Pico do Itabirito: um marco da nossa história

O Pico todo retaliado clama por bons samaritanos

Frei Gilvander Moreira

----------O Pico do Itabirito é um patrimônio histórico natural tombado pela Constituição do Estado de Minas Gerais, promulgada em 21/09/1989. Monolito ímpar no mundo, é formado por uma única “Mega-Lente” de hematita compacta, com teor cerca de 69,98% de ferro que constitui uma reserva de 94 milhões de toneladas do minério. No dia em que celebramos 115 anos da proclamação da República do Brasil, dia 15 de novembro último, nós do Movimento Capão Xavier Vivo, umas vinte pessoas, fomos participar da VII Caminhada rumo ao Pico do Itabirito, promovida pela UAI – União Ambientalista de Itabirito. Às 7 hs da manhã já estávamos nos concentrando na Praça da Estação, no centro daquela da cidade de Itabirito.
----------Após ouvirmos os hinos, nacional e o de Itabirito, partimos em caminhada, umas 400 pessoas. Percorremos muitas ruas da cidade, rica em muitos traços da nossa história. Empreendemos o caminho, mata adentro -, em uma mistura de cerrado e capoeira. Foram 13 Kms de ida e 13 Kms de volta, permeados de muito humor, cooperação e interação entre os caminhantes. Fomos envolvidos por uma imensa biodiversidade: flores do campo, até então desconhecidas por nós, árvores exuberantes em meio a tantas pedras e vegetação rasteira. O tempo nublado e um ar fresco envolvia-nos graciosamente. A marca da criação divina estendia-se como rico tapete diante dos nossos pés e ilustravam o cartão postal da nossa visão. Inesquecível!. Fomos subindo montes, descendo vales, até que, do tamanho de uma mão, surge, no horizonte, o Pico do Itabirito, sobressaindo, infelizmente, por cima de uma montanha de estéril, nome eufemístico para dizer rejeitos e lixo minerário. Um caseiro da região nos informou que inúmeras nascentes dali secaram com a operação da Mina do Pico do Itabirito, cuja concessão de lavra pertence à mesma MBR – Minerações Brasileiras Reunidas – , mesma mineradora da Mina de Capão Xavier.
----------Lembramo-nos, então, que ainda há pouco, havíamos presenciado na praça interditada, estação central de Itabirito, e muitas faixas anunciando uma “ação pela Cidadania” promovida pela MBR em “honra” do Dia do Pico. Constatamos que na realidade se tratava de uma “ação” da MBR, paralela à Caminhada, promovida há sete anos pela União Ambientalista de Itabirito, em defesa do que restou do Pico do Itabirito..
----------Essa mineradora, nos últimos anos, após perceber o crescimento do número de pessoas que aderem à luta em defesa das águas e do meio ambiente, vem organizando o que eufemisticamente chama de “ação de cidadania”, mas na realidade é “pão e circo” para os pobres e incautos. Tudo para camuflar a ganância devastadora da mineradora, o crescente desrespeito ao meio ambiente, e para inibir a participação popular em uma caminhada profética que deixa nua a MBR.
----------Não bastasse secar inúmeras nascentes, a mineradora amontoou toneladas de dejetos minerários que chegam a uns 50 metros de altura, o que impede a visão do Pico, do lado de quem chega à pé de Itabirito. À vista, fica só o cume dele. Dá a sensação de que o Pico do Itabirito está sendo afogado pela massa de estéril, e como patrimônio nacional e identidade do povo,nos pede socorro, estendendo, desesperadamente, a mão.
----------Avistamos, durante a caminhada guardas da MBR observando nossa movimentação. Para vencer as proibições da mineradora, enfrentamos caminho estreito e íngreme, mas passo a passo, com a determinação de nunca vacilar na defesa das nascentes, dos mananciais e do meio ambiente, fomos nos aproximando, até chegar ao Pico. Pelo lado esquerdo, tratores e escavadeiras possantes atraem nossos olhares. Mais uma Mina da MBR. Minério arrancado, dia e noite, sem parar. Da fúria da mineradora, vai se formando mais uma enorme cratera, bem vizinha à base do Pico, agora reduzida a uma esquisita forma geométrica, resultado da ação - “nada cidadã” – arrasadora, de escavadeiras ao longo dos anos. Isso sem contar o fim de muitas nascentes e córregos responsáveis pelo abastecimento público da cidade de Itabirito.
----------Adentrar nas imediações do Monumento, impossível. Fomos seguidos e observados por seguranças da MBR o tempo todo. Alguns caminhantes resolveram aproximar um pouco mais do Pico para conferir os marcos que foram desrespeitados, ou até mesmo para apreciar a beleza das bromélias, orquídeas e canelas de ema que brotam nas entranhas da pedra, mas subitamente aparece um segurança, rosnando como um leão e, aos berros: “todos devem seguir estritamente a estrada. Retornem já para a estrada!”.
----------Ficamos abismados com a seguinte informação: Em 17/12/1998, o então prefeito de Itabirito, o sr. Manoel Mota Neto, sancionou uma lei - Lei 2087 - que diz: art. 1o) Fica instituído o dia 15 de novembro como o dia do Pico de Itabirito; Art. 2o) Neste dia, fica facultativo à empresa mineradora, que detiver a concessão de exploração, viabilizar de modo a permitir sob sua supervisão, monitoramento e orientação a visitação pública. Podendo para tanto estabelecer normas, regras, critérios e horários que visem garantir a segurança dos visitantes.” Esta lei faz-nos recordar o que diz Fábio Konder Comparato: “A verdadeira República não se opõe necessariamente à Monarquia, mas sim à submissão do bem comum do povo a interesses particulares” .
----------A lei acima mencionada é inconstitucional, imoral, uma aberração, revela como os poderes públicos foram colocados de joelhos diante da MBR. O Art. 2o da lei 2087 é nojento. Entregar um patrimônio histórico natural aos ditames de uma grande empresa é o fim da picada. Ouvir que FEAM e COPAM, com as bênçãos da AMDA, autorizaram uma chacina do meio ambiente em muitas minas em operação nas nossas Minas Gerais mostra-nos como, realmente, o Estado brasileiro está a reboque dos grandes conglomerados econômicos e se revela impotente e cúmplice da grande devastação em curso.
----------Ao comentarmos que todo o povo deveria ver com os próprios olhos as imensas agressões ao Pico do Itabirito e às nascentes que alimentavam muitos mananciais e córregos, alguém nos alertou: “Somente no dia 15 de novembro, o dia do Pico, pode-se visitar o Pico. Nos outros 365 dias do ano, o Pico do Itabirito está fechado para visitação.” Naquela hora víamos que a República do Brasil está surrupiada, pois “um bem comum do povo está seqüestrado por uma grande empresa privada, a MBR, que o chuta a torto e à direito.
----------Quem bole nas águas, secando nascentes, mananciais, córregos e rios, é assassino do futuro da humanidade. O poeta Célio dos Santos diz: “Multinacional, frente avança / Montanhas caem, só lembranças / Dinamites, gigantes pés-de-ferro / Aumentam ventos, ah! Intentada feros!”
----------Célio dos Santos profetiza: “Já não bastava ter destruído o entorno das matas, com bromélias, regatos e flores. Derrubadas, são as árvores, as montanhas, morros e campos rupestres, em busca do minério fácil, que se exaurindo na superfície, imita-se a saga do ouro e cava-se agora, novamente as entranhas da terra e chega-se lá onde a água nas profundezas habita... “Agora superexplota-se as águas do lençol freático, abrindo caminho para mineração e, dessa forma matam-se as Nascentes, Ressurgências, Áreas Úmidas, Mananciais, Córregos e Rios que d’antes tinham água em quantidade e qualidade.” Vimos o Pico do Itabirito sangrando, crucificado, todo esfolado; e nunca mais deixaremos de ver.. Resta pouco dele. É de cortar o coração da gente. Só não chora quem não tem coração e o mínimo de sensibilidade. O Pico está todo carcomido, por todos os lados. Dizem que estão arrancando minério até debaixo dele. No entorno do Pico, crateras gerais. As escavadeiras e caminhões que carregam até 120.000 kilos de minério continuam se movimentando como um formigueiro. Mas também cresce o movimento ecológico que empunha firmemente a bandeira da mudança do modelo altamente explorador e devastador do meio ambiente.

Frei Gilvander Moreira
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