Luís Brasilino
Em audiência com Lula, frei Luiz ouve nova promessa de debate enquanto sociedade reúne argumentos contra projeto.
Nos dias 14 e 15 de dezembro, os mais engajados críticos da transposição do Rio São Francisco reuniram-se em um seminário em Brasília (DF). Eram cerca de 50 representantes de movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs), intelectuais, indígenas, religiosos e juristas fazendo um esforço coletivo para subsidiar com argumentos frei Luiz Cappio, bispo da diocese de Barra ( BA ) que, ao final do seminário, se encontraria com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No início de outubro, frei Luiz ganhou atenção internacional após 11 dias de greve de fome contra a transposição. O protesto entrou no centro do noticiário e só se encerrou com a promessa do governo de iniciar uma discussão em torno da megaobra. Para isso, no início dessa etapa de debates, frei Luiz queria dar viabilidade a sua causa, não mais à sua pessoa: “Mais importante que a audiência com o presidente é informar a população sobre o que está se passando”, destacou o religioso, no seminário.
Sendo assim, os participantes dedicaram-se por cerca de 40 horas praticamente ininterruptas a uma oficina de trabalho de onde saíram dois documentos. Um explicando detalhadamente porque são contra a transposição. E outro com propostas para abastecer uma agenda positiva de desenvolvimento do Semi-Árido brasileiro.
Ao final dos trabalhos, os militantes se abraçaram e rezaram. Saíram juntos em direção ao Palácio do Planalto, convictos de terem feito tudo o que podiam em benefício do sertanejo.
Frei Luiz foi para a reunião com Lula, dia 15, acompanhado de dom Tomás Bauduíno, da Comissão Pastoral da Terra ( CPT), do sociólogo Adriano Martins, de Luciana Khoury, promotora de Justiça da Bahia, e do jornalista Henrique Cortez, coordenador do Portal ECODEBATE. A audiência durou duas horas, o dobro do programado, e começou com a exposição de argumentos de frei Luiz contra a transposição. “Não é verdade que essa obra levará água para quem tem sede. Isso, por si só, já é um impedimento ético para justificar a oposição ao projeto”, foi o destaque inicial de Cappio.
Segundo Adriano Martins, assessor do bispo, durante a reunião o ministro Ciro Gomes, da integração Nacional e principal interessado na obra, entendeu que está numa situação desconfortável. “A transposição não é mais um passeio no parque. Ciro tentou fazer sua palestra, seu discurso, mas não tinha platéia. Todos lá conheciam muito bem o projeto”, analisou Martins.
“A proposta do presidente era tudo o que desejávamos. Ele se comprometeu a realmente abrir um amplo debate com a sociedade. Essas foram palavras textuais do presidente”, garantiu frei Luiz ao deixar a audiência. Contudo, Jaques Wagner,ministros de Relações
Institucionais, que também participou da audiência, falou com a imprensa cerca de dez minutos depois de frei Luiz. Deixou escapar que 2006 continua sendo um ano razoável para iniciar as obras de transposição.
Ciro Gomes também parece não levar muito a sério a promessa de Lula:” Nós temos pressa e eu acho que chegou a hora de encerrarmos a discussão e passarmos à execução”, afirmou para a reportagem da Agência Brasil, dia 9, durante seminário que discutiu a obra.
João Abner, hidrólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, se cansou de tentar debater o projeto com o governo nos últimos três anos e está cético com relação à promessa de Lula.” O governo não tem condições de sustentar um debate porque toda sua argumentação está baseada em mentiras”, desabafou ainda no Palácio do Planalto.
O temor do movimento contra a transposição é que o governo aproveite a desmobilização social, comum durante as festas de final de ano, para cassar no Superior Tribunal Federal as duas liminares que impedem o prosseguimento das obras.
Uma análise do documento com argumentos contrários à transposição, formulado no seminário convocado por frei Luiz Cappio, em Brasília, permite uma constatação:o governo mente, e mente muito. Toda a propaganda oficial gira em torno da redenção do povo sertanejo. Os 12 milhões de pessoas espalhadas pelo Semi-árido, que sofrem os efeitos da seca, seriam beneficiadas pela água do São Francisco.
No entanto, o documento denuncia que o próprio relatório de impacto ambiental ( RIMA) da obra informa que a abrangência do projeto é de uma área de, no máximo, 7% do Semi-árido. “ 90% do território continuará na mesma situação”, prevê o texto. Além disso, as regiões supostamente beneficiadas pela transposição têm água suficiente para atender com segurança às demandas urbanas e agrícolas atuais”.O Ceará tem potencial para atender em até quatro vezes as demandas por água para todos os seus usos^. O Rio Grande do Norte, mais de duas vezes. E a Paraíba mais de uma Vez e meia. Portanto, não existe déficit hídrico nos Estados beneficiados”, decreta o documento.
Sendo assim, para que serve a transposição? Se a água não é para o abastecimento humano e animal, ela só pode destinar-se a atividades econômicas, tais como a irrigação, criação de camarões e usos industriais. O governo reconhece isso.Na página da internet do Ministério da Integração Nacional, principal empreendedor do projeto, lê-se o seguinte texto:” Embora o abastecimento doméstico possa ser, em princípio, suprido com os açudes existentes, o fato é que, em algumas bacias, o nível de comprometimento com usos múltiplos da água vão se tornando críticos, com a prioridade dada aos usos urbanos interferindo com as atividades produtivas da população rural e até do consumo industrial. A inibição de atividades produtivas já aparece clara, por falta de planejamento de médio prazo ou por inviabilidade de novas outorgas d`água, na medida em que os usuários já estabelecidos pressionam por manter seus direitos de uso, mesmo quando não prioritários para o consumo humano. Os conflitos tendem a se agravar, tornando a gestão da água complexa e afastando o investimento privado, em face dos riscos envolvidos”.
Segundo a interpretação feita pelos signatários do documento, o texto do Ministério admite que há água para o abastecimento doméstico na região”. Ou seja, o problema é a “inibição de atividades produtivas”, pois os “usuários já estabelecidos pressionam por manter seus direitos de uso, mesmo quando não prioritários para o consumo humano”.
Além disso, a obra está orçada em R$ 4,5 bilhôes. As empreiteiras da região, acostumadas às regalias da indústria da seca, esperam ansiosas.