Nova Lima tem muito
ferro e pouco sossego
A reserva que a Vale poder ser forçada a vender provoca êxodo e
danos ambientais
MINERAÇÃO Eduardo Kattah NOVA LIMA
Depois de passar cerca de dez anos
morando no exterior, dando aulas de português e fazendo serviços de pintor e
pedreiro, Gilberto da Silva Teixeira, 48 anos, decidiu, no início da década de
90, retornar ao Brasil. O hoje empresário mineiro do ramo imobiliário não
queria voltar a viver em Belo Horizonte e, atrás de 'mais qualidade de vida',
resolveu construir uma casa na cidade de Nova Lima, região metropolitana da
capital. O clima ameno do local, cercado por serras, ajudaria também no
tratamento da bronquite asmática de seu filho Felipe, então adolescente. Mas
desde junho do ano passado, Teixeira passou a conviver com um vizinho bastante
indesejável. 'Moro a 150 metros da encrenca', reclama.
A 'encrenca' a que ele se
refere é a mina de Capão Xavier, da Minerações Brasileiras Reunidas (MBR),
controlada pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) por meio da participação no
Grupo Caemi. Após uma longa batalha pelo licenciamento ambiental, a mina - com
reservas de 173 milhões de toneladas de minério de ferro - entrou em operação
no dia 16 de junho de 2004.
Um dos ativos (avaliado pelo mercado entre
US$ 250 milhões e US$ 300 milhões) cuja venda foi sugerida no parecer da Secretaria
de Direito Econômico (SDE), em avaliação pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) - como parte da queda-de-braço entre a Vale e as siderúrgicas
nos órgãos de defesa da concorrência -, o empreendimento, desde sua fase inicial,
é marcado pela discórdia e pela polêmica.
Vários moradores do bairro Jardim
Canadá já se mudaram do local desde o início das operações. Teixeira já pensa
em vender sua casa e também procurar outro lugar para morar.
Mas a repercussão da atividade
minerária na região habitacional não é considerada a mais importante, nem
a que mais chama a atenção.
Localizada em uma área de mananciais,
Capão Xavier é alvo de contestações judiciais.
Além disso, no início do mês
passado, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) foi instalada na Assembléia
Legislativa de Minas Gerais para apurar a regularidade dos processos de licenciamento
prévio, instalação e operação das atividades da MBR no Estado e o julgamento
dos recursos dos autos de infração atribuídos à mineradora.
Capão Xavier desperta muita polêmica
porque está localizada na região dos mananciais de Mutuca, Fechos, Catarina
e Barreiro, responsáveis pelo abastecimento de água de mais de 300 mil pessoas
da região metropolitana da capital.
A jazida é considerada a última
grande reserva de minério de ferro de alta qualidade nas imediações de Belo
Horizonte, em parte do chamado Quadrilátero Ferrífero.
'PEPINO AMBIENTAL'
A solicitação de licença prévia para a
exploração de minério de ferro em Capão Xavier foi protocolada pela MBR na
Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) em março de 1998. Era o início de uma
luta de seis anos pelo licenciamento ambiental, várias vezes interrompido por
liminares concedidas pela Justiça. A autorização para a operação - licença de
operação (LO) - da mina foi aprovada pelo Conselho Estadual de Política
Ambiental (Copam), órgão vinculado à Feam, no dia 25 de março do ano passado.
'É um verdadeiro absurdo o que está sendo feito ali, é um pepino ambiental',
afirma o engenheiro Ricardo Carvalho Santiago, um dos autores de uma ação
popular ajuizada na Justiça estadual em dezembro de 2003, na qual o processo de
licenciamento é questionado.
O p rincipal argumento é que
houve descumprimento da legislação ambiental estadual. Santiago cita a lei
10.793, de 1992, que, segundo ele, proíbe a instalação de atividades minerárias
em bacias de mananciais no Estado.
O jornalista Gustavo Tostes
Gazzinelli, outro autor da ação popular, observa que as águas dos mananciais
possuem grande nível de pureza, dispensando processos complicados de tratamento
para que ela se torne potável. 'Houve um grande investimento do poder público,
ao longo de mais de meio século nesses terrenos e na adução da água deles para
Belo Horizonte. São águas, que em sua maioria, vão para Belo Horizonte por
gravidade. A água é muito limpa. Então o que você gasta com tratamento químico
é irrisório', afirma. 'Esse empreendimento (mina), seguramente vai levar, na
melhor das hipóteses, à reclassificação dessa água num nível de qualidade
pior'.
Gazzinelli e Santiago foram os
primeiros a depor na CPI da Assembléia Legislativa. O processo que eles movem
tramita na 5.ª Vara da Fazenda Pública Estadual e está em fase de análise
pericial. Na mesma vara corre uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério
Público Estadual (MPE), contra a autorização das operações de Capão Xavier.
De acordo com o promotor
Fernando Galvão, foi feito apenas um estudo 'parcial' do impacto ambiental da
atividade na região. 'O estudo pericial que foi feito aponta uma série de
problemas não resolvidos', afirma.
Segundo ele, quando a mina se
exaurir - a previsão de vida útil de Capão Xavier é de 17 anos - há a
possibilidade de racionamento de água.
O promotor alerta também para
o perigo de poluição por eutrofização (processo natural de aumento de material
orgânico) do lago que será formado.
Entre os réus da ação proposta
pelo MPE está o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), acusado de
conceder à empresa uma servidão de passagem dentro de uma área de proteção
ambiental no município de Nova Lima, cedida pelo Estado para adução dos
mananciais.
As ações judiciais que
tramitam na Justiça mineira reclamam também que a permissão para a atividade
minerária foi feita sem a suficiente discussão pública com a população
atingida.
O prolongamento da discussão podia até
chegar ao ponto de liberar (a operação).
A análise que o Ministério Público
tem sobre isso é que houve uma precipitação', afirma Galvão.
No âmbito da Justiça federal,
a mina de Capão Xavier é alvo de uma ação movida pelos deputados estaduais
Antônio Júlio e Adalclever Lopes, ambos do PMDB. No processo, eles questionam
o licenciamento com a alegação de que a exploração coloca em risco a rica
biodiversidade da região, além de sítios arqueológicos, em cavernas e grutas
localizadas nos arredores da mina.
ÊXODO
De imediato, a mina da MBR está mesmo é
provocando o êxodo dos moradores das imediações. Na última quarta-feira (20),
Gilberto Teixeira contratou um pedreiro para amarrar as telhas de sua casa. Ele
diz que o telhado está se soltando com as detonações. Afirma ainda que os
problemas respiratórios de seu filho, hoje um jovem de 21 anos, voltaram devido
ao elevado nível de partículas em suspensão no ar. 'Fora o problema para
dormir', ressalta, se referindo aos níveis de ruídos.
Teixeira diz que já recebeu
propostas da MBR para vender a residência. 'Achei que ia ser o local que eu ia
acabar o resto da minha vida. Mas não vai ter jeito de ficar não'.
Quem também sofre com a
situação é a contadora Maria da Conceição de Souza, 65 anos, ex-presidente da
Associação Comunitária do bairro Jardim Canadá. 'A minha casa treme. A minha
cama balança', afirma ela, que mora a cerca de 500 metros da mina. 'Muita gente
já mudou. Não dá para viver. O barulho é muito forte'. ?
VIZINHO INCÔMODO -Mina
de Capão Xavier, próxima às residências de Nova Lima, em operação há dez meses
após longa batalha judicial
PAISAGEM -Teixeira, com fotos tiradas em 2004, antes da Vale chegar
Movimento
Capão Xavier VIVO
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