Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas
Departamento de Sociologia e
Antropologia
“O Conflito por Água
O Caso da Mina de Capão Xavier”
Isabela Gomes Welter
Belo Horizonte, 2008
Isabela Gomes Welter
“O Conflito por Água
O Caso da Mina de Capão Xavier”
Monografia
apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
Orientadora: Profª. Drª. Andréa Luisa M. Zhouri
Banca examinadora:
Profª. Drª. Andréa Luisa M. Zhouri (Orientadora / UFMG)
Profª. Drª. Ana Lúcia Modesto (UFMG)
FAFICH / UFMG
Belo Horizonte
2008
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Maristela e Marco Túlio pelo ambiente confortável e carinhoso que me proporcionam em casa.
A Mariana e Cristiano pelas conversas e por levarem de maneira bem humorada os meus momentos mal humorados.
Ao Romain por manter batendo forte o meu coração, pelo incentivo e presença calorosa na minha vida, mesmo com a distância de um oceano inteiro nos separando.
A Geni pela atenção e por ter me emprestado o Lap Top num momento crucial da escrita.
Aos meus amigos queridos de FAFICH, pelas boas conversas de cantina, corredores e jardins, onde sempre encontro um rosto conhecido com tempo disponível para jogar algumas palavrinhas fora.
A minha amiga do coração: Jana, pelo apoio, animação e disponibilidade constante.
Aos amigos queridos: Rafa, Cris, Laura, Celso, Carina, Dani e Gui, pelos muitos momentos divertidos que passamos juntos nas ‘altas’ conversas nos bares da vida e, por terem preenchido com uma quantidade incontável de e-mails os meus momentos de falta de inspiração.
Aos amigos Ana e Fabiano, amigos recentes, mas não menos importantes, por terem sido bons ouvintes nesses últimos meses e ótimos parceiros de trabalhos de faculdade.
Aos demais amigos da vida, que sempre (re)aparecem no momento certo quando eu começo a pensar que já estou sentindo saudades deles.
Aos queridos e sempre atenciosos companheiros do Gesta, pelas trocas de experiências e conhecimentos.
Ao Frei Gilvander por ter me emprestado o material importantíssimo para a elaboração dessa monografia e a atenção dispensada nas trocas de e-mail.
A professora Ana Lúcia Modesto pela pronta disponibilidade e atenção.
E finalmente, a professora Andréa Zhouri pela sua enorme energia e trabalho que inspira seus alunos e principalmente, pela disposição e paciência em analisar as linhas tortas dessa monografia, ajudando a colocá-las num eixo mais alinhado.
A todos, meus sinceros agradecimentos.
RESUMO
A presente
monografia apresentará uma análise do caso da exploração de minério na Mina de
Capão Xavier, área próxima ao município de Belo Horizonte, sendo essa
exploração situada exatamente num local onde se concentram alguns dos
mananciais de água que abastecem parte da Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Neste contexto, destaca-se a assimetria de racionalidades de apropriação
de um mesmo território contrastando a lógica hegemônica da “Modernização
Ecológica” (BLOWERS: 1997), como a observada pela empresa MBR, que impõe a
apropriação dos recursos naturais de maneira mercantilista e economicista, com
a lógica da “Justiça Ambiental” (ACSELRAD, 2004), apropriada pelo Movimento
Capão Xavier Vivo, que pressupõe a existência de outras “racionalidades
sustentáveis” com o entorno, para além da apropriação produtiva da natureza. Esses
conceitos irão colaborar com o entendimento dos sentidos de uso e significados
projetados num mesmo território em disputa, onde de um lado se tem a MBR,
mineradora interessada em extrair o minério de ferro que consiste num insumo
importante para o mercado e suas dinâmicas de exportação, e do outro, o Movimento
Capão Xavier Vivo composto por membros da sociedade civil de segmentos
diversos, reunidos em prol de uma mesma causa, qual seja, da proteção às águas
de abastecimento público dos mananciais existentes na área da mineração
Palavras Chave: Modernização Ecológica; Justiça Ambiental; Movimentos Sociais; MBR; Movimento Capão Xavier Vivo.
E lá vai deus sem sequer saber de nós
saibamos pois
estamos sós
Marcelo Camelo
LISTA DE SIGLAS
AMDA – Associação Mineira
de Defesa do Ambiente
APEE – Áreas de Proteção Especial Estadual
BID – Banco Nacional de Desenvolvimento
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
COPAM – Conselho
de Política Ambiental
COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DHESC –
Plataforma de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais
EIA – Estudos de Impacto Ambiental
FAFICH – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente
GESTA – Grupo de
Estudos
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IEF – Instituto Estadual de Florestas
IPHAN – Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico
LI – Licença de Instalação
LO – Licença de Operação
LP – Licença Prévia
MBR – Mineradoras
Brasileiras Reunidas S/A
MPE – Ministério Público Estadual
MPF – Ministério público Federal
ONG – Organização não Governamental
ONU – Organização
das Nações Unidas
PAC – Programa de Ação Comunitária e Saneamento em Áreas de Baixa Renda
PLANASA – Plano Nacional de Saneamento
RIMA – Relatório de Impacto Ambiental
RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SINFRAJUPE – Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia
SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
UFMG – Universidade do Federal de Minas Gerais
UN-Habitat – Programa das Nações Unidas para Assentamentos
Humanos
UNV-PNUD – Programa dos Voluntários das Nações Unidas
SUMÁRIO
Introdução
-------------------------------------------------------------------------------------------------
8
Cap.1 – o Circuito das Águas --------------------------------------------------------------------- 13
1.1 - Água e meio urbano ---------------------------------------------------------------------------- 13
1.2 - O histórico do abastecimento de água no município de Belo Horizonte ----------- 15
1.3 - O caso específico dos mananciais Mutuca, Fechos, Barreiro e Catarina --------- 19
Cap.2 - O Modelo desenvolvimentista, o minério de ferro e o caso de Capão Xavier ------------------------------------------------------------------------------------------------------21
2.1 - O
modelo desenvolvimentista na política econômica e seus reflexos no meio
ambiente: o contraste da Modernização Ecológica x Justiça Ambiental
----------------- 22
2.2 - O modelo desenvolvimentista
2.3 - O
caso da Mina de Capão Xavier e as implicações sócio-ambientais trazidas pelo
empreendimento
----------------------------------------------------------------------------------------
27
Cap.3 – Estratégias e articulações dos sujeitos em disputa --------------------------- 38
3.1 -
Estratégias e articulações em defesa das águas de abastecimento público ----- 38
3.2 - Estratégias e articulações a favor da exploração do minério ------------------------- 45
3.3 - A
importância dos movimentos sociais na participação política
--------------------- 49
Conclusão ----------------------------------------------------------------------------------------------- 51
Bibliografia ---------------------------------------------------------------------------------------------- 53
Introdução
Essa
monografia foi elaborada a partir de um projeto mais amplo desenvolvido pelo
Grupo de Estudos
Envolvida com os trabalhos do Grupo desde meados de 2007, alguns casos específicos
de conflito ambiental selecionados para serem inseridos no mapa em elaboração,
me chamaram a atenção. Dentre eles estava o caso da implementação do
empreendimento minerário da Mina de Capão Xavier pela Mineradoras Brasileiras
Reunidas S/A[3] (MBR) no município de Nova Lima, Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Por estar numa área muito próxima a
Belo Horizonte, área esta que eu já havia visitado muitas vezes antes mesmo de
saber o que se passava por ali, encontrei
Localizada dentro da área de preservação ambiental de Mutuca e divisa adjacente com o Parque Estadual Serra do Rola Moça - Criado em 27 de setembro de 1994 (Decreto Estadual 36.071/94) - a Mina de Capão Xavier vem sendo explorada numa região onde se encontram quatro mananciais: Ribeirões de Fechos, Mutuca, Catarina e Barreiro, integrantes do sistema Alto Rio das Velhas (de acordo com a divisão da COPASA), responsável por parte do abastecimento de água de uso doméstico, comercial e de serviços dos municípios de Belo Horizonte e Nova Lima. Essa área de importância significativa para a região metropolitana não vem adquirindo destaque apenas em virtude dos últimos acontecimentos, mas sua importância já vem sendo discutida historicamente, desde a fundação do município de Belo Horizonte, que até meados da década de 60 ainda enfrentava sérios problemas relacionados ao abastecimento de água.
O desenvolvimento acelerado de grandes potências mundiais, como a China,
vem proporcionando um forte aquecimento no setor de matérias primas para suprir
suas necessidades internas de crescimento. O minério de ferro não fica para
trás. O aumento da procura reflete no aumento do preço do produto e
conseqüentemente na cobiça das mineradoras em adquirir cada vez maiores áreas
de extração. No mercado brasileiro e principalmente
(...) o discurso global em favor do desenvolvimento sustentável inscreveu, de fato, sociedade e desenvolvimento, numa concepção evolucionista e totalizadora de “crescimento econômico”. A “natureza” – considerada como realidade externa à sociedade e às relações sociais – foi convertida em uma simples variável a ser “manejada”, administrada e gerida, de modo a não impedir “o desenvolvimento” (ZHOURI, et al. 2005b, p.15).
No caso específico da Mina de Capão Xavier, a aprovação do licenciamento da área para o empreendimento da MBR pelo Conselho de Política Ambiental (COPAM), descumpre a aplicação de diversas leis estaduais e federais, sobretudo o descumprimento da Lei Estadual nº 10.793, de 2 de julho de 1992, que: “Dispõe sobre a proteção de mananciais destinados ao abastecimento público no Estado” e em seu artigo 4º, inciso II, veda a “instalação, nas bacias de mananciais,[...] projetos ou empreendimentos que comprometam os padrões mínimos de qualidade das águas: atividade extrativa vegetal ou mineral”.
Diante do descumprimento das leis, e ainda, levando em consideração os
prováveis prejuízos identificados pelos efeitos cumulativos da extração do
minério de ferro na Mina de Capão Xavier, alguns segmentos sociais, opositores
do empreendimento, se uniram num movimento único denominado “Movimento Capão
Xavier Vivo[4]”.
As iniciativas do Movimento já resultaram em duas recomendações encaminhadas ao
Ministério Público, uma Ação Civil Pública contra a MBR, Fundação Estadual do
Meio Ambiente (FEAM), COPAM, Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Prefeitura
de Belo Horizonte, duas ações populares sendo uma na Justiça Estadual e outra
na Justiça Federal, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com a
finalidade de apurar as irregularidades do processo de licenciamento da MBR, uma denúncia da Mina de Capão Xavier
apresentada a Organização das Nações Unidas (ONU), além da formulação de um
site na internet com diversos artigos escritos sobre o caso e relatos de ações
de protesto público, como caminhadas e abaixo-assinados.
Nesse panorama do Estado atrelado as concepções desenvolvimentistas e sua
saga em busca de maiores taxas de crescimento econômico, os processos de
licenciamento ambiental se tornam adaptáveis às nuances do capital à medida que
este muda suas necessidades. O caso de Capão Xavier reflete nesse panorama,
pois nele, observou-se a conivência das instituições públicas com a
implementação do empreendimento, rompendo com um histórico de mais de cem anos
de preservação de mananciais de abastecimento público. Diante desse fato, considerei
de grande relevância o estudo mais aprofundado das articulações e estratégias
da empresa MBR e do Movimento Capão Xavier Vivo, como maneira de apontar os
diferentes sentidos atribuídos a um mesmo lugar, gerados pelos processos de
desenvolvimento. O entendimento do abastecimento de águas ao longo da criação
da capital mineira e uma análise do setor minerário nas esferas global e local,
também enriquecerão a pesquisa aqui proposta, fazendo-nos entender os efeitos
de determinados processos de globalização na localidade e as forças
homogeneizantes dos mesmos na tentativa de minar as diferentes vivências de um
mesmo território. Além disso, assumindo o lugar como não estático, o que
permite “(...) uma consciência de suas
ligações com o mundo mais amplo, que integra de forma positiva o global e o
local” (MASSEY: 2000, p.184), será feita uma análise acerca das práticas e
processos de resistência desencadeados por grupos locais que reconfiguram
ativamente suas identidades, relações sociais e práticas econômicas, de maneira
não se apresentarem como receptores passivos das condições transnacionais
(ESCOBAR: 2005a).
Essa monografia tratará, portanto, da assimetria de racionalidades, contrastando a lógica hegemônica da “Modernização Ecológica” (BLOWERS: 1997), como a observada na MBR, que impõe a apropriação dos recursos naturais de maneira mercantilista e economicista, com a lógica da “Justiça Ambiental” (ACSELRAD: 2004), apropriada pelo Movimento Capão Xavier Vivo, que pressupõe a existência de outras “racionalidades sustentáveis” com o entorno, para além da apropriação produtiva da natureza. Esses conceitos irão colaborar com o entendimento dos sentidos de uso e significados projetados num mesmo território em disputa, onde de um lado se tem a MBR, mineradora interessada em extrair o minério de ferro que consiste num insumo importante para o mercado e suas dinâmicas de exportação, e do outro, o Movimento Capão Xavier Vivo composto por membros da sociedade civil de segmentos diversos, reunidos em prol de uma mesma causa, qual seja, da proteção às águas de abastecimento público dos mananciais existentes na área da mineração em questão.
Após uma leitura geral sobre o caso, questões a respeito dos “vícios” dos processos de licenciamento ambiental pelos órgãos responsáveis e também, sobre o crescimento acelerado do setor minerário no cenário global atual e o papel dos movimentos sociais como novos articuladores de políticas públicas, emergiram como problemáticas que precisariam ser melhor exploradas para compreender o caso de Capão Xavier. Assim, a execução desta monografia envolveu pesquisas teóricas referentes ao tema do meio ambiente, dos recursos hídricos e minerais e dos movimentos sociais, respaldada em autores como Acselrad, Martinez-Allier, Zhouri, Castro, Scherer-Warren, Escobar, além da pesquisa do material existente sobre o caso, reunido pelo próprio Movimento Capão Xavier Vivo tanto em formato impresso como em formato interativo, em site na internet.
Duas breves entrevistas com membros do Movimento Capão Xavier
Vivo, Frei Gilvander e o jornalista Gustavo Gazzinelli, também foram
fundamentais para a troca de informações sobre o caso, já que ambos, como pude
perceber ao longo da pesquisa, são grandes colaboradores da causa, contribuindo
com a elaboração de artigos e forte atuação na articulação de ações a favor da
proteção dos mananciais de água e contrárias a exploração de minério pela MBR
Foram realizadas, ainda, uma visita de campo no local do Parque Estadual Serra do Rola Moça para coleta de material fotográfico e uma visita à sede da Vale do Rio Doce[5] (responsável pela MBR) em outubro de 2008, durante a qual pude assistir a vídeos explicativos e palestra sobre exploração do minério, responsabilidade ambiental da empresa nos locais de exploração e adjacências e sobre os projetos de recuperação das áreas dos empreendimentos ao final das explorações. Nesta mesma oportunidade, com mais um grupo de alunos do SENAC, percorremos a extinta mina de Águas Claras, localizada atrás da Serra do Curral aonde, atualmente, vem se formando um profundo lago no local da antiga cava de exploração. Também visitamos a Mina de Capão Xavier em pleno funcionamento. Nessa última, pudemos contar com a presença de um engenheiro da mina que se apresentava à disposição dos alunos para esclarecer quaisquer dúvidas ou curiosidades. Cabe ressaltar ainda que a visita à sede da empresa, assim como nas áreas de exploração, foram planejadas pela própria Vale, que oferece aos visitantes o transporte, material de divulgação da empresa, lanche e disponibiliza instrutores e engenheiros de seu quadro de funcionários para acompanharem a visita.
Quanto aos desafios da pesquisa, encontrei alguma dificuldade em analisar e sintetizar tudo que já havia sido publicado sobre o caso de Capão Xavier. Como o licenciamento da mina teve início no ano de 1998, desde então já se passaram dez anos da existência do caso, o que resultou na publicação de um volume considerável de material sobre o assunto, como: ações judiciais, notas da imprensa, artigos, relatos de ações em protesto, entre outros.
Desta maneira, minha proposta nessa monografia foi realizar um exercício analítico sobre um caso de luta pela água no cenário urbano como exemplo de conflito ambiental ocasionados pelos “grandes” projetos econômicos impostos por uma dada ordem hegemônica desenvolvimentista do mundo globalizado. A esse respeito, será discutido como os conflitos por água no meio urbano devem ser analisados como “(...) parte de uma confrontação social estrutural de caráter mais substantivo, vinculado à luta por superação das desigualdades qualitativas e quantitativas que impedem que (...) pessoas tenham acesso pleno as condições de vida civilizada[6]” (CASTRO: 2008a). A importância em aderir uma análise social ao estudo dos conflitos por água tem a finalidade de dar conta de seus processos físicos-naturais e sociais, e não apenas encarar tais conflitos como passíveis de soluções meramente técnico-burocráticas, defendidas historicamente pelos setores dominantes de governabilidade e gestão da água.
Cap.1 - O circuito das águas, um
panorama global e local
A água encontra-se atualmente no centro da “questão ambiental”.
Inclusive, segundo informações da ONU, a água promete ser no século XXI um dos
bens mais preciosos para se determinar uma nação, tal qual foi o petróleo no
século XX. Prevê-se ainda que no ano de
Mas, sendo a água um recurso natural essencial à vida e ao desenvolvimento econômico tanto em suas dinâmicas rurais, quanto urbanas, quais seriam os critérios de proteção e acesso a esse recurso?
Como essa monografia se dedica ao estudo de caso da exploração de minério em um local próximo ao município de Belo Horizonte, e sendo essa exploração situada exatamente numa área onde se concentram alguns dos mananciais de água que abastecem parte da cidade, tratarei na sessão a seguir, sobre noções elementares que dizem respeito aos recursos hídricos urbanos, a fim de compreendermos melhor as dinâmicas das águas urbanas tanto num plano mais geral, como no caso da RMBH e a área específica da Mina de Capão Xavier.
1.1 - Água e meio urbano
De acordo com dados do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, UN-Habitat, em 2007, pela primeira vez, a população urbana ultrapassou a rural em níveis mundiais. Os centros urbanos em que vive essa população, por sua vez, em sua grande maioria, têm como característica fundamental uma boa disponibilidade de água, já que a proximidade homem-água nos centros urbanos significa mais do que ter o essencial para a vida, mas também uma busca por melhores condições de saúde pública, como o acesso facilitado a redes de saneamento e melhores condições de salubridade. Além desses fatores, a água representa um precioso insumo para diversas atividades econômicas, grande parte delas desenvolvidas em áreas urbanas.
Porém, ao contrário do que se espera, a urbanização sobre o ciclo-hidrológico resulta na impermeabilização do solo[7], na diminuição da disponibilidade efetiva de água doce, além do aumento dos custos desprendidos pelos poderes públicos destinados ao manejo das águas, mas que nem sempre se estendem a todas as camadas da população. E para aqueles que se estende, presume-se que uma vez que tenham sido beneficiados, paguem pelos custos e facilidades concedidas. É sabido ainda que as águas de boa qualidade para o consumo não possuem acesso facilitado e por isso, cada vez mais, a captação de “boa água” tem se dado em lugares mais longínquos e profundos, acrescentando com isso os custos dessa captação, os quais são repassados para os usuários.
De acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, o acesso a água, seus serviços essenciais e o saneamento são direitos humanos fundamentais[8]. Para Esteban Castro, tal consideração ”representa uma reafirmação de vertentes culturais universalistas, que combatem as formas mais extremas do mercantilismo e do neoliberalismo como princípios ordenadores do sistema social[9]” (CASTRO: 2005a). Porém, “o acesso à água na quantidade e qualidade suficientes à vida”, que deveria “ser reconhecido como um direito institucional humano e social” (PETRELLA: 2004, p.24) vem, por sua vez, diminuindo ao longo dos anos.
No âmbito brasileiro, segundo a Constituição de 1988, as águas pertencem
à União (art. 20, III) ou aos Estados (art. 26, I) dependendo da sua
localização e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(SINGREH) - determinação constitucional, prevista no artigo 21, inciso XIX. Em
8 de janeiro de 1997, uma nova lei foi promulgada com a finalidade de adequar a
constituição a especificidades do acesso a água. Assim sendo, a Lei nº. 9.433
instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Segundo essa Lei, as águas devem ser
tratadas como recurso natural limitado, com valor econômico e de domínio
público, o que significa que seu uso está condicionado à mediação do Estado e
deve ser gerido de forma descentralizada, podendo inclusive incidir cobrança
pela utilização.
O que observamos, no entanto, é que o modelo de governabilidade centrado em princípios mercantilistas[10] observado na atualidade, faz uso da lei, dentro do discurso democrático, para definir os critérios do acesso a água, excluindo de suas decisões a participação dos cidadãos no exercício de seus direitos fundamentais. Ou seja, “a necessidade de introduzir princípios de racionalidade econômica para melhorar a gestão dos recursos e dos serviços de água e saneamento foram confundidos com a introdução da racionalidade mercantil (...) que inverte a ordem dos valores e transforma em fim o que deveria ser o instrumento”. (CASTRO: 2005b). Nesse contexto, os benefícios relacionados a água são tratados como mercadoria e o cidadão como um mero consumidor, o que termina por agravar os problemas de acesso a água, excluindo de sua agenda os menos favorecidos economicamente, restringindo os direitos básicos a cidadania e aumentando a desigualdade social.
Apesar das propostas políticas do Estado de ampliação de projetos de políticas públicas às camadas menos favorecidas, o alcance dessas políticas ainda é baixo nos planos temporais e territoriais, uma vez que estão sempre sujeitos as intempéries do contexto sócio-político-econômico, que normalmente se adequa às imposições do mercado em detrimento dos princípios democráticos de “(...)(universalidade, eqüidade, integralidade, qualidade, acesso, sustentabilidade ambiental), ao meio de atingi-los (fortalecimento do poder local, intersetorialidade) e a atributos correspondentes a ambas dimensões (participação e controle social)” (HELLER, CASTRO: 2007). Nesse sentido, a visão mercantilista aplicada aos serviços de acesso a água inverte a ordem de valores, colocando em segundo plano os princípios de direito social e cidadania, para exaltar o caráter comercial desses serviços, onde a participação do cidadão se resume a obediência e sua capacidade de pagar pelos benefícios recebidos (CASTRO: 2008b).
1.2 - O histórico do abastecimento de água no
município de Belo Horizonte
A escolha de Belo Horizonte para sediar a capital mineira esteve fortemente relacionada a acessibilidade à água. O engenheiro nomeado para o estudo das possíveis localidades onde se construiria a capital, Aarão Reis, deveria reconhecer a disponibilidade de água em termos de abundância de água potável, em termos de quantidade e qualidade e ainda, de condições naturais de salubridade. Esse último estava relacionado a “concepção higienista do século XIX“ que “entendia o saneamento e a salubridade como envolvendo esses aspectos diversos do ambiente físico, considerando-os como requisitos básicos de saúde pública. Hoje a noção de ambiente saudável e de qualidade de vida nas cidades se amplia significativamente, e o saneamentos passa a ser enquadrado dentro do conjunto dos direitos de cidadania” (Fundação João Pinheiro: 1997a, p.34).
Dado início às obras da capital de Minas em fins do século XIX, nota-se, portanto, a conformidade do projeto desenvolvido aos princípios de urbanização herdados da revolução científica e industrial européia. Esses princípios seguiam uma linha positivista, fundamentada no papel do Estado como impulsionador do progresso.
Nessa lógica, nota-se uma preocupação constante da comissão construtora da cidade em traçar as vias e instalações futuras já interligadas a sistemas de abastecimento e saneamento. Assim, a primeira etapa do projeto de abastecimento de água da cidade inicia prevendo a construção dos reservatórios: Serra; Cercadinho - atual Carangola (que ainda não tinha sido terminado com a inauguração da cidade); Palácio e um de extremidade (que nunca chegou a ser construído). Posteriormente em 1896, é realizado o rebaixamento do canal do ribeirão arrudas e iniciada a construção do canal do córrego do Acaba-Mundo (também tendo suas obras incompletas na inauguração da cidade). (Fundação João Pinheiro:1997b, p.66).
Contudo, com uma população
crescente, esse sistema de captação de águas e esgotamento sanitário já se
mostra insuficiente e de difícil operação logo nos primeiros anos da cidade,
que em 1903 já cobrava tarifas para o fornecimento com base
Em 1930, no Relatório Geral dos Serviços do Novo Abastecimento D’Água de Belo Horizonte, pelo chefe dos serviços, Octacílio Negrão de Lima, que - informando sobre a situação do abastecimento regular de água da cidade - diagnosticava patentear-se a clara “necessidade de aduzirem-se novos mananciais para a população da cidade” e que “ao lado da situação precária da população existente, forçoso se tornava considerar o aumento daquela [população], dia a dia crescente. A solução do problema não se podia limitar ao estado atual. Seria uma solução infeliz a que debelasse o mal apenas no presente. Cumpria abastecer a população até aqui desprovida de água e abrir à cidade ampla possibilidade de progresso”, e “projetar o serviço da nova captação, na previsão do desenvolvimento da Capital, até o ano de 1950; (GAZZINELLI: 2003a, p.2)
Ainda assim, desde a fundação da cidade até meados da década de 60, Belo
Horizonte passaria por vários momentos de crise de abastecimento combinados a
períodos de seca com outros de enchentes, ao mesmo tempo em que a cidade
aumentaria consideravelmente em tamanho físico e em número de habitantes.
Principalmente no que diz respeito às vilas e favelas, que não eram
beneficiadas pelos sistemas de acesso a água e redes de esgotamento, a situação
chegou a um a nível bastante precário. Nesse mesmo período, muito se falou a
respeito de novas possibilidades de captação de água e por volta da década de
50 já se reconheceria a importância dos ribeirões Mutuca e Fechos (
A conclusão das desapropriações das ‘terras marginais aos córregos do Mutuca e Fechos’, à St. John Del Rei Mining Company Ltda, pela quantia de Cr$16.500.000,00, a assinatura de contrato com a Companhia Ferro Brasileiro “num total superior a Cr$ 12.000.000,00, para fornecimento de encanamentos que servirão, em sua maior parte, à conclusão de adutora que ligará a adutora de Fechos ao reservatório de Morro Redondo. (GAZINELLI: 2003b, p.5).
É então no ano de 1966 que se iniciam as negociações com o Banco Nacional de Desenvolvimento (BID) para pedido do empréstimo destinado as obras de melhoramentos dos serviços de água e esgoto. A partir de então, ainda que tenham existido atrasos na liberação do dinheiro, muitas obras de infra-estrutura são iniciadas na cidade, dentre elas, o grande Sistema Rio das Velhas, finalizado em 1972[11]. Com o regime militar, a política de saneamento adota uma postura centralizadora das decisões e recursos onde “(...) privilegia-se a capacidade de investir das instituições provedoras de serviços, em detrimento da capacidade aquisitiva das populações”. (Fundação João Pinheiro: 1997c, p.211). E em 1971 essa estratégia é reforçada com a criação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA).
Mais adiante, com a intenção de reformar o planejamento no âmbito metropolitano, é criada uma autarquia municipal de água e esgotos, pelo órgão estadual responsável por esses serviços, que em 1974 já se denominava COPASA - MG (Companhia de Saneamento de Minas Gerais). O ingresso da COPASA em nível metropolitano representaria um aprimoramento do pessoal de operação e equipamentos utilizados nos sistemas de água e esgoto, a introdução de um laboratório central de análises de água, obras de melhoramento dos sistemas de captação de águas, descentralização dos serviços de obras e atendimento aos usuários e, dentre outras melhorias, o reajuste nas tarifas cobradas aos consumidores, fundamentais para a auto-sustentação da companhia de saneamento.
Com o passar dos anos, a preocupação
ambiental efetiva também passou a fazer parte da agenda do Poder Público, e, no
contexto da implantação do Sistema de Abastecimento de Água Serra Azul – na
Bacia do Alto Paraopeba, no município de Paraopeba / RMBH – foi decidido que: a
“(...)bacia hidrográfica foi considerada
como área especial” e por isso
“declarada como área de preservação permanente a vegetação natural ali existente
(LEI nº6.766, de 19 de dezembro de 1979)”. (Fundação João Pinheiro: 1997d,
p.247).
Chegando então a década de 90, foi inaugurado o Sistema Rio Manso – no município de Rio Manso / RMBH – completando o quadro de distribuição de águas tratadas para o município de Belo Horizonte. Nessa fase, com o crescimento da população já mais regularizado em comparação às décadas anteriores, a COPASA passou por uma fase de modernização de sua estrutura, no sentido de ampliar o monitoramento da qualidade das águas distribuídas, desde sua captação até seu despejo nos córregos e rios. Além disso, a companhia, em conjunto com a prefeitura da cidade, iniciou o Programa de Ação Comunitária e Saneamento em Áreas de Baixa Renda (PAC’s), com a finalidade de construir um diálogo maior com as comunidades a serem atendidas e as prioridades de atuação.
Esse
breve histórico do abastecimento de água de Belo Horizonte demonstra até aqui
os dilemas enfrentados pela população da cidade e do Poder Público ao longo da
formação da capital mineira. Cabe ressaltar ainda que:
O grande crescimento populacional e urbano que acompanhou o período favoreceu também – em meio à febre do Milagre Econômico e à carência de instrumentos legais de salvaguarda dos direitos difusos – aos interesses incorporadores e imobiliários, que lançaram mão dos mais variados meios de pressionar detentores de funções ou cargos públicos que pudessem interferir na gestão de seus negócios (GAZINELLI: 2003c, p.8).
1.3 - O caso específico dos mananciais Mutuca,
Fechos, Barreiro e Catarina
Como já foi mencionado na sessão anterior, na década de 50, o Poder Público belorizontino começou a demonstrar sua incipiente preocupação ambiental e reconheceu a importância dos mananciais de Mutuca e Fechos como fontes solucionadoras dos problemas de abastecimento que assolavam a capital. Mais adiante, reconheceu-se também a importância dos mananciais Barreiro e Catarina, que viriam a ser pólos de captação de águas para o abastecimento dos bairros Barreiro e Cidade Industrial.
A importância histórica dos quatro mananciais presentes na atual área da Mina de Capão Xavier (Mutuca, Fechos, Barreiro e Catarina), portanto, sempre esteve diretamente relacionada ao abastecimento de água da cidade de Belo Horizonte. Isso, devido a localização próxima e estratégica dos mananciais ao centro urbano e também, devido a qualidade especial de suas águas (Foto1).
Foto 1: Localização da Mina de Capão Xavier (no bairro Jardim Canadá) e sua proximidade em relação ao centro da capital mineira.
Foto: Imagem de satélite do Google
Earth.
Atualmente, os mananciais dos ribeirões Mutucas e Fechos
alimentam o Sistema Morro Redondo da COPASA, inaugurado em 1958, e são
responsáveis pelo abastecimento de boa parte da zona sul de Belo Horizonte. Já
os mananciais dos ribeirões Catarina e Barreiro fornecem água para a região do
Barreiro e condomínios de Brumadinho, na região metropolitana. As águas desses
ribeirões estão resguardadas por um ecossistema complexo, por se localizarem
numa zona de transição de Cerrado para Mata Atlântica composto por vegetação
diversificada, além de animais adaptados a esse complexo. A formação geológica
do solo local composto por ricos campos ferruginosos e de altitude, dão o
aspecto poroso que funciona como um filtro natural para as águas que ali se
abrigam. As águas captadas nessas condições são consideradas as de melhor
qualidade e por isso, classificadas de classe especial[12], ou seja, destinadas ao abastecimento
doméstico.
Por todas essas razões, esta área foi declarada ainda na década de 80
pelo Governo Estadual, como Área de Proteção Especial[13]
de acordo com os decretos Estaduais nºs. 22.327/82, 21.372/81, 22.091/82 e
22.096/82. E na década de
Tem por objetivo proteger e conservar os sistemas naturais essenciais à biodiversidade, especialmente os recursos hídricos necessários ao abastecimento da população da região metropolitana de Belo Horizonte e das áreas adjacentes, com vistas á melhoria da qualidade de vida da população local, à proteção dos ecossistemas e ao desenvolvimento sustentável.
Mais adiante, em 1994, os governadores Hélio Garcia e Itamar Franco criaram a Estação Ecológica de Fechos - que abrange os mananciais de Mutuca e Fechos - cuja intenção expressa em lei, era proteger as nascentes hídricas ali existentes, tal quais as formações arqueológicas (como grutas e sítios) de grande valor histórico e científico segundo o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Também instituíram o “Parque Estadual Serra do Rola Moça” em 1994, para contribuir com a preservação dos mananciais de Catarina e Barreiro, bem como o complexo natural ali existente.
Os aspectos acima apresentados demonstram que a instalação de qualquer empreendimento nessas áreas, além de causar impactos ao ecossistema local, estará infringindo as Leis e Decretos que protegem os mananciais de água destinados ao abastecimento da população da RMBH. Principalmente no que diz respeito à extração do minério de ferro, os danos causados podem ser irreversíveis, uma vez que a existência de tais mananciais depende do solo composto pelo minério e, tal exploração pode acarretar na redução da vazão, colocando em risco a quantidade de águas captadas e também a qualidade especial dessas águas.
Cap.2- O Modelo desenvolvimentista, o minério
de ferro e o caso de Capão Xavier
Até aqui se tratou da questão da água e de como o poder público lidou com a preservação dos mananciais de abastecimento da população ao longo da fundação da capital mineira. Na última sessão do capítulo anterior, um enfoque maior foi destinado aos quatro mananciais que se encontram na área referida da mineração de Capão Xavier, que desde meados do século passado já eram considerados de importância fundamental para a Região Metropolitana de Belo Horizonte devido a sua proximidade em relação aos centros urbanos e principalmente, pela boa qualidade de suas águas.
Neste capítulo, no entanto, o enfoque se concentrará sob o
entendimento do modelo desenvolvimentista e o enquadramento, neste modelo, da
utilização do outro recurso natural presente na mesma área analisada: o minério
de ferro. Este último, que na maioria dos casos tem sua formação geológica
vinculada à existência da água, também se constitui como um recurso importante,
não pelo fato de ser fundamental para existência humana como é o caso da água,
mas principalmente por seu valor de mercado no âmbito do modelo econômico
assumido estrategicamente pelo estado de Minas Gerais, dentro do panorama maior
de projeto desenvolvimentista adotado no
Brasil.
Os recursos naturais acima mencionados fazem parte de um cenário de apropriações distintas de sujeitos que se situam de forma desigual e assimétrica na estrutura social. Este cenário demonstra não apenas uma disputa de interesses de atores, onde se negocia a apropriação menor ou maior de certos recursos naturais, mas muito mais do que isso, evidencia os distintos vínculos estabelecidos entre os sujeitos com território, através dos sistemas simbólico/cultural e das relações produtivas, numa tentativa de definir a escala de valores e direitos humanos que deveriam ser tomados como primordiais.
Em virtude da intensificação da produção e exportação de commodities, Minas Gerais vem vivenciando uma mercantilização de seu território, que contribui para o agravamento desse cenário de assimetria e a emergência de conflitos ambientais. A esse respeito ressaltam ZHOURI e ZUCARELLI:
Estes
conflitos evidenciam os diferentes processos de construção territorial, bem
como salientam as formas de uso do espaço praticadas por distintos grupos
sociais. A ocorrência dos conflitos remete, então, a situações de desigualdade
no acesso aos recursos naturais e a desproporcionalidade na distribuição dos
riscos gerados pelos processos de desenvolvimento (2008a, p.1).
Para entendimento desse panorama, este capítulo se dividirá em três sessões. A primeira é destinada à reflexão a respeito do modelo desenvolvimentista adotado pela política econômica global e também brasileira, através da comparação das noções antagônicas de “Modernização Ecológica” e “Justiça Ambiental”. A segunda, por sua vez, se dedicará ao entendimento dos fluxos do capital no que diz respeito a extração do minério de ferro, focalizando o estado de Minas Gerais. E para completar o capítulo, a terceira a última sessão tratará do histórico do caso da Mina de Capão Xavier, inferindo sobre esse histórico uma análise crítica relativa às temáticas abordadas anteriormente, quais sejam, do modelo desenvolvimentista, os fluxos do capital, a justiça ambiental, a preservação das águas, etc.
2.1 - O modelo desenvolvimentista na política
econômica e seus reflexos no meio ambiente: o contraste da Modernização
Ecológica x Justiça Ambiental
Questões relativas ao crescimento econômico e impactos ambientais são hoje temas muito recorrentes em encontros internacionais e acordos de cunho econômico ou mesmo social celebrados entre os países ao redor globo. E estas questões, muito embora envolvam soluções complexas e nem tão favoráveis ao setor econômico, são sempre decididas segundo a lógica desenvolvimentista, onde os possíveis antagonismos de interesses se resolvem através de “políticas modernizantes”.
A noção de “desenvolvimento”, segundo explica SACHS e ESTEVA, passou a ser aplicada no período do pós-guerra pelo mundo ocidental para diferenciar os países em termos de seu grau de crescimento e avanço industrial. Sob essa ótica, que perdura até os dias atuais, os países mais avançados industrialmente são capazes de concentrar mais recursos e, portanto, se manterem a frente de outros países considerados mais atrasados.
O desenvolvimento não consegue se desassociar das palavras com as quais foi criado: crescimento, evolução, maturação. Da mesma forma, os que hoje usam a palavra não conseguem libertar-se de uma teia de significados que causam uma cegueira específica em sua linguagem, pensamento e ação. (...) A palavra sempre tem um sentido de mudança favorável, de um passo do simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor. Indica que estamos progredindo porque estamos avançando segundo uma lei universal necessária e inevitável, e na direção de uma meta desejável. (ESTEVA: 2000, p.64).
No caso brasileiro, por
estarmos enquadrados no bloco dos países do sul de desenvolvimento tardio e de
maior atraso econômico, o modelo da “modernização conservadora[14]”
foi aqui adotado com a finalidade de utilizar recursos estratégicos que
reduzissem essa defasagem. Esse modelo pressupõe uma forte presença do Estado
como regularizador da economia e promotor dos “interesses gerais” da sociedade,
através da imposição aos demais setores sociais, dos interesses das classes
integradas na coalizão dominante, tipicamente composta pelas elites.
Assim, com a finalidade de organizar a recuperação do crescimento brasileiro, a transferência do modelo de modernização conservadora para os estados membros do sistema nacional pressupôs a administração dos recursos naturais estratégicos, para o tipo de desenvolvimento pretendido para cada região. Nessa perspectiva do Estado como mediador das condições naturais do país, em graus variados, os elementos naturais podem ser utilizados, ora como recursos intrínsecos a saúde humana, lazer ou apreciação, ora como matérias primas, mercadorias, fontes de energia e outras funções que atendam as demandas do desenvolvimento.
Considerando que os processos de modernização seguem um curso relativamente homogêneo, ao examinar a experiência brasileira, notamos que a gestão dos recursos vinculada ao desenvolvimento econômico culminou, tal qual nos países já “desenvolvidos”, na emergência de uma política ambiental. Esta última se assenta na busca da:
(...) compatibilização entre, de um lado, os usos das condições naturais do território (...) como condições de produção de mercadorias e, de outro, a preservação de suas qualidades como condição para a vida, estabelecendo “parâmetros técnicos” para mitigação de impactos ambientais de atividades “produtivas”, criando áreas de preservação exclusiva ou de uso produtivo gerenciado, etc. (CARNEIRO: 2003a, p.138).
Tal qual foi descrita acima, a política ambiental adotada pelo modelo de modernização conservadora é atualmente encaixada na noção de “desenvolvimento sustentável”. Essa noção, juntamente com outras, quais sejam: “‘eficiência’, ‘capacidade competitiva’, ‘níveis de produtividade’ etc, (...) tendem a legitimar e reforçar a superioridade real e simbólica dos dominantes” (ACSELRAD: 2004a, p.16). A noção de desenvolvimento sustentável, desse modo, se encobre de justificativas ecológicas para legitimar a racionalização do território, via soluções técnicas[15], próprios dos setores dominantes, que excluem as demais apropriações simbólicas de um determinado lugar. “Neste processo, a ‘natureza’ é entendida meramente como uma variável a ser manejada, administrada, gerida, na velha tradição racionalista burocrática e iluminista, de tal forma a não obstaculizar a concepção hegemônica de ‘desenvolvimento’’” (ZHOURI: 2004).
Assim, o desenvolvimento
sustentável, com as dinâmicas que lhe são próprias, instituiu um novo modelo
contemporâneo de modernização amparado pela lógica desenvolvimentista: a
“Modernização Ecológica”. Esta se
constitui como processo de incorporação de preocupações ecológicas pelas
instituições políticas, no propósito de conciliar o crescimento econômico com a
resolução dos problemas ambientais, enfatizando a adaptação tecnológica e a
eficiência industrial, à celebração da economia de mercado, à crença na
colaboração e no consenso. (BLOWERS: 1997).
Contudo, a hegemonia desse modelo entra em tensão quando ordens e relações sociais se manifestam contrárias a ele e passam a disputar um mesmo ambiente. Neste momento se instituem os chamados “conflitos ambientais”, definidos por Henri Acselrad por:
Aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem, ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos (2004b, p.26).
Esses conflitos podem ser posicionados segundo quatro dimensões constitutivas, são elas: “apropriação simbólica e apropriação material, durabilidade (da base material necessária à continuidade de determinadas formas sociais de existência) e interatividade (ação cruzada de uma prática espacial sobre outra) – que seriam essenciais para apreender a dinâmica conflitiva própria aos diferentes modelos de desenvolvimento (ACSELRAD: 2004c, p.26).
Embora mantenham uma posição crítica frente à prática da Modernização
Ecológica vigente, quando não fazem parte da coalizão dominante, os sujeitos
envolvidos nas disputas dos conflitos ambientais, se vêem fragilizados e
despolitizados pelas instituições públicas e setores econômicos, por não
estarem devidamente organizados ou não terem o domínio da linguagem técnica
necessária para apontar, nestes termos, as situações de desigualdade ambiental.
Nesse contexto, recorre-se a noção de “Justiça Ambiental”. Nascida nos Estados
Unidos dos anos
Diante da falta de um ator social fixo, o que se observa é um meio ambiente submetido aos deslocamentos do capital, ou seja, forçado a se sujeitar às condições favoráveis aos grandes empreendimentos que lhe pretendem fazer uso. Neste quadro, as diversas lutas por justiça ambiental aparecem como barreiras políticas frente a essas práticas, por manterem-se como questionadoras da distribuição desigual do meio ambiente, da degradação ambiental e das injustiças sociais.
2.2 – O modelo desenvolvimentista
Como observado no primeiro capítulo da presente monografia, o estado de Minas Gerais, no momento da criação de sua capital, esteve associado às metas desenvolvimentistas e de crescimento industrial, seguindo uma lógica positivista. Essa estratégia estava vinculava às aspirações da lógica modernizante que norteavam e ainda norteiam a política nacional.
Apesar do processo histórico das “Minas Gerais” ter sido traçado as margens das valiosas minas de ouro e diamante, foi apenas no início do século passado que o governo federal demonstrou um interesse concreto pelas reservas minerais por aqui encontradas. Tal interesse estava também vinculado à divisão espacial dos recursos naturais, sendo que após estudos geológicos mais elaborados, o estado de Minas ganhou destaque por apresentar grande potencial em recursos minerais. Assim, incentivados por uma política de exportação para alavancar o desenvolvimento da siderurgia nacional, as jazidas de minério de ferro e de manganês do Quadrilátero Ferrífero[16] mereceram a atenção do capital, da indústria e da classe política mineira.
Ainda que os mananciais de água estejam vinculados às jazidas ferríferas, até meados da década de 50 este patrimônio natural ainda não havia sido significativamente afetado, mantendo-se preservado e afastado de problemas maiores, como foi o caso da capital mineira, que por volta dessa mesma data, ainda mantinha os recursos naturais de suas proximidades preservados e distanciados dos processos de exploração mineral.
Contudo, os procedimentos de organização política e econômica vinculados as regulamentações do capital internacional, direcionaram a política de industrialização em Minas. É então que a partir da década de 60 o setor da minero-siderurgia foi definido como de importância essencial não só para o próprio estado de Minas, como também para os interesses do país “(...) revestindo-se de conteúdo estratégico alusivo a segurança nacional” (DULCI: 1999b, p.207). A respeito dessa participação de Minas no processo industrial brasileiro, explica CARNEIRO:
A atividade mineradora economicamente mais importante para o estado é, de longe, a extração e beneficiamento do minério de ferro, que se torna mais intensa a partir dos anos 1960, quando, movido pelo ímpeto de ampliar os saldos da balança comercial com vistas ao financiamento dos grandes projetos nacionais de industrialização e de criação de infra-estrutura, o governo federal abre o setor ao capital estrangeiro. Por essa época, instalam-se na região central de Minas as grandes mineradoras (SAMITRI, SAMARCO, MBR, etc.) que, acompanhando o ciclo de expansão do complexo industrial “fordista” mundial e nacional, impulsionarão a extração de, literalmente, montanhas de minério de ferro, em quantidades crescentes até o ano de 1977 (2003b, p.138 e 139).
No final da década de 70, apesar da forte retração da economia mundial, acentuada pela diminuição do crescimento, a mineração continuou como atividade fundamental para a economia brasileira, “(..) gerando divisas para a formação de superávites que permitissem o pagamento de juros e serviços da dívida pública” (CARNEIRO: 2003c, p.318).
Atualmente, com o reaquecimento do crescimento econômico mundial, principalmente de potências como a China[17] e a Índia e, a crescente integração das economias regionais em escala global, o setor minerário não só apresentou grande aumento nas suas exportações, como também aumentou suas influências sob o estado de Minas Gerais e outras partes do país, se engajando na busca de novas áreas de exploração[18]. Essa empreitada apoiada pela política desenvolvimentista nacional e amparada pelas facilidades de regulamentação dos empreendimentos concedidas pelos órgãos ambientais, permite que os acessos facilitados aos recursos naturais, independente dos prejuízos que possam trazer ao meio ambiente e a sociedade, estejam disponíveis para as demandas do capital.
Nesse panorama, no estado de Minas as áreas de mineração não só se multiplicaram por todo o território, como passaram a ser vizinhas dos aglomerados urbanos, se apropriando de áreas já territorialmente significadas e apropriadas por outros segmentos sociais ou até mesmo, protegidas ambientalmente contra tal tipo de apropriação do solo (como no caso de Capão Xavier). Nesses locais foram instalados empreendimentos de grande porte, que tem sua atividade legitimada pelo discurso de serem áreas importantes para os “interesses da nação”, assim como pelas soluções técnicas-científicas incentivadas pelo desenvolvimento sustentável, o que vem permitindo a adaptação do meio ambiente aos projetos econômico-industriais.
2.3 - O caso da Mina de Capão Xavier e as implicações sócio-ambientais trazidas pelo empreendimento
O histórico do caso de Capão Xavier representa um caso emblemático de conflito ambiental por envolver uma “(...) desproporcionalidade na distribuição dos riscos gerados pelos processos de desenvolvimento” (ZHOURI e ZUCARELLI: 2008b, p.2). As pretensões de significados e usos do meio ambiente são aqui colocadas em disputa, envolvendo não só os elementos centrais: água e minério de ferro, mas também a fauna e a flora local, além da questão principal do direito ao abastecimento de água da população da RMBH. Ou seja, o caso de Capão Xavier não traz a tona apenas a disputa por recursos “físicos ambientais”, exalta também as distintas lógicas de práticas ecológicas e econômicas adotadas no lugar, que emergem do enfoque desenvolvimentista adotado pela política ambiental brasileira. Isso faz como a concepção do lugar se relacione a aspectos mais amplos, sejam eles: as relações sociais; os impactos da economia; a identidade; etc, levando em consideração também a questão: Qual direito deveriam prevalecer sobre o outro, o direito da água de abastecimento da população ou o ferro para exportação?
Capão Xavier é um empreendimento das Minerações Brasileiras Reunidas
(MBR), “(...) localizada a noroeste da
província mineral do Quadrilátero Ferrífero, estado de Minas Gerais, Brasil. A
área (...) é delimitada pela bacia hidrológica formada a partir das microbacias
dos córregos Seco e dos Fechos, com aproximadamente 16 km2 de área superficial
e altitude variando entre 1.500 e
Foto 2: Vista panorâmica da Mina de Capão Xavier, nos domínios do
bairro Jardim Canadá.
Foto da autora, 22/10/2008
Este empreendimento teve seu licenciamento aprovado pela FEAM, COPAM e ainda, o apoio, através da celebração de convênios que facilitaram seu funcionamento, com a Prefeitura de Belo Horizonte, COPASA, IEF, dentre outros órgãos. A cronologia do processo de licenciamento pode ser acompanhada a seguir[19]:
Cronologia
Março – 1998 – MBR protocolou junto à FEAM a solicitação de Licença Prévia (LP) para a exploração de minério de ferro, na jazida denominada Capão Xavier, situada no município de Nova Lima, próximo ao bairro Jardim Canadá, às margens da BR-040.
Fevereiro – 2000 – após normalização do processo, foi realizada vistoria no local pela equipe multidisciplinar da FEAM, quando a mineradora comunicou modificações consideráveis nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e, conseqüentemente, no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Ficou decidido, em comum acordo entre a FEAM e a MBR, a necessidade de apresentação de um estudo consolidado que incorporasse as modificações, ficando a análise do referido processo suspensa até a apresentação do mesmo à FEAM.
Agosto – 2002 – MBR
protocolou novo EIA-RIMA, contemplando as modificações do projeto original e em
setembro de 2002, novamente publicou o requerimento da licença junto à FEAM.
Março – 2003 – realização de Audiência Pública na Regional Noroeste da Prefeitura de Nova Lima, situada no bairro Jardim Canadá.
Agosto – 2003 – MBR obteve junto ao COPAM a Licença Prévia (LP) com 38 condicionantes.
Outubro – 2003 – MBR solicitou Licença de Instalação (LI).
Dezembro – 2003 – Concedida pelo COPAM a LI com 30 condicionantes.
Janeiro – 2004 – MBR solicita a LO para a Mina de Capão Xavier.
Março – 2004 – LO é concedida pelo COPAM com 34 condicionantes (entre
elas o monitoramento contínuo dos recursos hídricos, resgate e salvamento de
fauna e flora, além da definição do período de desmonte com explosivos, que
poderá ocorrer somente entre 10h e 12h ou entre 14h e 16h).
O local explorado é uma jazida de minério de ferro localizada numa área vizinha ao bairro Jardim Canadá (Foto 3) e onde se encontram os quatro mananciais que abastecem parte da cidade de Belo Horizonte: ribeirões Mutuca, Fechos, Catarina e Barreiro, - já mencionados no primeiro capítulo dessa monografia. Esses mananciais juntos são responsáveis pelo abastecimento de 320.000 pessoas, 9% da população de Belo Horizonte e 7% da região metropolitana. Essa área, como já citado anteriormente, encontra-se protegida por uma Lei Estadual que dispõe sobre a proteção de seus recursos hídricos, além de outras leis e decretos que serão mencionados mais a diante. Todavia, esses dispositivos legais não representaram nenhum tipo de empecilho para a obtenção das licenças necessárias para o funcionamento da mineração de Capão Xavier. Sob argumentação de o empreendimento estar em consonância com os “interesses públicos” e as medidas compensatórias previstas pelas condicionantes se enquadrarem no modelo que segue os princípios do desenvolvimento sustentável, a empresa completou seu processo de licenciamento dentro dos parâmetros legais junto ao órgão fiscalizador de meio ambiente do estado e outros órgãos institucionalizados. Das leis e decretos descumpridos no processo de licenciamento da MBR estão:
· Contrárias ao licenciamento do empreendimento:
Lei Estadual nº. 10.793/1992, que, dispondo “sobre a proteção de mananciais destinados ao abastecimento público”,
veda “a instalação, nas bacias de
mananciais”, de “atividade extrativa
vegetal ou mineral” e outras consideradas poluentes.
Lei Federal nº. 9.433/97, que “institui a política nacional de recursos hídricos”, é, no entanto, bem clara: “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada” e, além do Poder Público e das comunidades, deve “contar com a participação (...) dos usuários”.
Decreto Estadual nº. 21.372/81, que “define como de interesse especial, para proteção de mananciais, terrenos situados na bacia hidrográfica do Córrego Mutuca”, ficando “declaradas de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural” ali existentes.
· Contrárias aos impactos previstos no EIA–RIMA:
Lei nº. 5197 Federal
- código florestal e Lei Federal nº. 7653/67 - proteção à fauna, leis específicas de proteção da
flora e fauna, em especial no que se refere a espécies endêmicas e/ou ameaçadas
de extinção.
Lei Federal nº.
99274, art. 27,
que dispõem sobre atividades que causem danos diretos ou indiretos às unidades
de conservação.
Lei Federal nº. 9985, que trata de desafetação dos
limites de unidades de conservação.
Lei Federal nº. 9605, art. 38, que dispõem sobre crustáceos considerados como pesca. E o código da pesca, título 5, que trata dos invertebrados aquáticos.
Decreto Lei Federal
nº. 9956/90, art. 2o e 3o, legislação que protege as
cavidades naturais.
Foto
3: Localização da Mina de Capão Xavier e da captação dos ribeirões de Mutuca e
Barreiro.
Foto: Arquivo Movimento Capão Xavier Vivo.
Em decorrência das condicionantes propostas no momento
de obtenção das licenças, algumas medidas mitigadoras para minimizar os impactos causados pelo empreendimento foram
apresentadas pela MBR via um plano de compensação ambiental. Das propostas
apresentadas, merecem destaque o comprometimento da empresa com a doação de
áreas rurais, totalizando
Diante de tal cenário, o Movimento Capão Xavier Vivo, que vem atuando
desde
Essas medidas adotadas pelo movimento[22], mais que advertirem sobre os meios viciosos do licenciamento ambiental atual, ainda chamam a atenção para o histórico de desrespeito e prejuízos ao meio ambiente realizados pela MBR ao longo de suas atividades no estado. A MBR é responsável pelo desabamento de parte da Serra do Curral, onde também deixou uma cratera enorme (Fotos 4 e 5), e, desconstituição da paisagem do Pico do Itabirito – localizado no município de Itabirito (Foto 6), ambos considerados Patrimônio Histórico Natural. Suas explorações ainda são apontadas como responsáveis pelo desaparecimento de nascentes do Clube Campestre (RMBH), prejuízo de mananciais do município de Itabirito, além de estragos ambientais em “Tejuco”, no município de Brumadinho.
Foto 4: Cava da extinta Mina de Águas
Claras
Foto da autora, 22/10/2008
Foto 5: Vista panorâmica da Mina de Águas
Claras.
Foto: Arquivo
Movimento Capão Xavier Vivo
Foto 6: Vista panorâmica do Pico do
Itabirito
Foto: Arquivo movimento Capão
Xavier Vivo
Em visitas de campo realizadas no local nos dias 18/10/2008 - nos arredores do bairro Jardim Canadá e no Parque Estadual Serra do Rola Moça - e em 22/10/2008 – nos aposentos da sede da Vale em Águas Claras e na área da mineração de Capão Xavier – evidências da importância ambiental da área (Fotos 7 e 8), principalmente no que diz respeito as suas riquezas em recursos hídricos, puderam ser constatadas pelas placas encontradas no Parque (Fotos 9 e 10). Na visita a sede da Vale, vídeos explicativos sobre as etapas do processo de mineração e sobre a política ambiental adotada pela empresa foram apresentadas aos visitantes, além de uma palestra com instrutoras e duas engenheiras ambientais. Nas falas dessas últimas, tanto quanto nos vídeos, chama atenção o fato de frisarem com bastante intensidade a preocupação da empresa em manter um bom relacionamento com as comunidades vizinhas aos empreendimentos e também, sobre a constante preocupação ambiental vinculada aos projetos de mineração.
Foto 7: Vista parcial da Serra do Rola Moça.
Foto da autora:
18/10/2008.
Foto 8: Placa explicativa sobre o solo da Serra do Rola Moça
Foto da
autora: 18/10/2008.
Foto 9: Placa explicativa sobre os mananciais de água da região.
Foto da
autora: 18/10/2008.
Foto 10: Placa explicativa sobre os mananciais de água da região.
Foto da
autora: 18/10/2008.
O bairro Jardim Canadá, onde se localiza a cava de exploração de Capão
Xavier, faz parte do município de Nova Lima, porém está localizado na rodovia
BR-040, entre os municípios de Nova Lima e Belo Horizonte. Como a ocupação
desse bairro é relativamente recente, a área ainda carece de muitas melhorias
em infra-estrutura básica. A maioria de sua população está associada ao “circuito inferior da economia urbana”
(CRAVEIRO: 2006, p. 437), trabalhadores com escassas condições financeiras e de
moradia. Desta forma, embora desde o início de suas
atividades a MBR (Vale), venha cumprindo com algumas das medidas compensatórias previstas
nas condicionantes do licenciamento, tendo celebrado acordo com um grupo
de moradores do Bairro Jardim Canadá e com a Associação
Comunitária São Judas Tadeu - também do bairro – e também, realizando
benfeitorias de infra-estrutura no local, ainda assim muitos moradores reclamam
das explosões constantes e poeira gerada pelos caminhões[23].
Além disso, prevê-se que no futuro, no local da cava, se forme um lago de
profundidade de 140 mts, um caso nunca antes visto em águas tropicais. Segundo
pesquisas elaboradas pelo do Movimento Capão Xavier Vivo, um lago como esse
pode resultar na proliferação de gases de odor repugnante e, ainda, a
eutrofização - água com super-alimentação de nutrientes - da água, tornando-a
pútrida e infecta, praticamente sem possibilidade de tratamento químico, o que
afetaria a classificação das águas, rebaixando sua qualidade para “classe
Para completar o histórico do caso, cabe ainda citar os impactos
previstos para o os mananciais, o principal recurso natural reivindicado pelo
Movimento Capão Xavier Vivo. Segundo estudos elaborados pela Frasa Ingenieros
Consultores S.L., empresa contratada para avaliação da complexidade
hidrogeológica do local e elaboradora do EIA-RIMA para a MBR, a mineração
naquele local fará com que as águas do córrego de Fechos tenham sua vazão
natural reduzida substancialmente, em 40% e os córregos de Catarina e Barreiro
tenham redução significativa, em torno de 20%, além de impactos irreversíveis
em sua zona de proteção. Em outro estudo, elaborado pelos engenheiros Hélio
Lazarim e Celso Loureiro[25], “os resultados obtidos com a simulação deste
cenário indicaram o desaparecimento definitivo do Córrego Seco e diminuições de
mais de 38% das vazões ao longo do Córrego dos Fechos, no final da operação da
mina”. E ainda, “na região do platô
topográfico do Bairro Jardim Canadá, o rebaixamento previsto para o nível do
lençol d’água seria da ordem de
As soluções técnicas oferecidas pela MBR para a reconstituição da local, como previsto no plano de compensação ambiental, continuam desrespeitando as leis e decretos estabelecidos para proteger a área, subordinando o meio ambiente a interesses estranhos, pouco comprometidos com sua manutenção de maneira equilibrada ou, a preservação desse patrimônio natural para as gerações futuras. Nessa lógica, o conflito ambiental aqui presente também pode ser classificado como uma questão de ética, afinal o que está em jogo: os direitos difusos de proteção ao meio ambiente e garantia de qualidade de vida aos cidadãos ou os interesses privados de desenvolvimento econômico e geração de renda? Abastecimento de água para a sociedade seguindo uma lógica distributiva e pautada na equidade ou exploração de minério para elevar os índices de exportação do país, seguindo uma lógica de acumulação meramente mercantil?
Para CHESNAIS e SEFATI, a transformação capitalista da natureza “(...) cria para os proprietários desse capital um novo campo de acumulação de riqueza que se alimenta da destruição acelerada dos recursos naturais e, no caso dos "direitos de poluir", de danos sem dúvida irreversíveis à biosfera” (2003a). Assim, a dominação de determinados lugares, sem se preocupar com as destruições ambientais e ecológicas e as agressões contra a vida que possam ocasionar, nada mais é que o reflexo da demanda do capital por novos mercados de ações. Nesse cenário são impostas “estratégias de dominação econômica e política sem precedentes em sua forma e seus objetivos, acompanhadas por ‘apostas’ tecnológicas cegas, de uma irresponsabilidade social total” (como observado na construção do lago no local da cava), além da transferência do “(...) peso das degradações para países e para classes mais fracas” (tais quais os moradores do bairro Jardim Canadá, que não possuem os meios necessários para combaterem a exploração mineral no local). (CHESNAIS e SEFATI: 2003b).
Assim sendo, o capítulo que se segue tratará das estratégias e motivações que movem de um lado a MBR e do outro o Movimento Capão Xavier Vivo, como maneiras a legitimarem suas posições neste campo assimétrico de apropriação do espaço.
Cap.3 - Estratégias e articulações dos sujeitos
em disputa
Com o Estado cada vez mais conduzido pela lógica desenvolvimentista global, as políticas econômicas passaram a assumir um papel de destaque muito maior que o das políticas sociais e, com isso, os cidadãos que deveriam ser protegidos pelo Estado se vêem desamparados. Entretanto, viemos assistindo a atuação fundamental dos movimentos sociais como novas formas de ativismo e militância política capaz de reivindicar pelos verdadeiros direitos a cidadania, que para além dos direitos econômicos, se estendem também aos direitos sociais, culturais, políticos, étnicos, ambientais, entre outros. Assim, a seguir serão acompanhadas as muitas estratégicas e articulações elaboradas pelo Movimento Capão Xavier Vivo, responsáveis pela projeção do Movimento em outras esferas, se aderindo a novas lutas e questionamentos. Em seguida, serão apresentadas as estratégias da MBR para combater as críticas e denúncias a respeito de seus empreendimentos. E na sessão de encerramento do capítulo, será feita uma reflexão acerca da importância dos movimentos sociais na participação política do Estado Nacional.
3.1 - Estratégias
e articulações em defesa das águas de abastecimento público
Foi a partir de 1998 que se deu as primeiras mobilizações da MBR para exploração de Capão Xavier através da solicitação de Licença Prévia (LP) junto a FEAM. Daí em diante, a mineradora por meio de convênios, acordos e documentos firmados com a FEAM e COPAM, COPASA e Prefeitura de Belo Horizonte, obteve uma rapidez considerável na votação de seu licenciamento. Foi assim que em 2003, alguns membros da sociedade civil, dentre eles o jornalista Gustavo Tostes Gazzinelli, a advogada e professora de Direito Delze dos Santos Laureano, o frei e padre Carmelita e assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Via Campesina, entre outras entidades, Gilvander Luis Moreira, o engenheiro civil Ricardo Carvalho Santiago e o advogado Otávio Gonçalves Freitas, se engajaram na causa de Capão Xavier. Coincidentemente no ano seguinte, 2004, o tema da Campanha da Fraternidade foi o da “Água, fonte de vida”. Naquele ano, a Igreja do Carmo (onde atua o Frei Gilvander Freitas) assumiu duas ações concretas: a) Lutar pela preservação dos Mananciais de abastecimento Público de Capão Xavier; b) Ajudar financeiramente o Projeto Hum milhão de cisternas no semi-árido brasileiro. Assim, os cidadãos acima citados e ainda com a participação de algumas entidades convidadas, como: a CUT; SINFRAJUPE; ONGs ambientais; Colégio Arnaldo; e outros cidadãos da sociedade civil simpatizantes da causa, teve inicio o Movimento Capão Xavier Vivo.
Atualmente, o Movimento, através da congregação de toda essa rede de
participantes, atua na luta pela preservação do meio ambiente e dos mananciais
de abastecimento público da Região Metropolitana de Belo Horizonte, se
fundamentando em ações judiciais apresentadas nas esferas estadual e federal;
articulações com outros parceiros; publicação de artigos; estudos; ações em
protesto público; material fotográfico e notas a imprensa sobre o caso. A
respeito da importância da organização em rede, como a observada no caso de
Capão Xavier, discute Ilse
Scherer-Warren:
As redes, por
serem multiformes, aproximam atores sociais diversificados — dos níveis locais
aos mais globais, de diferentes tipos de organizações —, e possibilitam o
diálogo da diversidade de interesses e valores. Ainda que esse diálogo não seja
isento de conflitos, o encontro e o confronto das reivindicações e lutas
referentes a diversos aspectos da cidadania vêm permitindo aos movimentos
sociais passarem da defesa de um sujeito identitário único à defesa de um
sujeito plural. (2006a).
Ações Judiciais nas esferas Estadual e Federal:
Utilizando-se do linguajar técnico reconhecido e legitimado pos aqueles
que fazem parte do campo ambiental[26], o Movimento
Capão Xavier Vivo vem elaborando seus contra-laudos, em busca da defesa dos
mananciais e do direito de abastecimento de águas dos cidadãos da RMBH, procurando
contestar os laudos encaminhados pela MBR aos órgãos ambientais, que concederam
a empresa o direito em explorar a área onde está localizada a mina. Essa
linguagem técnica, embora se apresente demasiado cientificista a por vezes
afastada do discurso social, se constitui como estratégia importante para
estabelecer um diálogo, o mais simétrico possível, no contexto político dos
embates ambientais.
Em agosto de 2003, Ricardo Carvalho Santiago, Gustavo Gazzinelli e Otávio Freitas apresentaram a primeira representação ao Ministério Público do estado de Minas Gerais sobre a licença prévia da mina de Capão Xavier, concedida pelo COPAM, mas que ainda não havia saído, e, em setembro de 2003 os mesmos cidadãos apresentaram uma representação ao Ministério Público Federal abordando a mesma questão. Contudo, sem obter respostas das representações, no dia 17 de dezembro de 2003, os três ajuízam uma ação popular, com pedido de liminar, contra o processo de licenciamento para implantação da mina de Capão Xavier. Porém, a MBR conseguiu suspensão da liminar e deu continuidade à construção de uma estrada ligando a mina de Capão Xavier a Mutuca.
Em 10 de novembro de 2003 então, é proposta uma Ação Popular na Justiça Estadual, como medida preventiva, no sentido de evitar futuros danos que pudessem ser causados pela mineração. Dos fatos que fundamentavam o pedido, entre outras críticas aos impactos da mineração para os Ribeirões de Fecho, Mutuca, Barreiro e Catarina, estava a insuficiência dos estudos do EIA-RIMA apresentado pela MBR.
Em janeiro de 2004, por sua vez, a advogada Delze dos Santos, entra com recurso pedindo a retração da decisão do desembargador Caetano Levi, que acatou o pedido da MBR de suspender a liminar. E, em 02 de março de 2004, o Ministério Público recomenda ao COPAM que não conceda licença para a exploração da Mina de Capão Xavier, sob alegação de as informações dos estudos elaborados pela Frasa Ingenieros – empresa contratada pela MBR para realizar os estudos hidrogeológicos – não estavam esclarecendo substancialmente as possíveis conseqüências da operação de drenagem para a lavra da Mina. Ainda em 24 de março do mesmo ano, os deputados Estaduais Adaclever Ribeiro Lopes e Antônio Júlio de Faria entram com uma Ação Popular e uma Ação Ambiental na Justiça Federal. Em um dos trechos desta última, no que diz respeito aos fatos e fundamentos jurídicos, lê-se:
(..) o EIA-RIMA do Projeto Capão Xavier / MBR, que tem sua área de influência os mananciais do Mutuca, Fechos, Catarina e Barreiro, no capítulo referente à Legislação Ambiental, omitiu a citação da referida Lei 10.793/92[27] . (...) Além disso os mapas do EIA-RIMA projetam um trecho da Mina de Capão Xavier sobre um trecho inscrito na área de interesse especial para proteção do manancial do Mutuca (Decreto Estadual 21.372/81), o que caracteriza a ilegalidade do empreendimento que o COPAM está licenciando (Ação Ambiental de 24/03/2004).
No dia 28 de maio de 2004, o Ministério Público entrou com uma Ação Pública contra a MBR, FEAM, COPAM, IEF e Prefeitura de Belo Horizonte. Dos fatos presentes na Ação destaca-se:
É de conhecimento público e notório neste Estado de Minas Gerais a repercussão que vem causando a possibilidade do início da operação (...) ‘Mina de Capão Xavier’(...). Tal repercussão decorre das incertezas e da insegurança quanto aos impactos ambientais que a operação do empreendimento poderá causar aos recursos hídricos (em especial ao abastecimento público das águas) pela pretensão de rebaixar o nível piezométrico (do lençol freático) / (Ação Civil pública / Maio:2004).
Cabe destacar também os argumentos 14 e 15 presentes na síntese conclusiva da Ação:
14- O parecer técnico que fundamenta a concessão da licença de operação do empreendimento menciona a necessidade de licenciamento futuro para o rebaixamento do nível piezométrico, mas o empreendimento foi concebido de forma englobar a atividade de exploração mineral com o rebaixamento do nível piezométrico. Não se trata de nova fonte, mas de empreendimento único que já previa a atividade de rebaixamento. Não há amparo jurídico para o fracionamento do procedimento de licenciamento ambiental.
15- No certificado de Licença Ambiental de Operação nº. 238, de 25 de março de 2004, (...), não consta qualquer restrição para que o empreendimento promova o rebaixamento do nível piezométrico. Também não há qualquer condicionante que estabeleça medidas concretas para garantia da qualidade das águas (...). Não houve a preocupação em garantir-se o abastecimento público de água potável no período de inundação da cava (15 anos) / (Ação Civil pública / Maio: 2004).
Como conseqüência das várias denúncias apresentadas nas Ações e
Representações encaminhadas ao MP Estadual e Federal, no dia 10 de março de
2004, 27 deputados subscreveram um requerimento dos deputados Adalclever
Ribeiro Lopes e Antônio Júlio de Faria pedindo a instalação de uma CPI na
Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A CPI aprovada para apurar as
(i)regularidades dos processos de licenciamento prévio (LP), de instalação (LI) e de
Operação (LO), das atividades da MBR no Estado de Minas Gerais, bem como do
julgamento dos recursos dos autos de infração atribuídos à MBR. Além disso, os
deputados queriam também analisar o papel da COPASA no caso.
Depois de instaurada a CPI, várias reuniões foram realizadas ao longo do ano de 2004 na assembléia legislativa, nas quais foram ouvidos representantes da MBR, da COPASA, da FEAM, do Movimento Capão Xavier Vivo, entre outros. Numa dessas reuniões, do dia 26 de abril, a comissão ouviu o promotor Fernando Galvão, da Curadoria de Proteção ao Meio Ambiente – um dos autores da ação popular contra a exploração. Em sua fala, Galvão apontou falhas e omissões no parecer da FEAM e no EIA que permitiram o licenciamento de operação da mina, como por exemplo, a falta de um plano de gestão hídrica que demonstre a garantia de abastecimento de água para moradores de Nova Lima e esclarecimentos sobre a água classificada como "especial", que irá passar para "classe dois", implicando no decréscimo de sua pureza.
Ações públicas e publicidade do caso:
Naquele mesmo ano de
Entre essas ações destaca-se a criação do “Grito de Guerra”, lema do Movimento:
O projeto (da MBR) é ilegal, porque fere as leis ambientais; é imoral porque rompe com uma história de mais de cem anos de preservação daqueles mananciais de abastecimento público e porque desmoraliza as instituições públicas que foram coniventes ou omissas; é prepotente quando desafia a vontade divina e se arvora em multiplicador de águas; é irresponsável, quando submete a população de toda a cidade aos riscos de um holocausto ambiental. Enfim, desrespeita o direito à vida das próximas gerações e fere o direito da flora e da fauna ali existentes[30].
Foi também elaborado um dossiê sobre a Mina de Capão Xavier, onde o
Movimento reuniu artigos, notas da imprensa, representações encaminhadas ao
Ministério Público, entre outros, em 200 páginas intituladas “O Imbróglio de
uma Farsa”, denunciando o Projeto da Mina de Capão Xavier. Assim como foi
divulgada a Lista
Suja[31] 2004 do Movimento Capão Xavier
Vivo[32]:
·
AMDA - Associação Mineira de Defesa do Ambiente
- É financiada por empresas poluidoras;
- Defende o consumo e não o meio ambiente;
- Não representa a sociedade civil organizada.
·
COPAM - Conselho Estadual de Política Ambiental
- Autorizou a operação da Mina Capão Xavier, contrariando as Leis Ambientais e
o Ministério Público.
·
FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente
- Foi favorável ao Projeto ILEGAL da Mina de Capão Xavier.
·
COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais
- Água de graça para a MBR e muito cara para a população;
- Subserviente aos interesses da MBR;
- Expõe nossos Mananciais de Abastecimento Público aos riscos da mineração e à
ganância da MBR.
·
MBR – Minerações Brasileiras Reunidas
- Comeu grande parte do nosso Patrimônio Histórico Natural, que é a Serra do
Curral e o Pico do Itabirito;
- Deixou uma enorme cratera em Águas Claras;
- Expõe à extinção Mananciais de Abastecimento Público;
- Exporta o minério de ferro a preço irrisório, deixando o Meio Ambiente
arrasado.
Merece destaque também a Caminhada em defesa das Águas de Capão Xavier realizada no dia 03 de abril de 2004 (Fotos 8 e 9):
Foram 10 Kms de caminhada e 05 Kms de carreata, das 8:00 hs às 13:30 hs, da Igreja do Carmo até Jardim Canadá, na BR-040 (Nova Lima), onde a MBR pleiteia explorar a Mina de Capão Xavier. (...)Vestidas de branco, trajando camisetas com inscrições, tais como: “Preservar a água é preservar a vida!” ou “Água é fonte de vida!”, cerca de 1.000 pessoas botaram o pé na estrada, rumo a Capão Xavier, carregando no coração a convicção de que defender os Mananciais de Abastecimento é um imperativo ético para o desenvolvimento sustentável. (...) na entrada da estrada que dá acesso à pretensa mina de Capão Xavier aguardavam-nos 06 (seis) viaturas da Polícia: 03 (três) da polícia militar de Minas Gerais e 03 (três) viaturas da guarda municipal de Nova Lima. No total uns 15 policiais perfilavam-se na entrada do empreendimento para impedir que os manifestantes entrassem no local. Eram servidores públicos, pagos com dinheiro do contribuinte, servindo, sendo usados, para proteger patrimônio privado[33].
Foto 8: Participantes da caminhada com
faixas de protesto.
Foto: Arquivo Movimento Capão Xavier Vivo.
Foto 9: Grande número de participantes na
caminhada até a Mina de Capão Xavier.
Foto: Arquivo Movimento Capão Xavier Vivo.
A respeito dos direitos humanos desrespeitados no caso de
Capão Xavier, destaca-se a publicação da Plataforma DHESC, “Projeto dos
Relatores Nacionais
Em 2005 ainda, a CPT
denunciou as autoridades a ocorrência de “situações suspeitas” de intimidação
contra frei Gilvander, membro do Movimento Capão Xavier Vivo, destacado por
grande empenho de atuação no caso. Numa
dessas situações, Gilvander foi procurado por um homem que estava armado, muito
nervoso e falava em tom agressivo, estava acompanhado por outro que permaneceu
na moto (ligada), na portaria da Igreja do Carmo
Mais adiante em março de 2007, cerca de 600 mulheres em
encontro da Via Campesina, entre elas, sem terra, atingidas por barragens,
quilombolas, geraizeiras, indígenas, camponesas, agentes de pastorais e
estudantes, interromperam as atividades da MBR na mina de Capão Xavier,
impedindo a pista de saída e entrada dos caminhões de minério de ferro.
Atualmente o Movimento Capão Xavier Vivo prossegue suas atividades através de notas divulgadas à imprensa, publicação de novos artigos em seu site e elaboração de novas representações a serem encaminhadas ao Ministério Público. Enfatizando que sua luta continua em defesa das águas de abastecimento público, estão associados a outras lutas como por exemplo, a contrária à transposição do Rio São Francisco. Esse fato diz muito a respeito do caráter associativista do Movimento na sua atuação em rede com outras entidades e movimentos de “lutas irmãs”, fazendo dessas associações mais uma estratégia de articulação para troca de experiências vivenciadas e empoderamento das lutas.
3.2 - Estratégias e articulações a favor da exploração do minério
Em contrapartida as estratégias adotadas em defesa das águas, a MBR também se articula em defesa de seus interesses adotando estratégias e firmando convênios, acordos e documentos que a possibilitem prosseguir com as atividades na Mina de Capão Xavier.
Na época em que a mineradora ainda aguardava o processo de
licenciamento encaminhado à FEAM, algumas estratégias foram tomadas. Em
setembro de
Junto a COPASA, por sua vez, foi celebrado um acordo no qual a Companhia transferiria à mineradora a responsabilidade pela reposição dos déficits que acontecerão com respeito ao abastecimento de água e a responsabilidade pelo monitoramento de mananciais na região.
Com relação aos estudos apresentados no EIA-RIMA do projeto de Capão Xavier, a MBR ainda oferece, algumas soluções para a área (já mencionadas na última sessão do segundo capítulo desta monografia como forma de diminuir os impactos causados pela mineração ao final de suas atividades. Contudo, no EIA-RIMA foram omitidas pela mineradora algumas leis, dentre elas a Lei 10.793/92 – que veda a instalação de empreendimentos em áreas de mananciais de abastecimento público – e elementos ambientais como as cavernas e espécies únicas da fauna presentes na área, que serão impactadas pelas atividades da empresa.
Nos inquéritos da CPI de 2004 instaurada para apuração das (i)rregularidades no licenciamento de Capão Xavier, as estratégias adotadas pela MBR para obter sucesso na aprovação do empreendimento, podem ser analisadas através da leitura das notas taquigráficas das reuniões reunidas no site do Movimento Capão Xavier Vivo. Tais estratégias comprovam o esquema vicioso no qual se enquadram os pedidos de licenciamento no órgão ambiental do Estado. Sempre apoiados pelo argumento técnico, os representantes da FEAM, IGAM e outros, encontram os meios para justificarem a liberação de licenças. No contexto da CPI, portanto, dentro os muitos depoimentos acompanhados, destaca-se o depoimento da diretora de Instrumentalização e Controle do Instituto de Gestão das Águas (IGAM), Célia Maria Fróes, no qual ela responde a questionamentos dos deputados sobre como se dá o processo de outorga, tramitação e corpo técnico do IGAM. Em sua resposta, dentre outras especificidades, Fróes enfatizou que o órgão era composto por técnicos de engenharia civil, hidrologia, geologia e mais seis fiscais, também com formação universitária nessas áreas e que as concessões são feitas em pareceres conjuntos com a FEAM. Célia Fróes ainda afirmou que o IGAM não usa a legislação de meio ambiente para amparar seus pareceres, mas garantiu que o processo da MBR seguiu a tramitação normal e a outorga foi dada com base em um estudo com 240 páginas fornecido pela empresa e após visita dos técnicos do IGAM ao local. Segundo esse critério adotado pelo IGAM, a MBR, portanto, não precisaria encaminhar um novo pedido de licenciamento para o rebaixamento do lençol freático, bastando apenas a concessão de uma outorga pelo órgão ambiental.
Em visita de campo realizada na sede
da Vale e na mina de Capão Xavier, também pude acompanhar alguns artifícios
adotados pela empresa para fundamentar a “responsabilidade ambiental” de suas
atividades. Os funcionários instruídos para acompanhar o programa de visita da
empresa enfatizam aos visitantes a respeito da importância do uso da tecnologia
integrada ao meio ambiente para atingir o melhor desempenho possível de
desenvolvimento sustentável, sem que com isso interfiram de maneira
desapropriada nas dinâmicas das culturas locais. Essas afirmações podem ser
facilmente desqualificadas diante dos inúmeros casos de conflito ambiental
entre a Vale e outros grupos sociais no estado de Minas Gerais. Dentre esses
casos destacam-se a abertura estradas e desmatamento sem autorização dos órgãos
competentes para pesquisas minerais em áreas particulares, retirada de famílias
de suas terras para construção de barragens, entre outros. Em junho de 2008, integrantes
da Via Campesina e de outros movimentos sociais realizam manifestações em pelo
menos quatro estados brasileiros. E Minas Gerais, a manifestação foi marcada
pela ocupação de uma ferrovia da Vale,
A respeito da gestão das águas, os representantes da empresa durante a visita de campo, afirmaram que as águas são monitoradas constantemente, e que em casos de diminuição da vazão, serão realizados novos estudos que indiquem as causas dessa diminuição, pois, segundo os técnicos a redução da vazão pode estar muito mais relacionada há “fatores naturais”, como o regime de chuvas, do que as atividades extrativas da empresa. E sobre a cava, confirmaram que o projeto licenciado permitirá sua perfuração até o ano de 2014, contudo, essa cava pode ter uma profundidade ainda maior, dependendo de estudos que possam vir a ser elaborados.
As ações e estratégias adotadas pela MBR, aqui expostas, demonstram claramente como percepções antagônicas sobre um mesmo espaço podem ser incorporadas por sujeitos sociais a partir do referencial em que se encontram. A concepção de responsabilidade ambiental tomada pela MBR (assim como acontece com outras empresas ao redor do globo), nada mais é que o enquadramento da natureza na lógica do desenvolvimento sustentável através da aplicação de mecanismos técnicos para “solucionar” as degradações causadas pelos projetos industriais. Essa perspectiva, mais conhecida como “Modernização Ecológica”, permite a adoção de “instrumentos de gestão” que garantem o status de “boa conduta ambiental” das empresas, retirando de seu caminho os obstáculos que dificultam os processos de licenciamento:
Desta maneira, os “impactos” da espacialização do processo de acumulação de capital sobre os territórios, suas condições naturais e populações são percebidos como solucionáveis por meio da utilização de novas tecnologias e de um planejamento racional. O que subjaz a essa visão é a concepção do meio ambiente como uma realidade objetiva, instância separada e externa às dinâmicas sociais e políticas da sociedade (ZHOURI e ZUCARELLI: 2008c, p.20).
Contudo, em virtude das identidades múltiplas dos lugares, nos deparamos com o surgimento de diferentes conflitos ambientais, que além de apresentarem outras práticas sociais, de uso e de significação do espaço que extrapolam as tentativas de resolução técnica, são também questionadores dos “(...) mecanismos desiguais de distribuição e acesso ao meio ambiente e dos custos, risco e impactos resultantes dessas práticas (...)” evidenciando, “(...) a existência de distintas formas de se conceber e de se interagir com o meio ambiente, levando-nos a reconhecer os múltiplos projetos de sociedade, que acionam diversas matrizes de sustentabilidade e esbarram nas reais assimetrias de poder impressas nas dinâmicas sociais e políticas” (ZHOURI e ZUCARELLI: 2008d, p.21). Esses conflitos ambientais, organizados ou não, trazem a tona as lutas de resistência que irão propor a reafirmação do lugar, baseando-se na cultura local, sua formação histórica e berço de identidades autênticas, em oposição aos domínios do espaço, do capital e da modernidade.
3.3 - A importância dos movimentos sociais na
participação política.
O desenvolvimento sustentável como linha direcionadora da globalização, entendida
aqui pelos modelos de Modernização e Desenvolvimento difundidos pelas classes
dominantes do mudo ocidental, principalmente no que diz respeito aos impactos
ambientais, têm valorizado as possibilidades técnicas como maneiras de
solucionar as intervenções na natureza. Assim, celebra-se o mercado e esvazia o
debate político das agendas governamentais. Esse padrão se apresenta vinculado
às oportunidades de lucros possíveis de serem alcançados pelas empresas, pelo
Estado e até mesmo para nossos ganhos pessoais. Nessa lógica, um dos efeitos
negativos da globalização está na exaltação das questões econômicas e o
silenciamento de outros questionamentos como os de ordem filosófica, ética e
moral. Até mesmo o Estado vem
concentrando mais força nas políticas de ordem econômica ao invés do que
deveria ser seus princípios fundamentais: o bem-estar social, o controle
ambiental e o interesse democrático dos povos. Por outro lado, a globalização
tem ajudado a construir novos padrões de comunicação, facilitando e expandindo
a identificação e associação entre grupos e culturas entre si.
Por essa outra via, os espaços
de resistência que ocorrem em esferas mais localizadas, reivindicando por
direitos humanos, questões ambientais, de gênero, etnia, entre outros,
encontram os meios técnicos necessários – como a Internet e as trocas de e-mails – para o estabelecimento de diálogos com outros grupos, se associando em
verdadeiras articulações em redes de resistência. Nesses espaços
(...)a temática ambiental, ao lado das questões de gênero, parece ter sido uma das que mais conseguiu penetrar na diversidade das lutas sociais nas últimas décadas e alcançar certa legitimidade em diferentes segmentos sociais, inclusive no âmbito das lutas populares e sindicais, que, de certa forma, foram, em um determinado momento, o contraponto desses novos movimentos (CARVALHO: 2008).
O Movimento Capão Xavier Vivo, como descrito anteriormente, se configura como um caso exemplar de integrantes da sociedade civil, organizados em rede em prol de interesses e valores éticos, político, moral e espiritualmente constituídos, para reivindicar por direitos humanos e ambientais em escala local. Através de ações políticas e públicas como protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas, o movimento já alcançou algumas conquistas relevantes no campo de forças assimétricas no qual insere sua luta. A esse respeito destaca SCHERER-WARREN:
(...) observa-se que as mobilizações na esfera pública são fruto da articulação de atores dos movimentos sociais localizados, das ONGs, dos fóruns e redes de redes, mas buscam transcendê-los por meio de grandes manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes (no sentido político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo. (2006c)
Contudo, esse é apenas um dos casos de indivíduos articulados entre si ou com outros grupos com a mesma identidade social ou política, pela busca do empoderamento da sociedade civil para lutar por seus direitos. Nesse contexto, se reconhecem os movimentos sociais, ONG’s, os fóruns, as redes e os simpatizantes das diversas causas, como os novos atores políticos contemporâneos, capazes de resgatar os princípios fundamentais de bem-estar social, controle ambiental e interesse democrático dos povos, e produzir impactos relevantes na esfera pública para obter conquistas para a cidadania.
No que diz respeito a articulação do lugar, proposta pelas redes, com outras relações e entendimentos sociais, propiciando a visibilidade de múltiplas lógicas de apropriação do terreno, faz-se importante não considerarmos esses lugares, com suas culturas locais e formas econômicas não capitalistas, enquanto entes “intocados” ou fora da história. Esses lugares e localidades também fazem parte da política de mercantilização de bens e massificação cultural, porém, baseados em seu conhecimento e identidade (locais), contribuem para a produção de diferentes significados de economia, natureza e deles mesmos, dentro da ordem capitalista hegemônica. (ESCOBAR: 2005b).
Dessa forma, os objetivos das lutas dos
movimentos sociais são (re)definidos de acordo com as demandas evidenciadas
pelo “(...)rastro de destruição produzido
pelas transnacionais, financiadas pelo capital especulativo nacional e internacional
que, (...), domina – além da economia – os bens naturais disponíveis e o poder
político do Estado-Nação” (MOREIRA e LOUREIRO: 2008). Nesse sentido, resgatam “(...)
a dignidade de sujeitos socialmente excluídos, porque sem a desconstrução das
discriminações introjetadas pelos dominados socialmente não há luta por
direitos;” (SCHERER-WARREN: 2006d).
A questão central da importância que representa a participação dos movimentos sociais na esfera política, está no desafio imposto aos mesmos em “(...) apresentarem estratégias e táticas que redundem na transformação do papel do Estado e em formas de alinhamento e integração regional frente ao esgotamento do modelo neoliberal e às imposições dos grandes globalizadores” (MINAYO: 2008). Na medida em que as lutas se fortalecem, a tendência é a de que alcancem a legitimidade necessária para influir na gestão das políticas públicas. Segundo explica SCHERER-WARREN, através da:
(...)convergência entre representantes das redes de movimentos, da esfera estatal e do mercado nos conselhos setoriais e nas conferências de promoção de direitos da cidadania; bem como das possibilidades e efetivo empoderamento e democratização no interior das próprias redes de movimento, na direção do desenvolvimento de sujeitos com relativa autonomia na construção de seus destinos pessoais e coletivos (2006e).
A idéia de mudança inserida na possível influência dos movimentos sociais na esfera estatal permite a idealização não só de uma nova forma de sociedade, mas principalmente de novas formas de compreensão do mundo e de suas práticas sociais e culturais. Dessa maneira, restabelece as prioridades de interesses pelos quais deveriam ser pautadas as políticas dos estados-nação, afinal, valores que dizem respeito à abrangência da cidadania a todas as esferas sociais deveriam ser considerados mais importantes que as racionalidades econômicas dominantes do mundo globalizado.
Conclusão
O trabalho de pesquisa realizado nessa monografia procurou compreender um caso de conflito ambiental muito comum no contexto atual. O caso de Capão Xavier é apenas mais um dentre os vários casos de conflito entre sujeitos sociais com usos e significados distintos de um ambiente específico. No caso estudado, a disputa em questão coloca, de um lado, a mineradora em defesa de sua atividade industrial de exploração de minério e, do outro, o movimento social, em defesa das águas de abastecimento público da cidade de Belo Horizonte protegidas historicamente. Esses dois recursos naturais não só compartilham um mesmo espaço, mas dependem um do outro para se manterem preservados. Nesse contexto, os órgãos públicos ambientais que deveriam honrar a responsabilidade para a qual foram constituídos, baseados em alternativas técnicas, como a “gestão ambiental” do meio ambiente em questão, tomaram a decisão de que o uso que deveria prevalecer sobre o outro seria o da exploração do minério, reconhecendo nessa atividade seu caráter essencial para atender os interesses desenvolvimentistas do país. Esse aspecto retoma as concepções positivistas e modernizantes estabelecidas desde o século passado, que posicionam o Estado como mediador das políticas econômicas definidas para seus estados membros, mantendo-o como definidor único, reconhecido legalmente, das formas de apropriação dos territórios. Esse cenário permite a eclosão dos conflitos ambientais
surgidos do rompimento eventual de acordos (...) emblemáticos das contradições que permeiam os modelos de desenvolvimento no interior do qual respectivamente eclodem. E, ao contrário da visão funcionalista para qual os conflitos são um simples sinal de que algo não vai bem, trazendo benefícios ao sistema e permitindo-lhe uma auto-regulação permanente, há que considerar que na recusa dos atores há também uma positividade. E que essa positividade não é apenas constitutiva de sujeitos, que se definem com freqüência em um movimento de recusa, mas ela tem efeitos também, no caso que nos ocupa sobre o modo como se organizam as relações espaciais e as formas de apropriação do território e seus recursos (Acselrad: 2004e, p.17).
Assim, esse trabalho se dedicou ao entendimento do uso das águas em contextos urbanos, tal qual os deslocamentos do capital pela política econômica global. Através do jogo de interesses econômicos, definem-se as estratégias de eficiência ecológica para cada região do país, aliando o capital, a burocracia e a ciência a favor de grandes projetos industriais como as minerações, hidrelétricas, plantações de monocultura de eucalipto, cana-de-açúcar, entre outros, estabelecendo um padrão homogeinizador do meio ambiente.
A
aprovação do empreendimento de Capão Xavier, portanto, descumpre com um
histórico de proteção de uma área que abriga quatro mananciais de água de importância
estratégica e fundamental para os cidadãos da RMBH e ainda, desconsidera os
vários casos de desrespeito ao meio ambiente realizados pela MBR no estado de
Minas Gerais, afrontando os princípios de bem estar social do estado
democrático de Direito e privilegiando a “capitalização da natureza”.
O histórico do caso, assim como as estratégias utilizadas pelos sujeitos em disputa, ajuda na compreensão das lógicas de Modernização Ecologia e de Justiça Ambiental internalizadas por esses sujeitos. A primeira estabelece o “desenvolvimento sustentável” como princípio capaz de reduzir os impactos ambientais, sem que com isso se prejudique a apropriação econômica da natureza. A Justiça Ambiental por sua vez, reconhece que os riscos e danos gerados pela apropriação econômica da natureza culminam no prejuízo das camadas mais vulneráveis da sociedade, favorecendo a ocorrência do que se denomina por “injustiças ambientais”. Contudo, tomando o exemplo do Movimento Capão Xavier Vivo em suas lutas e conquistas já alcançadas, percebe-se que essas vítimas das injustiças ambientais “(...)não se constituem como vítimas passivas do processo e vêm se organizando em variados movimentos, associações e redes. (...) Tais movimentos possuem diversas formas de manifestarem seu desacordo (...), ao mesmo tempo em que se colocam como portadores de outros projetos de vida e interação com o meio ambiente” (ZHOURI, at al: 2005d, p. 18).
Portanto, em sua parte final, essa monografia analisa o papel atual dos movimentos sociais no cenário político como fortes articuladores e defensores dos interesses sociais e ambientais. Para esses movimentos a reapropriação social da natureza, assim como a reafirmação do lugar, significa o reconhecimento de outros projetos produtivos e sociais alternativos, que não tenham como finalidade única a acumulação de capital abstrata. Assim, trazem de volta ao debate, os componentes éticos e morais que estabelecem a necessidade de instituir outros valores e outras racionalidades, que substituam a concepção hegemônica de apropriação monetária da natureza.
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[1] Conflitos Ambientais são “[...] aqueles
envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e
significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a
continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada
por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos
– decorrentes do exercício das práticas de outros grupos” (ACSELRAD: 2004,
p.26).
[2] Relatório Técnico
Parcial do Projeto de Pesquisa Mapa dos
Conflitos Ambientais no Estado de Minas Gerais elaborado pelo Gesta – Grupo
de Estudos
[3] “Fundada em
[4] “O Movimento Capão Xavier
Vivo é um movimento social que congrega diversas pessoas e entidades na luta
pela preservação do meio ambiente e dos mananciais de abastecimento público da
Região Metropolitana de Belo Horizonte: Ribeirões de Fechos, Mutuca, Catarina e
Barreiro, integrantes do sistema Alto Rio das Velhas.” - Site
do Movimento Capão Xavier Vivo, consultado no dia 14/09/2008 - http://www.capaoxaviervivo.org.br/
[5] Por volta do início do ano de
[6] Tradução da autora.
[7] A impermeabilização do solo implica
no aumento da velocidade e do volume de escoamento superficial das águas;
aumento do número e da freqüência das inundações; incremento da poluição difusa
pela lavagem das superfícies urbanizadas. (VARGAS: 1999, p.116)
[8] Complementação acrescentada ao Pacto
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no ano de 2002. Organização das
Nações Unidas (2002), “The Right to Water” (artigos 11 e
12 da Convenção Internacional dos direitos Econômicos, Social e Cultural, Nova
York: ONU, disponível em: http://www.citizen.org/documents/ACF2B4B.pdf.
[9] Tradução da autora.
[10] A governabilidade centrada em
princípios mercantilistas, pressupõe a “(...)idéia de crescimento econômico via industrialização direcionada à
exportação de mercadorias, com o objetivo de acumulação de riqueza abstrata no
contexto da globalização” (ZHOURI et
al.: 2005, p.12).
[11] Para maiores informações sobre o
sistema de abastecimento e saneamento de Belo Horizonte ao longo da década de
XX, ver: “Saneamento Básico
[12] A classificação dos corpos d’água e diretrizes
ambientais para o seu enquadramento, bem como
o estabelecimento das condições e padrões de lançamento de efluentes, e
outras providências, é feita com base na Resolução Nº 357, de 17 de março de 2005. Para ter
acesso a resolução completa com as demais classificações dos corpos d’água,
consultar o site do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), disponível
em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res05/res35705.pdf
[13] As Áreas de Proteção Especial Estadual (APEE) são áreas definidas e
demarcadas pelo governo do Estado de Minas Gerais para proteção e conservação
de mananciais. Disponível em: site do IEF - http://www.ief.mg.gov.br/.
[14] A Modernização Conservadora pode ser
entendida como uma estratégia adotada nos países retardatários, como
esforço de recuperação do atraso econômico. Essa medida estava realcionada ao
objetivo de preservar a autonomia nacional em face a pressões externas. Como
era realizada de cima para baixo, tal estratégia pressupunha o controle
autoritário dos setores subalternos e a concentração fundiária, ensejando a
exploração da força de trabalho tanto na cidade quanto no campo (DULCI: 1999a,
p. 25).
[15] As soluções técnicas neste caso, não
são regidas pelas condições geofísicas do ambiente, mas sim pelo modelo
cultural prevalecente, que atualmente se converge para o modelo hegemônico do
desenvolvimento. Segundo esse modelo, os modos de uso, significação e
apropriação do território são regidos pelo conhecimento técnico, através do uso
mais eficiente possível dos recursos naturais.
[16] O Quadrilátero Ferrífero é onde
acontece a maior concentração de minérios do país,
de onde são extraídos ouro, ferro, manganês e outros, sendo que o ferro ocupa
posição de destaque. Importantes cidades de Minas Gerais como Ouro Preto,
Congonhas, Itabira e Nova Lima se encontram nessa região.
[17] Segundo reportagem do dia 31/10/2008
de Raul Juste Lores, de Pequim para o Jornal Folha de São Paulo, com o título: “Boicote
da China contra Vale agora se torna oficial”, consta que a agência estatal de notícias Xinhua
teria publicado texto sobre a suspensão da importação de ferro por uma das
maiores siderúrgicas locais, a Jinan, "depois
da escalada de preços do fornecedor brasileiro". A Vale quis reajustar
em 11% o preço do minério de ferro vendido à China. Segundo a empresa, os
chineses pagam 11% menos que os europeus pelo mesmo minério. A Associação de
Ferro e Aço da China alega que os contratos já estavam assinados e que o
reajuste é ilegal, e decidiu pelo boicote. Esta decisão da China também se
relaciona com a crise financeira global que vem contribuindo para a queda de
crescimento do país. Com uma produção e demanda que duplicou entre 2000 e
[18] Segundo reportagem do jornalista
Álvaro Gribel de 08/02/2008, o Brasil seria hoje o maior exportador de minério
de ferro no mundo, pois, segundo pesquisas da consultoria Macquarie Reserarch,
teria ultrapassado a Austrália pela primeira vez na história. Tal feito teria
sido possível pelo aumento das exportações em virtude do crescimento econômico
mundial. E, além da Vale, CSN e Rio Tinto, pequenos produtores de Minas Gerais
também contribuíram no resultado. Disponível em http://oglobo.globo.com/economia/miriam/post.asp?t=brasil_o_maior_exportador_de_minerio_de_ferro_do_mundo&cod_Post=89478&a=73
[19] A cronologia do Licenciamento da MBR
foi retirada de reportagem do dia 25/03/2004, disponível no site “Agência
Minas” que fornece notícias do governo do estado de Minas Gerais. Seu acesso
está disponível no seguinte endereço: http://www.agenciaminas.mg.gov.br/detalhe_noticia.php?cod_noticia=1414
[20] A existência da cava da Mutuca se
deve a exploração de minério realizada ao longo de 40 anos de atividade pela
empresa MBR. A antiga área de mineração está localizada no município de São
Sebastião das Águas Claras, vizinho a atual área de exploração de Capão Xavier.
Suas antigas instalações são hoje utilizadas pela MBR enquanto vigorarem os
trabalhos na mina atual.
[22] A caracterização do Movimento Capão
Xavier Vivo, assim como o histórico de suas formação e atuações no caso de
Capão Xavier e também uma discussão mais ampla a respeito do tema dos
movimentos sociais serão abordadas no terceiro capitulo desta monografia.
[23] Reportagens de jornais que denunciam
os casos de desconforto causados pela poeira e barulho das explosões no bairro
Jardim Canadá, podem ser encontradas no site do Movimento Capão Xavier Vivo,
contanto inclusive com depoimentos dos moradores locais (http://www.capaoxaviervivo.org.br/).
[24] O relatório completo pode ser
consultado na PLATAFORMA BRASILEIRA DE
DIREITOS HUMANOS, ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. “Relatorias Nacionais
[25]Os professores Helio
Alexandre Lazarim, M.Sc. – Professor da UFMG e Celso de Oliveira Loureiro, Ph.
D – Professor da UFMG, realizaram uma pesquisa sistemática, através de
simulações do rebaixamento da área de lençol freático da mina de Capão Xavier,
intitulado: “Rebaixamento das águas
subterrâneas na região em torno da jazida de Capão Xavier, Nova Lima, MG –
Cenário Futuro”. Disponível no site: http://www.capaoxaviervivo.org.br/
[26] O campo ambiental se formula a
partir das lutas entre diferentes modos de construir o sentido aos territórios.
Neste campo estão inseridos uma pluralidade de segmentos sociais, tanto
pertencentes à estrutura deliberativa, quanto sujeitos diversos que lutam para
verem contemplados seus discursos e demandas nas decisões políticas deliberadas
pelo COPAM.
[27] Grifos do texto.
[28] Nota à imprensa e à sociedade:
Movimento Capão Xavier Vivo se pronuncia sobre o relatório final da CPI da MBR
(01 de setembro de 2005). Disponível em:
http://www.capaoxaviervivo.org.br/nota01092005.htm
[29] Essas ações podem ser acompanhadas
no site do Movimento Capão Xavier Vivo, disponível em: http://www.capaoxaviervivo.org.br/
[30] Essas considerações estão sempre
presentes ao fim de artigos publicados e falas dos integrantes do movimento em
participações públicas, reafirmando a posição do movimento.
[31] A “Lista Suja” faz alusão à
tradicional lista suja da AMDA, divulgada de
[32] Disponível em: http://www.capaoxaviervivo.org.br/listasuja.htm
[33] Trechos do relato da Caminhada em
defesa das Águas de Capão Xavier”. Disponível em: http://www.capaoxaviervivo.org.br/passeatabhte.htm
[34] Até então foram realizadas pela MBR:
o asfaltamento de algumas ruas, uma passarela para pedestres na rodovia, uma
praça de convivência e a instalação de placas educativas e tótens de
sinalização.