isso fosse pedido. São
atividades permissíveis nas bacias e mananciais o turismo, a pesca, entre
outras, e não consta aqui mineração. Está escrito que não pode e, em momento
algum, diz que pode. Ora, a lei foi feita para ser respeitada ou devemos
tratá-la como nós, brasileiros, gostamos, dando um jeitinho? Porque foi isso
que a FEAM e o COPAM fizeram: deram um jeitinho; esqueceram-se da lei.
Estudo de Impactos Ambientais - EIA -,
cuja apresentação pela empresa mineradora é obrigatória por lei, cita todas as
leis federais e estaduais que envolvem a questão e, se for o caso, leis
municipais. Citam no EIA todas as leis, menos uma: a Lei nº 10.793/92. Só isso,
por si só, já é uma ilegalidade, porque é obrigação do empreendedor que
solicita a licença ambiental traduzir e levar ao conhecimento do órgão as leis
pertinentes, e ele omitiu a que o impedia de forma quase definitiva. Mas há
outras. Ele desobedeceu mais de 50 leis. Portanto, o projeto burla a lei. Isso
é inevitável,
Além disso, a água que nasce naquele
local é de classe especial. Isso atende à Resolução nº 10, do Conselho Nacional
de Meio Ambiente - CONAMA -, se não me falha a memória, que determina que as
águas de todo o País sejam classificadas. E a água que nasce ali foi
classificada como especialíssima, tanto que chega ao consumidor de Belo
Horizonte muito barata, já que basicamente não recebe tratamento, é puríssima.
Ora, quem será ferido depois? A população de Belo Horizonte, que terá que
buscar água para se suprir pagando bombeamento, tratamento, etc. Ou seja, o
consumidor mineiro está sendo lesado com a permissão da FEAM e do COPAM. A água
que nasce ali é de classe especial, mas a que nascerá ninguém sabe. Aliás, já
se prevê também que será de classe 2 na melhor hipótese.
Qual o legado que, depois que fizer essa
grande fossa - porque para mim o que estão fazendo lá não é uma cava, mas uma
fossa -, a MBR deixará para a cidade? Haverá a formação de um lago, que é
vendido nas audiências públicas como um lago azul. Fizeram um desenho dele com
barquinhos a vela passeando. “É uma beleza, ficará maravilhoso”, diz a MBR.
Agora vamos para a sua realidade. Tudo o que estou falando está escrito nos
documentos da MBR.
Avaliação ambiental do lago da cava da
Mina de Capão Xavier, para mim, é o pior delito que acontecerá em termos
ambientais, e vou mostrar por quê. Primeiramente, como já disse, a montanha
ficava a 270m de altitude do fundo da cava, e as águas terão aproximadamente
140m de profundidade. E haverá, entre as nascentes desse lençol d´água e o topo
da montanha, uma camada de terra de cerca de 80m. Portanto, 270m menos a 80m é
igual a 190m. O lago terá uma profundidade de cerca de 140m e ficará lá
embaixo. Quando subirmos ao topo de onde está a montanha, olharemos para baixo
e, mais ou menos uns 80m, haverá um lago. E não será superficial coisa alguma;
não será bonito; não será elemento de decoração. Será apenas uma fossa. O pior
é que, como não têm noção de como será a água que ficará ali parada e que
minará por baixo, para efeito do nosso raciocínio, para efeito da avaliação
ambiental, estimam-na como boa para classe 2.
Há a classe especial, que é a água que
existe lá hoje; a classe nº 1, que é uma água quase pura, muito boa; e a classe
2, que já é meio complicada.
Como será esse lago? Além da sua feiúra,
será um buraco horroroso sujeito a contaminações por águas oriundas de todos os
lados da montanha e de um bairro que existe ao seu lado, o Jardim Canadá, que
hoje possui 5 mil habitantes, mas que, em 2025, quando acabar a mineração,
possuirá mais ou menos, segundo os cálculos dela, cerca de 15 mil pessoas.
Conhecemos o nosso País, a nossa pobreza,
a miséria dos recursos públicos para obras de saneamento. Por isso estou
antevendo que ali serão jogados esgotos.
Não existe no mundo - é o que diz isso
também, aprendi aqui mesmo - nenhum lago de água temperada. Água temperada tem
de 13° a 18°, que é a temperatura aproximada da água que existirá nesse lago,
já que são essas as temperaturas que lá existem hoje. Mas no mundo não existe
nenhum lago com essa profundidade. Não há essa experiência em países tropicais,
como é o nosso.
Aliás, existe um sim, que a “Dona MBR”
nos fez o favor de construir atrás da Serra do Curral. Ainda está em formação,
mas é o lago que estão deixando pelo legado de Águas Claras. Acho que os
senhores já foram convidados, mas não sei se viram o local em que o lago está
se formando. É uma água que, pela cor, eu não beberia de jeito nenhum. É o
único do mundo. Daqui a mais ou menos 10 ou 15 anos, aquele lago ficará cheio.
Demora 15 anos para se encher um lago desses. Antes fica um buraco com 270m de
profundidade.
Estima-se que o aporte indevido de
material poluente que venha atingir as canaletas de drenagem será quase nulo.
Caso ocorram problemas de lixo nas canaletas, sugere-se a instalação de grades
retentoras de entrada de água no lago. Quem vai fazer isso? Ela ou a COPASA?
Quem vai pagar isso? Ela ou todos os
consumidores. Seria recomendável a realização de um programa específico de
avaliação de água. Seria recomendável um programa específico de monitoramento
da qualidade de água do córrego seco, que permitiria consolidar as informações
necessárias, a definição da sua possível utilização.
Um lago forma nutrientes, como aconteceu
com a Pampulha. O próprio ambiente lacustre vai formando nutrientes de água.
Haverá então processos químicos diferentes e reações. Dessa forma, ambientes
aquáticos ricos em ferro apresentam menor tendência à eutrofização, o pior de
todos os fenômenos. Em condições anaeróbias, como é o caso de 140m de
profundidade, haverá formação de gás sulfídrico H2S, conhecido pelo desagradável
odor. Os moradores do Jardim Canadá vão fazer o quê? E se montanha não
conseguir tirar esse vento que trará o ar para cá? Como fica essa cidade? Não
sei. Está escrito aqui: ”Em condições, com o sedimento, ocorrerá o gás H2S,
conhecido pelo seu desagradável odor.”. Ele fala que isso não trará problemas
porque fica a 800m de profundidade. É pouco provável que esse pum saia para
fora, mas e se sair? A COPASA vai dar
um jeito? Certamente, bombeará tudo para fora. E precisaremos de outros 15 anos
para encher o lago. Como vão esvaziar um lago? Como vão tirar a formação de 80m
de H2S para baixo? Jogar no aterro sanitário que já está pequeno para tanto
lixo?
Há, no Brasil, por ser um país tropical,
uma doença chamada caruarus disease. Ela foi detectada em Pernambuco,
Estado quente. Essas águas propiciaram a formação de bactérias cianofíceas,
produtoras do cianureto. O novo padrão de potabilidade, recentemente promulgado
pelo Ministério da Saúde, indica a necessidade de as companhias de
abastecimento avaliarem a possível presença de toxinas. Nesse aspecto, em
escala mundial, o Brasil registra os primeiros casos letais de toxinas de
algas. Podemos falar das mortes ocorridas em 1996 em uma clínica de hemodiálise
em Caruaru - daí o nome caruaru disease.
Nos lagos dá-se o fenômeno da
eutrofização e eventuais problemas poluidores. A eutrofização, segundo eles, de
todos os fenômenos ocorridos na água é aquele que apresenta características
mais complexas, em função de sua base essencialmente biológica, reações biológicas incontroláveis. Ela forma um superalimento
na água. Ela fornece alimentos com extraordinária abundância. O resultado
destrutivo disso é enorme. Além dos prejuízos ao balanço do Oxigênio, a
eutrofização causa uma série de inconvenientes, tais como: geração de maus
odores, proliferação de mosquitos e
insetos, cujas larvas encontram
condições favoráveis de desenvolvimento nas folhas aquáticas; mortandade
de peixes; solubilização de compostos diversos na região do fundo; corpo de
água. Isso tudo ocorre pelas condições de acidez. Em relação a esse último
aspecto, a diminuição da transparência da água pode causar transtornos aos
banhistas e acidentes. Muitas águas que
se desenvolvem em lagos e represas eutrofizados são tóxicas ao ser humano e aos
animais, além de lhes conferirem sabor e odor repugnantes. Essas águas
interferem negativamente nas diversas etapas do tratamento de água,
prejudicando a floculação, pela modificação do PH, a decantação e a filtração,
entupindo os filtros. Além disso, aderem-se às paredes do reservatório ou
incrustam-se em redes de distribuição. É uma água absolutamente imprestável.
Por causa de eutrofização a COPASA deixou de tratar a água oriunda do manancial
da Pampulha, pois para tratar 800 litros de água gastava-se outros 1.000
litros, o que tornou a capitação de água da Pampulha inviável economicamente.
Ainda ressaltam nos documentos da MBR
acidentes a banhistas. Eles pensam que o lago vai servir para banhos.
É inevitável a eutrofização natural, a
qual estão sujeitos todos os ambientes lênticos de nosso planeta, cujos efeitos
só são perceptíveis em escala de séculos. Haverá o fenômeno da eutrofização.
Está escrito nos documentos da MBR. Outros problemas na formação do lago estão
na Ação Civil Pública. Na causa movida pelo Ministério Público, pág. 5, ele
fala que é necessário compreender melhor os fatos e da preocupação com o
abastecimento público. A MBR pinta o seguinte quadro: “Enquanto estivermos
bombeando, vamos aumentar o recurso hídrico. Vamos bombear 157 litros por segundo.
Vamos encher todos os outros córregos.”. Estão criando um sofisma, uma falácia,
uma mentira, um engodo porque esse bombeamento, feito só para atender aos seus
interesses, vai parar de ser feito daqui a 25 anos, quando terminar a atividade
minerária.
Freqüentei o Clube Campestre de Belo
Horizonte muito tempo. Ele fica debaixo do viaduto do Mutuca e sua beleza maior são as cachoeiras. O Dr. Celso
Mello de Azevedo, ex-Prefeito de Belo Horizonte, adquiriu a área e fez a
adução. Ele foi fundador do clube. Aquelas cachoeiras hoje são de mentira, não
existem mais. Com Mina do Mutuca, que ficou exatamente atrás das nascentes das
cachoeiras do Clube Campestre, acabaram-se as águas das cachoeiras. A MBR, de acordo com o clube, fez um poço
artesiano lá embaixo e bombeia a água para cima. A cachoeira do Clube Campestre
depende de energia elétrica. Nove cachoeiras funcionam com bombas, pois são
hoje artificiais. Naquela mata do lado esquerdo da estrada do Rio não há água.
Até quando a MBR vai pagar a conta de luz para manter essa cascata funcionando?
Será que essa empresa é eterna, vai viver para todo o sempre? Um dia, ela muda
de nome, deixa de ser o que é e passa a ser “Mining Corporation”, “Mining
Company Ltda.” e não sei mais o quê. Vai embora e tchau brasileiros, paguem a
conta, subdesenvolvidos, idiotas.
Tenho condições de mostrar que o processo
e o projeto são natimortos. Estão errados desde a gênese, porque aquele terreno
foi desapropriado pelo Governo do Estado de Minas Gerais com a finalidade,
determinada por lei, de preservar ambientalmente a área, e pagou-se à Saint
John Del Rey Mining Company para preservar a nascente daqueles córregos. O
pagamento foi determinado pelo Governador Clóvis Salgado, por meio do Decreto
Lei nº 4.645, de 1956. Desde a desapropriação do terreno, a coisa está errada.
A MBR bolou uma escritura pública em que
a Prefeitura de Belo Horizonte, que foi a desapropriante, pertence ao Município
de Nova Lima. Sua posse é da Prefeitura de Belo Horizonte. Está aí um erro
cometido pelo eminente Prefeito Pimentel. Ele deveria ter respeitado a lei
relativa à propriedade do município em que se encontra o terreno.
A MBR conseguiu uma escritura pública de
desapropriação amigável, de ratificações e retificações, que, aliás, cita
alguns convênios que firmou. A fls. 2, diz que a Saint John Del Rey Mining
Company não é proprietária, mas legítima possuidora.
Uma sugestão que faço à CPI é avaliar até
onde a MBR é proprietária ou legítima possuidora. Possuidora é quem tem a
posse, e quem tem a posse pode ser confundido com grileiro.
A MBR se diz proprietária. Ou é apenas
possuidora? Está no cartório de Nova Lima. Acho que há diferença entre legítima
possuidora e proprietária, e, nesse caso, houve posse.
A MBR obteve uma escritura pública em que
a Prefeitura de Belo Horizonte se comprometia a estar de acordo com a empresa
quando ela fosse minerar. Tudo errado, porque fere o decreto de desapropriação.
Uma Prefeitura não pode se submeter ao interesse privado. Pode discutir, mas
submeter-se não. A Prefeitura tem de conviver com a iniciativa privada, porque,
afinal, é a iniciativa privada que gera os impostos. Não somos contra a
mineração, como dizem por aí. Somos a favor do que é direito. Estamos de acordo
com a mineração feita com responsabilidade. Com a mineração fora de área de
abastecimento de água pública é óbvio que estamos de acordo. Estamos em
desacordo com a mineração que fere a lei.
É preciso que se apurem os títulos de
propriedade da MBR, incluindo a área que ela também invadiu no mesmo projeto.
Pertence ao Município de Belo Horizonte 1,8% da área que foi desapropriada e
que representa 20% do tamanho da cava.
A lei federal que trata do sistema nacional de unidade de conservação
diz que uma área pública só pode ser desafetada ou ter seu objetivo mudado se
houver lei específica sobre o assunto. No caso da MBR, não houve, porque a
Assembléia Legislativa não votou lei a esse respeito. A desapropriação é um
ponto importante que precisa ser verificado por esta CPI.
O
Deputado Antônio Júlio -
O convidado, autor de uma ação cível contra a MBR, está explicando o que está
acontecendo. Já deu vários subsídios para esta CPI. Já estamos, aliás, baseados
em seu depoimento, preparando um requerimento, indagando quem era o Presidente
e quem fazia parte do COPAM, a que ele fez a notificação extrajudicial, quem
foi o Procurador da Prefeitura que induziu o Prefeito a assinar a autorização,
e solicitando que tais pessoas venham a esta Comissão, já que o depoente as
está denunciando. Esse é o papel das pessoas que moveram ação civil pública.
Estamos nos baseando nas afirmações do
depoente e nos documentos que está apresentando, entre eles o licenciamento da
consultoria da empresa ECOLAB. Ele está levantando os erros, e há erros mesmo.
O que está dizendo é correto, é o que está lá.
Com certeza, será convidado a vir aqui
outra vez, porque ainda temos muito o que discutir. Também nós somos autores de
uma ação na justiça e esperamos agora, devidamente documentados, provar e
comprovar o que estamos dizendo ao longo dos últimos 15 meses.
Sr.
Ricardo Carvalho Santiago - O
projeto da MBR é apoiado num projeto de engenharia feito pela FRASA. Esta
empresa fez todo o projeto na língua espanhola, o que é proibido pela lei
brasileira, e não é registrada no CREA, o que invalida todo o processo. Temos
documento do CREA confirmando que a empresa não é registrada, o que é exigido
de todos os profissionais que exercem qualquer profissão no Brasil.
Os convênios firmados há vários anos
entre a Prefeitura de Belo Horizonte, o IEF e a COPASA precisam ser mostrados
ao público. O convênio do IEF com a MBR, a Prefeitura e a COPASA diz que esses
órgãos formarão uma comissão entre si, juntamente com a MBR, para adequar o
zoneamento das áreas ambientais aos interesses minerários da mineradora. Fico
pasmo ao verificar que um órgão público pode adequar zoneamento ambiental para
atender a um interesse privado de mineradora. Isso é obviamente ilegal. Lerei
as cláusulas mais absurdas e, se os senhores quiserem, lerei todas. Segundo uma
cláusula de um convênio da COPASA com a MBR, se desse tudo errado, e se não
fosse possível retornar ao abastecimento anterior, a MBR teria de pagar 20% do
valor que é cobrado do público em Belo Horizonte. Ou seja, o cidadão paga 100%
da conta de água, mas a MBR, para tomar sua água, paga 20% de multa, além de
deixar o consumidor sem água.
A lei define que é preciso haver um
interesse comum para ser feito um convênio entre órgão público e empresa
privada. A boa prática administrativa pública define que o convênio é algo que
só pode existir entre empresas com o mesmo objetivo. Como é que o objetivo da
COPASA, que é cuidar das águas, pode ser igual ao objetivo da MBR, que é
minerar? Isso fere a lei.
O Departamento Nacional de Produção
Mineral - DNPM - não poderia ter dado a concessão de lavra, porque ela é
considerada prejudicial ao bem público. A lei é clara e determina que o bem
público prevalece sobre qualquer ganho da iniciativa privada. O Código de
Mineração também foi ferido. A COPASA se submete à MBR quando diz sobre a anuência.
Ela dá prévia anuência ao assunto como um todo, e isso está muito claro na
cláusula 5ª da pág. 48 das nossas anotações em ações judiciais.
Houve também uma omissão do IBAMA,
principalmente com relação à inobservância de legislações federais incidentes.
Os Deputados Adalclever Lopes e Antônio
Júlio ganharam uma liminar em uma Ação Popular, na Justiça Federal, exatamente
pela omissão do IBAMA, que foi o órgão argüido.
Houve também a
omissão da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE - , que teria
de opinar a respeito do micro-crustáceo, que só existe naquela região do mundo.
A omissão aconteceu porque não lhe foi dado conhecimento, somente no final do
processo é que os moradores do local lembraram-se da existência do
microcrustáceo.
Na área existe uma
caverna que é um bem público nacional, cuja argüição está sendo feita na ação
judicial movida pelos Deputados. Existe o problema do microcrustáceo, que é
microscópico e existe há 500 milhões de anos unicamente naquele local do mundo.
Foi descoberto ali e já deve estar extinto, porque já fizeram lá uma grande
cratera em um ano de mineração.
Outra coisa que nos
surpreende é sobre a própria Frasa, que parece que não tem nem uma sede.
Há o princípio da
supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos
interesses privados. Está na convenção da Rio 92 e na Convenção de Estocolmo,
mas tudo isso está sendo ferido. O princípio da intervenção estatal obrigatória
na defesa do meio ambiente está na Declaração de Estocolmo e no art. 227 da
Constituição brasileira, mas também está sendo ferido.
Omissão do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN -, que se omitiu diante do art. 216 da
Constituição Federal e do art. 62 da Lei nº 9.605, no que se refere principalmente
ao relatório da ECOLAB.
O IEF feriu a
Constituição Federal quando suprimiu vegetação em área de preservação, o que só
pode ser feito por meio de lei. Não existe nenhuma lei no Estado, em relação a
Capão Xavier, que possibilite a destruição dessa vegetação. Portanto, é outra
irregularidade flagrante.
O Código Florestal
está sendo ferido em vários itens, como em relação à fauna e às espécies
ameaçadas de extinção, como está escrito na licença prévia concedida pela
própria FEAM, que mostra que vários animais estão sendo molestados e afetados
por causa da mineração.
A APASul, órgão do
Estado de Minas Gerais, foi criada exatamente para defender as áreas de
proteção ambiental, mas não tem respeitado ou defendido nada. Desrespeita as
Leis nº 21.372/81, nº 36.076/94 e nº 35.624/94, não fazendo zoneamento das
áreas de proteção ambiental. Pelo contrário, adequa o zoneamento aos interesses
da mineradora. É o que está no convênio.
Foi desrespeitada a
deliberação do próprio COPAM, que desrespeita a si mesmo. Define as águas do
córrego do Mutuca como águas de classe especial, que passarão a ser águas de
classe 2.
Em Cercadinho estão
ocorrendo coisas semelhantes, mas bem menores, porque é um córrego só.
A Lei nº
99.085/2000 dispõe sobre a redução de limites de uma unidade de conservação. É
uma lei federal chamada Lei SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação,
em que fica claro que somente por meio de uma lei específica pode-se reduzir
limites de uma unidade de conservação. No entanto, o COPAM ou a FEAM invadiram
20ha da APASull, o que representa 1,8% de sua área, e o entregaram para a cava da mineração. Isso
representa 20% da extensão da cava. Portanto, é outra lei que está sendo
ferida.
Essas são as leis
feridas. Poderia ter abordado cada uma delas com mais clareza, mas procurei ser
objetivo. Estou pronto para esclarecer dúvidas em relação às minhas afirmações,
com a apresentação de documentos. Muito obrigado.
Sr.
Gustavo Tostes Gazzinelli - Só
para deixar isso bem claro – Além da Lei 10.793/92, existem outros dispositivos
legais que estão sendo desrespeitados -, citarei a Lei Federal nº 9.433/97, que
institui a política nacional de recursos hídricos, estabelecendo em seu art.
1º, inciso I, que a água é um bem de domínio público. No inciso VI do mesmo
artigo, estabelece que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada
e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.
Ao comentarmos que o Estado não realizou
audiências públicas da forma adequada, estamos afirmando que os usuários não
foram ouvidos. O Estado ouviu apenas as comunidades do entorno, na audiência
pública realizada no Bairro Jardim Canadá. Não ouviu os usuários. No momento em
que a ação corria na justiça, a MBR veiculou várias propagandas em canais de
televisão, chamando a atenção para a qualidade das águas. Assisti, ontem, a uma
propaganda sobre a indústria extrativa do Estado de Minas Gerais. Se a memória
visual não me falha, creio que algumas imagens, algumas tomadas eram
semelhantes às utilizadas na propaganda da MBR. A própria pessoa - se também
não me falha a memória - que conduzia a matéria era uma das que conduzia a
matéria da MBR. A MBR utiliza os meios de comunicação para fazer propaganda de
suas atividades, mas não os utiliza para informar à população sobre a
realização de uma audiência pública. Não foram poucos os recursos investidos.
No início da minha fala, fiz referências
à Lei nº 9.433. Quanto à Lei nº 10.793, para não ficarmos apenas na leitura de
um artigo, chamo a atenção para o seu art. 6º, que cita as atividades
permissíveis em bacias de mananciais. A atividade extrativa mineral não está
incluída. Como havia dito, baseado na fala de um geólogo, a quem respeito, a
geologia é uma ciência inexata. Uma afirmação feita pela empresa Frasa deixou-me
muito preocupado. Essa empresa realizou um primeiro estudo para a COPASA, num
convênio celebrado entre a MBR e a COPASA, que antecede os últimos convênios
citados. Essa afirmação não foi incluída nos estudos do EIA-RIMA, mas tivemos
acesso ao documento, que será anexado aos autos desta Comissão.
Farei a leitura do documento, que está em
espanhol. Diz o documento: “A formação Cauê tem uma série de diques naturais
que contêm as águas, e, como não há um perfeito conhecimento, dado o fato de a
ciência ser inexata, há possibilidade do rompimento de alguns desses diques,
ocasionando grandes acidentes. Isso está dito. E a lei do Rio de Janeiro,
assinada em 1992, é clara quanto ao princípio da precaução. O Brasil é
signatário dessa lei. Ora, quando assinamos leis comerciais, o cumprimento
integral dessas leis nos é cobrado, mas, quando assinamos leis ambientais,
convenções internacionais, muitas vezes o legislador se esquece da importância
disso. O Brasil é signatário do princípio da precaução. O que estou dizendo
é que a Lei no 9.433, por não ter havido convocação de uma audiência
pública que contemplasse a comunidade de Belo Horizonte, ou seja, os usuários,
não foi cumprida, ignorando-se o princípio da audiência pública, de se escutar
a comunidade. Em segundo lugar, pela minha interpretação, a atividade extrativa
mineral não é permitida em área de manancial de abastecimento público.
No caso do acordo assinado com a
Prefeitura de Belo Horizonte, a MBR teria assinado embaixo garantindo que, caso
acontecesse algum acidente, ela se incumbiria de fazer com que a água
retornasse à antiga qualidade. Ela teria assinado e se comprometido com isso,
mas não o fez. Então, por que o Estado vai fazer uma afirmação com a qual a
própria empresa, principal interessada na atividade, não se comprometeu?
Baseado no princípio da precaução e tendo em vista essa inexatidão, por que o
Estado vai-se comprometer com isso?
Eu disse foi que acho um absurdo e
considero uma excrescência que um assunto dessa natureza seja decidido por uma
câmara de mineração. Sabemos que o princípio da democracia refere-se a uma
certa igualdade de representação. Se há uma câmara em que os principais setores
representados são da área de mineração e se a atividade em questão envolve
água, como pode ela autorizar o início dessa atividade para que depois a câmara
de recursos hídricos autorize, dizendo se vai ou não rebaixar o lençol
freático? Acho que isso é uma impropriedade, e espero que a Assembléia
Legislativa a corrija. É uma autorização provavelmente legal para que essa
estrutura funcione dessa maneira, mas acho que isso é incorreto.
Agora, vou dizer aos senhores deputados
uma coisa que pude verificar nas reuniões de que participei na câmara de
mineração, a que compareci para defender os nossos interesses. Em algumas
delas, solicitei para que constasse em ata o que eu estava dizendo, mas ao
voltar, na reunião seguinte, o que disseram foi apenas que alguns
representantes - estávamos lá eu e o Ricardo - haviam ido lá e exposto algumas
posições. Foi só isso o que escreveram em ata, quando sabemos que a ata é um
instrumento jurídico para que, posteriormente, a justiça possa avaliar bem o
que aconteceu. Então, percebi que isso aconteceu. Depois, se os senhores
solicitarem as fitas das reuniões que trataram desse assunto e cruzá-las com as
atas, talvez saibam se o tipo de coisa que se aprova ali como ata corresponde à
realidade do que foi tratado. Essa é uma sugestão que faço, que talvez permita
um melhor juízo a respeito da imparcialidade no tratamento - a meu ver,
inadequado - dos assuntos que são ali colocados.
Outra coisa que percebi ao ver as atas
anteriores da Câmara de Atividades Minerárias - em que se constata a observação
que estou fazendo, de que essa câmara já se transformou na câmara de meio
ambiente da área de mineração - foi que o representante do IGAM, que deveria
estar ali representando o interesse relacionado aos recursos hídricos, de
acordo com as várias atas que verifiquei, dos anos de 2002 e 2003, não
compareceu às reuniões. Não ia. Então, será que já há um acordo do tipo: esse
assunto, eu resolvo; esse outro, você resolve. Será que é isso? Os senhores
podem pedir as atas e verificar a presença dos membros. E os que dizem
representar a sociedade civil... Bem, muitas vezes, as entidades que representam
a sociedade civil são financiadas ou têm projetos patrocinados pelas empresas
mineradoras. Esse é outro problema; um problema da sociedade civil, que muitas
vezes não sabe escolher seus representantes.
Não vou acusar ninguém de ter recebido
propina de qualquer natureza. As pessoas têm consciência e fazem o que acharem
melhor. O senhor usou uma expressão que cai como uma luva no que estou tentando
dizer. A câmara está amarrada porque, se o representante dos profissionais de
geologia age com total isenção - até acredito que possa agir -, ninguém
desconhece que as consultorias e “n” tipos de empreendimentos que mantêm a
atividade do geólogo são mantidas por empresas de mineração.
A composição da câmara para decidir
matérias que entram em conflito com outros interesses é inadequada. É isso que
quis dizer. Você pode conferir a composição da câmara. Eu disse claramente que,
se a representação da sociedade civil não é adequada, ela poderia ter um peso
maior do que tem de fato - a sociedade civil não amarrada aos interesses da
geologia. Além de ser uma composição limitada, sabemos que eventualmente alguma
ou outra representação vem de entidades patrocinadas em alguns de seus
empreendimentos por empresas de mineração. Por exemplo, a ANDA, pela qual tenho
enorme respeito em razão da sua história, hoje é patrocinada pela MBR. Não
estou dizendo toda ela, mas algumas de suas atividades são feitas pela MBR. O
“site” da ANDA tem um “link” para a MBR, e, acessando-o, chegamos a Capão
Xavier. Há também o “link” para o Grupo Votorantim. Como está composta hoje a
Câmara de Atividades Minerárias, é um absurdo que uma decisão referente à água
- e esse é o nosso foco - seja resolvida por eles.
Deputado
Adalclever Lopes - Só queria esclarecer que a Lei nº
10.793, de 2/7/1992, dispõe sobre a
proteção de mananciais destinados ao abastecimento público de água, que é
aquele caso. Não era uma nascentezinha,
mas uma nascente que abastece 320 mil.
Sr.
Gustavo Tostes Gazzinelli – Por
bacia podemos pensar do ponto de vista topográfico. Outro é a bacia onde a água
fica reservada. Esta, nesse caso específico, é uma bacia que contém muita água
e é onde está o minério. Não todos os locais onde há minério há água, e
vice-versa, mas, no caso do Quadrilátero, muitos são assim. Desejava esclarecer
isso.
No meu modo de ver, na minha opinião,
onde há uma população de três a quatro milhões de habitantes, Grande Belo
Horizonte, a atividade minerária deveria ser proibida, se houver interesses
concorrentes, contrários, no caso. Esse é o espírito da Lei nº 10.793 e dos
decretos que tornaram aqueles locais de bacias reservas permanentes. O espírito
é proibir mesmo, é preservar a água, não ameaçá-la, e não dá para ficar no
“achismo”. Sentará aqui um geólogo que dirá que estamos no “achismo”, mas,
pelos documentos a que tivemos acesso, pelos contratos, pelas cláusulas, pelos
“se isso ocorrer, o que vem depois” e tal, sabemos que em tudo há um certo
“achismo”, inclusive do ponto de vista geológico. Não há um conhecimento
perfeito, ninguém é Deus nessa matéria.
Então, penso que ela deveria ser
proibida, sim, em local onde haja vasta população concentrada dependente disso.
Foi feito, durante vários anos, com muito sacrifício para os cofres públicos um
grande investimento do poder público para a construção dessa adutora. A água do
rio das Velhas tem dois custos, um é o energético para levar água para cima, e
o outro é o do tratamento, uma água que hoje, infelizmente, está em más
condições. Essa água está lá em cima, não há quase nenhum custo energético para
trazê-la para baixo, e ela já vem consideravelmente limpa, sendo o tratamento
químico muito mais barato. Essa é uma questão de se preservar o interesse
público em um local que atende diretamente uma população de 4 milhões de
habitantes. Não há base para negociação, não há meio termo.
O
Deputado Leonardo Quintão - A
Lei nº 10.793, de 2/7/92, no seu art. 1º diz o seguinte: “Ficam considerados
mananciais para os efeitos desta lei aqueles situados a montante do ponto de
captação previsto ou existente, cujas águas estejam ou venham a estar
classificadas nas classes especiais.”. O que discutimos não é se há ou não água
onde há minério, mas realmente o processo de licenciamento. A Lei nº 10.793
classifica, na sua Resolução nº 20, o trecho 38: córrego do dreno de Macacos,
córrego dos Fechos - dos nascentes até o limite jusante da área de proteção
especial; trecho 42: córrego do Mutuca - das nascentes até o limite jusante das
áreas de proteção especial; trecho 49: córrego Independência e córrego Mineirão
- das nascentes além do limite jusante do Parque Estadual da Serra do
Rola-Moça; trecho 50: córrego Barreiro - das nascentes até o limite a jusante da área de proteção especial Barreiro.
A lei proíbe que seja feita mineração de
acordo com o art. 4º, II, atividade extrativa vegetal e mineral. Onde há
mineração, Deputado Domingos Sávio? Esse é o grande debate. Em área onde há
água de classe especial, área onde é captada água que abastece uma parte de
Belo Horizonte. Todos sabemos que a mineração degrada o meio ambiente. Não
fazemos uma CPI contra A ou B, mas um trabalho contra um processo de
licenciamento. Aquela área específica é de classe especial, e não deveriam
minerar nela. Então, questionamos esse processo em que a lei não é obedecida.
Esse é o grande debate desta Comissão.
Sr.
Gustavo Tostes Gazzinelli - Não
tenho hoje os mapas do EIA-RIMA de outras minerações e jazidas que comprometam
a água, mas já os li, e neles o senhor verá que existe o chamado Grupamento
Mineiro nº 10 0, se não me engano. São todas as jazidas pertencentes à MBR e
que praticamente se estendem por toda a região da serra da Moeda. Há decretos
de jazidas em relação a ela, sendo que alguns já foram explorados e outros
estão por explorar.
Há uma coisa interessante no
questionamento feito à FEAM, que diz
algo que também penso, à luz da ração, ser um pouco inadequado. Em uma resposta
de uma nossa formulação, eles dizem: “A mineração, pela sua peculiaridade, é
uma atividade que deve ser entendida e tratada diferentemente das demais
atividades industriais. Cada jazida constitui uma atividade única, onde o mesmo
bem mineral poder ter sua exploração realizada de diferentes maneiras. Dessa
forma, entende-se que, para cada jazida, deve ser realizado um diagnóstico
ambiental único, em que os impactos e as medidas mitigadoras e compensatórias a
serem adotadas devem ser referentes unicamente à jazida em questão. Assim, não
devemos entender que uma empresa detentora de várias jazidas constitua um único
empreendimento minerário. Podemos, sim, caso os empreendimentos sejam
interligados e pertencentes ao mesmo ambiente, transformar os mesmos em um
único complexo minerador e unir seus licenciamentos conforme o objetivo da
renovação da licença de operação.”. Quer dizer, uma jazida foi transformada em
mina para ser explorada por 20 anos, e depois, na hora da renovação, vemos se
houve algum impacto nas jazidas adjacentes. Penso que isso é incorreto. O
grupamento mineiro é toda a extensão da serra da Moeda ou, pelo menos, boa
parte da extensão, e eles detectaram que uma atividade na região do Capão
Xavier afetava, por exemplo, a quantidade de água na área do Miguelão, a alguns
quilômetros depois. Então, vemos que esse complexo minerário tem uma área junto
a outra, está na mesma formação serrana. Seria como dizer que é possível
autorizar a construção de um prédio de 20 andares em um quarteirão. Para isso,
não é necessário um estudo de impacto urbano. No dia seguinte, autorizam outro
proprietário a construir outro prédio de 20 andares, e também não se precisa de estudo. De repente, o quarteirão
tem 50 prédios de 20 andares ou 20 prédios de 20 andares, o que gerou uma
turbulência na rotina de vida daquela localidade.
Então, essa é uma outra impropriedade a
ser sanada. Não é possível que o parecer técnico venha me dizer que só analisará,
em especial, aquela jazida. O que está em questão não é só Capão Xavier, mas
todos os outros decretos de jazida que possivelmente serão pretendidos. Lembro
que, no caso de Capão Xavier, nessa área mais próxima a Belo Horizonte, esta é
a última com grande concentração de ferro, mas ali nascem as águas que
abastecem um e meio Município de Divinópolis. Então, não se brinca com uma
coisa dessa, e já há ali um investimento feito há muito tempo e incorporado ao
patrimônio. Quer dizer, não temos de fazer um novo investimento, mas as
incertezas existem e pairam nos contratos, e realmente acho que não dá para se
mexer nisso.
Deputado
Adalclever Lopes - Sr. Presidente, quero aproveitar esta
oportunidade, quando estamos falando dos membros do COPAM, para fazer a denúncia de que o Sr. João
Henrique Grossi Saad, que ocupa a cadeira do COPAM, representando o
sindicato dos geólogos, mas que, na
verdade, é fundador de um instituto de mineradoras do IBRAM, prestou vários
serviços à MBR como sócio de uma empresa de geologia. Estou fazendo a primeira
denúncia. Existem várias outras que faremos oportunamente. Estamos afirmando
que, inclusive, avocou para si algumas multas imputadas à MBR.
Sr.
Ricardo Carvalho Santiago -
Está aqui o parecer jurídico emitido pelo Sr. Joaquim Martins da Silva
Filho, da Procuradoria da FEAM, em 9/10/2003. Existem outros, mas lerei
apenas esse, porque os outros são semelhantes.
Num projeto dessa ordem, com todo esse envolvimento que estamos
discutindo e que deu origem a esta CPI, ouçam bem o parecer do Dr. Joaquim: nos
autos,
A requerente, a MBR, já qualificada nos
autos, solicita licença de instalação para seu empreendimento. O processo
encontra-se devidamente instruído em parecer técnico de fls. 169 a 181 e
concorda com o pedido condicionado ao cumprimento das exigências, anexo I.
Tendo em vista o parecer técnico, esta Procuradoria opina favoravelmente ao
deferimento do pedido de licença de instalação, nos termos do parecer
técnico.”.
No entanto, no COPAM, havia
representações de populares, que é o nosso caso, pedindo que algumas leis
fossem verificadas, assim como o problema da Prefeitura. Esse parecer jurídico
é omisso, pois não respondeu a essa consulta formal da sociedade. Suspeito do
Dr. Joaquim Martins da Silva Filho. Não tenho provas contra ele nem contra
ninguém. Não tenho poder de polícia nem sou policial. Não vou acusar ninguém
com denúncias que não posso provar. O que estou dizendo, estou provando. Porém,
se denunciasse ou acusasse alguém de um ilícito sem prova, estaria cometendo um
crime, o que não farei. Suspeitar, indagar e querer saber melhor, e até mesmo
pedir que se investigue a respeito de um advogado que dá um parecer dessa
categoria em um assunto dessa envergadura, sim.
Deputado
Biel Rocha - Estou
satisfeito, pois os Srs. Gustavo e Ricardo trouxeram bastante informações. E os
requerimentos apresentados também nos ajudarão a aprofundar algumas questões.
Sr. Ricardo, com relação aos três órgãos
do Governo Estadual - IEF, IGAM e COPASA -, o Decreto Estadual nº 21.372/81
define como área de interesse especial para proteção de mananciais os terrenos
situados na bacia hidrográfica do córrego Mutuca. Portanto ficaram declarados
de preservação permanente toda a floresta e demais formas de vegetação ali
existentes. O senhor confirma a informação de que o IEF autorizou a supressão
de vegetação na área decretada como de preservação permanente? Gostaria que o
senhor precisasse a época e quem era o Presidente do IEF. O IGAM outorgou
licença que permite o rebaixamento do lençol em áreas de nascentes de águas de
abastecimento público, como no caso de Capão Xavier? A COPASA transferiu para a
mineradora a responsabilidade pela reposição do possível déficit que pode
acontecer em relação à água? E ela pode fazer isso? Se puder, precise a época. Obrigado.
Ricardo
Carvalho Santiago – Há
um termo de compromisso entre a COPASA e a MBR, em que a COPASA transfere a
responsabilidade do abastecimento, que também nós julgamos ilegal. Está aqui,
termo de compromisso que entre si firmam COPASA e MBR. Na Cláusula 3.2.2.2 está
escrito: “reposição dos déficits. Para evitar qualquer possibilidade de perda
de água para os mananciais objetos de monitoramento administrado pela COPASA, a
reposição dos déficits terá, inicialmente, um caráter preventivo. Posteriormente,
caso comprovada sua necessidade, um caráter corretivo, de acordo com os
seguintes procedimentos: a partir do início do rebaixamento do nível de água em
Capão Xavier, a MBR disponibilizará preventivamente à COPASA, em conformidade
com suas necessidades, e em local definido pela COPASA dentro dos limites da
área de influência do projeto descrita, de 1/3 do total da água bombeada,
doravante denominada reposição preventiva. Caberá à MBR implantar e operar os
sistemas de bombeamento, adução e, se necessário, de tratamento. Essa reposição
preventiva deverá ser realizada em função da possibilidade de haver defasagem
de tempo entre a identificação dos problemas de vazão e a objetivação da
solução correspondente.”.
Deputado
Adalclever Lopes - Indago ao Sr. Ricardo se, nesse termo de
compromisso, há alguma garantia financeira por parte da empresa.
Ricardo
Carvalho Santiago - Parece
que no contrato da Prefeitura ela fala em seguro de acidentes. Quanto ao
contrato da COPASA, há uma cláusula esdrúxula nesse termo de compromisso,
datado de 22/7/98: “Caso a MBR venha a descumprir as obrigações e condições
estabelecidas para reposição dos déficits, conforme Cláusula 3.2.2.2, deverá a
mesma pagar para a COPASA multa no valor equivalente a 20% do preço do metro
cúbico praticado em Belo Horizonte.”. Sem comentários.
Gustavo
Tostes Gazzinelli - Nesse
último item mencionado, houve um aditivo falando que é 100%. Houve outro
aditivo feito entre a COPASA e a Prefeitura, ou a MBR, ao qual não tivemos
acesso. Foi feito no período em que tentamos colher subsídios para nossos
procedimentos. Parece que há alguns pontos no contrato com a COPASA que não são
muito corretos. Em primeiro lugar, isso parece ser uma prática do Estado de
renunciar à fiscalização das atividades de mineração.
No caso do contrato da COPASA, fica
estabelecido que quem monitorará o sistema das águas, o rebaixamento, é a Frasa
ou outra empresa, que será indicada e paga pela MBR. Quer dizer, há uma
relação: o monitorado é que paga quem monitora. Considero isso uma coisa
absurda. O Estado alega que não possui recursos para fazer isso; mas me parece
que quem executa não fiscaliza, quem fiscaliza não executa. A meu ver, isso é
uma impropriedade que se tornou parte da cultura da gestão ambiental das
atividades minerárias no Estado. Se a empresa muda uma vírgula ou suprime
qualquer frase de um relatório, às vezes
se muda totalmente a informação em aspectos
comprometedores.
Outro aspecto observado no contrato da
COPASA - ao qual tivemos acesso - é que
há uma cláusula de impactos qualitativos. O item 3.b diz o seguinte: “A
garantia de manutenção dos padrões de qualidade mencionada...” - foi mencionada
no item anterior em que a MBR se compromete a manter a qualidade da água -
“...fica restrita aos mananciais de Mutuca e Feixos, por serem esses os únicos
passíveis de sofrer algum impacto na qualidade das águas, como conseqüência
direta da atividade de mineração em Capão Xavier.”. Há outros mananciais que
sofrerão impactos indiretos. Qualquer conhecedor, num curso elementar de
química, sabe que, quando diminuiu a substância, no caso a água, no caso de
Catarina, a previsão para haver o rebaixamento é algo em torno de 30%. Outros
eventuais itens que possam existir ali terão diferente presença no conjunto da
água. Então, além de não prever um monitoramento que afete para além da área
específica da região de Capão Xavier, antiga serra da Moeda, a coisa aqui se
restringe a apenas algumas reservas administradas pela COPASA. Há outros itens.
Fiz um resumo e lhes repassarei.
Ricardo
Carvalho Santiago - A
Constituição Federal é brasileira. O art. 225, no seu inciso III, soterra a
pretensão do IEF. Ela incube o poder público de “definir, em todas as unidades
da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção.”.
Na Ação Civil
Público do Ministério Público,
na pág. 54, está escrito: “Com certeza, a autorização para a supressão vegetal
que não observou a obrigação imposta legalmente de identificar e averbar a área
de reserva legal caracteriza improbidade do funcionário público que a praticou.
O réu Inácio Pereira Garda Júnior, Gerente Regional do IEF, não poderia ter
autorizado a supressão de vegetação, nos processos de nºs - informa os números dos dois processos que regem a
matéria -, cujas as autorizações receberam os nºs 071.595 e 071.596,
respectivamente, sem certificar-se de que a supressão vegetal não afetaria a
área de reserva legal. A conduta do Sr. Inácio Pereira Garda Júnior, em
autorizar a supressão de vegetação caracteriza improbidade administrativa ainda
por outro motivo. Como já foi mencionado, o Município de Belo Horizonte só possui
imóvel no território de outro município devido ao interesse de proteger os
mananciais existentes no local e que se prestam ao abastecimento público de
água para a Capital mineira. Nos termos do art. 13, § 6, da Lei Estadual nº
14.309/2002, a supressão de vegetação protetora de nascente só pode ser
autorizada em caso de utilidade pública...”. E daí por diante. Isso faz parte
da ação civil pública movida pelo Ministério Público.
A liminar da Ação Popular, na Justiça de
Minas, no primeiro momento, no dia 30 de janeiro, não foi cassada; teve seus
efeitos suspensos.
Dra.
Delze dos Santos Laureano - Agradeço
ao Presidente e aos demais Deputados pela aprovação do requerimento. Esta é uma
oportunidade de me pronunciar a respeito de todo esse processo. As informações
que posso trazer são as seguintes: como advogada, entramos nessa ação popular,
em que foi dada uma liminar, posteriormente suspensa por decisão de um
Desembargador, numa Câmara de final de semana, o que estranhamos bastante.
Depois, esse agravo, recebido em efeito suspensivo, foi julgado, e tivemos o
voto do relator, Desembargador Ferreira Esteves, que foi quem analisou
profundamente todos os documentos que havíamos juntado nessa ação. E tivemos
contra os votos do revisor e do vogal, o que não é um procedimento normal.
Entramos com um embargo de declaração visando a possibilidade de impetrar um
recurso especial porque, no nosso entendimento, a lei que criou a ação popular,
assim como a Constituição Federal em seu art. 5º, diz que todo cidadão tem o direito de ter apreciadas
pelo Judiciário lesão e ameaça de lesão a seus direitos. Pela interpretação que
fizemos da Lei nº 10.793/92, existe uma ameaça, e comprometer, no nosso
entendimento, é colocar também em risco. A lei que criou a ação popular busca não
apenas uma ação para reparar dano, mas
para evitar que ele ocorra. Estamos
levando o assunto à interpretação do STJ por meio da interposição de um recurso
especial para que o STJ diga se o cidadão pode ter o seu direito protegido a
fim de que não venha a ser lesado. Isso porque o impacto ambiental, após sua
ocorrência, causa prejuízo irreparável. Não adianta fazer uma reparação em
dinheiro, queremos água.
Com relação à outra ação popular,
impetrada na Justiça Federal, a liminar não foi cassada, e sim, num primeiro
momento, suspensa, ainda não tendo sido julgada no mérito. Portanto, temos
efetivas esperanças nessa liminar, a fim de que não ocorra um mal maior.
Deputado
Adalclever Lopes - Sr. Gustavo, osenhor disse que, nesse
convênio de cooperação, a Frasa Ingenieros era a empresa que verificaria o
nível de rebaixamento, monitorando-o para a MBR. É isso mesmo?
Gustavo
Tostes Gazzinelli - A
COPASA e a MBR.
Deputado
Adalclever Lopes - Isso me assustou porque o Deputado
Antônio Júlio, que é membro efetivo desta Comissão juntamente com este
Deputado, o Deputado Leonardo Quintão e vários outros Deputados, fomos a Madri,
na sede da Frasa Ingenieros, que é a
empresa que fará o monitoramento, contratada pela MBR por US$450.000,00,
indicada pela COPASA conforme disse o representante da referida companhia em
audiência pública. Fomos à Frasa Ingenieros, chamada de uma grande empresa
internacional pelo Secretário de Estado de Meio Ambiente e pelo funcionário da
COPASA, com autorização desta Comissão. Quando lá chegamos, não havia empresa
alguma. Era apenas a casa do engenheiro. A empresa estava registrada em seu
nome, apenas ele era seu responsável, sendo, portanto, presidente de si
próprio. Aqui não estamos questionando o mérito do engenheiro, se tem ou não
competência. Apenas estou dizendo que não se trata de uma grande empresa. E o
que esperávamos que fosse uma grande empresa era apenas a residência do
engenheiro, sendo também sua empresa. Fomos aos colégios que verificam a
questão do impacto ambiental e registram os estudos, como o nosso CREA, e
constatamos que, nesse aspecto, ele não tem grande coisa, ou seja, não é tão
especialista assim. Portanto, fizemos um requerimento para que fosse aqui
chamado. Perguntamo-nos como esse senhor, e apenas ele, poderia estar monitorando
a água de Belo Horizonte. É um senhor sediado na Espanha, com uma empresa em
sua própria casa, e a empresa é somente ele. Isso é muito estranho. Outro
detalhe: como ele pode estar aqui fazendo esses estudos de rebaixamento se não
tem autorização nem no CREA? É como ser médico sem estar inscrito no CRM. Estou
mais preocupado do que antes. Saio daqui apavorado.
Vi uma propaganda do SINDIEXTRA dizendo
que fazia escola, praça. Na verdade, está substituindo o Estado. O tráfico de
drogas só aumentou nas favelas porque o traficante substituiu o Estado. Empresa
boa é para pagar imposto em dia. Se a empresa começa a ser muito boazinha, está
tirando com a mão do gato. Essa é a ordem mundial. Sem emitir nada, é o mesmo
caso da Frasa. Acho que ele não tem capacidade técnica nem engenheiros para
medir. Estive na Espanha na semana passada e ele estava lá. Isso é sinal de que
não está acompanhando o rebaixamento aqui.
Ricardo
Carvalho Santiago - Em
primeiro lugar, não existe nenhum outro lago no mundo com tamanha profundidade
em águas tropicais para nos mostrar alguma coisa relativa ao assunto. Os lagos
mais profundos estão no Norte da Europa e são lagos com águas frias em países
frios. Não são países tropicais, então não existe exemplo desse tipo de
formação. Tudo o que está sendo dito é uma presunção, mas o mesmo estudo fala
que algumas coisas são presunção e outras não. Se o senhor quiser ler tudo, vai
ficar muito mais bem informado, mas, numa reunião onde temos um tempo
relativamente curto, o que me impede de ler toda essa matéria, posso me
reportar a alguns tópicos. Diz aqui o seguinte: “Em condições anaeróbicas, como
será o caso do sedimento no largo de Capão Xavier, ocorrerá a formação de gás
sulfídrico”. Com relação a isso não há dúvida. Quem afirma são eles.
Ressaltei que não estou falando como
engenheiro, mas como cidadão. Uma ação popular é uma ação de um cidadão que é
engenheiro. O próprio estudo também diz que essa formação de H2S vai acontecer
a 80m de profundidade, portanto a 60 do nível da rua. Explica também, em outra
parte, que essa movimentação de águas no sentido vertical dentro de um lago
depende de troca de calor porque, se a água tende a esquentar lá em cima e
esfriar aqui embaixo, haverá uma troca de calor entre regiões. Essa troca de
calor faz com que haja um movimento vertical e circular nas águas do lago. A
troca de calor se faz entre a água da
superfície e águas mais profundas. Está escrito aqui que, se por acaso essa
corrente atingir a profundidade onde já se formou o H2S, haverá o odor. E, se
não me falha a memória, o projeto fala que, nesse caso, o poder público poderia
esgotar a água lá de baixo, tirando a de H2S com bombeamento. Isso
não é uma brincadeira. Não é momento para brincar. Não sou homem de brincar com
uma coisa dessa, dentro de uma CPI na Assembléia Legislativa. Duas coisas são
importantes: primeiro, a possibilidade desse H2S ir até a superfície
transmitindo odor forte. A força eu não saberia dimensionar. Creio que nem quem
fez esse estudo pode dimensionar, porque não dimensionou.
A Lei nº 10.793/92 fala daquilo que
comprometa. Comprometer, no dicionário, significa colocar em risco. O próprio
projeto mostra que estamos em risco. É isso que estou dizendo. Estamos em risco
com relação ao H2S? Estamos.
Existem duas ilegalidades com relação a
Frasa Ingenieros. A primeira delas é que ela não é registrada no CREA de Minas
Gerais, sendo que tem a obrigação de ser. O senhor disse que é veterinário,
pode ter cursado o curso de veterinária, mas, se não tiver o registro na sua
ordem, não poderá exercer sua profissão aqui no Brasil. Da mesma forma, eu,
como engenheiro, se não for registrado no CREA, não poderei exercer minha
profissão no Brasil. A Frasa Ingenieros, de acordo com declaração por mim
solicitada ao CREA - tenho o documento em mãos -, não é registrada no CREA
mineiro. Pelo que me parece, também não é registrada em nenhum outro CREA no
Brasil, apesar de não ter consultado. Essa é uma ilegalidade. Se os projetos
das outras firmas se baseiam no preliminar, que é o da Frasa, entendemos que
eles estão prejudicados.
O outro ponto é que ele é redigido em
língua espanhola, o que também não poderia. Deveria ter sido traduzido por
taquígrafo, tradutor juramentado. É uma obrigação legal, que também não foi
cumprida. Entendo que a Frasa Ingenieros cometeu duas irregularidades ou
ilegalidades que, portanto, invalidam o projeto por ela apresentado.
Dep.
Márcio Cangussu - Dr.
Ricardo e Dr. Gustavo, informo que a presença de V. Exas. foi muito proveitosa.
Com certeza, seus depoimentos serão de grande valia não só para o relator, mas
também para todos os membros da Comissão emitirem seus conceitos sobre o
assunto tratado por esta CPI. Dr. Ricardo e Dr. Gustavo, possivelmente iremos
convidá-los novamente para comparecer a esta Comissão, que deverá funcionar até
o mês de agosto, para prestar os esclarecimentos que julgarmos necessários. A
Presidência agradece aos Srs. Gustavo Gazzinelli e Ricardo Santiago pelo
subsídio prestado a esta Comissão.
Cumprida a finalidade da reunião, a
Presidência agradece o comparecimento dos parlamentares, em especial do
relator, e dos convidados, convoca os membros da Comissão para a próxima
reunião ordinária, determina a lavratura da ata e encerra os trabalhos.