Dívida
ecológica
Leonardo Boff, Teólogo da Libertação
Entre
as muitas dívidas que o Brasil possui, é a dívida ecológica uma das mais pesadas
por causa das conseqüências futuras que comporta. A ecologia é mais que uma
técnica de gerenciamento de recursos escassos. É antes uma arte e um novo padrão
de relacionamento para com a natureza fazendo com que atendamos de forma suficiente
às nossas demandas, sem sacrificar do sistema-Terra em consideração também
das gerações futuras. No sistema-Terra se encontram todos os ecossistemas
com seus devidos representantes. Mais que se ocupar com cada um deles,
tomado isoladamente, a ecologia se preocupa com as relações existentes
entre eles e todos com os seus respectivos meio-ambientes visando manter seu
equilíbrio dinâmico, sua preservação e regeneração.
As dívidas que temos, incidem sobre as quatro vertentes principais
da preocupação ecológica como veremos.
Temos uma dívida ecológico-ambiental formada pela insuficiente
qualidade de vida de nossa sociedade. Liquidamos cerca de 2/3 da floresta atlântica
e a cada dia se abatem 100 campos de futebol da floresta amazônica, quimicalizamos
grande parte dos alimentos, 53% da população não têm saneamento básico, desperdiçamos
quase metade da água que usamos e a atmosfera de nossas metrópoles é pesadamente
contaminada. Só saldaremos esta dívida com a moeda do respeito e do cuidado
para com a natureza.
Temos uma dívida ecológico-social formada pela injustiça
social. Estamos cansados de meio-ambiente. Queremos o ambiente inteiro. Quer
dizer, queremos o ser humano inserido nele criando relações com a natureza e
com os demais seres humanos de forma que possa comer com decência, trabalhar
para viver com qualidade, morar sem risco. Muitos administradores embelezam
as cidades com praças, monumentos e parques mas mantém um péssimo sistema de
segurança, abandonam os hospitais, descuidam do ensino de qualidade e não montam
uma estrutura adequada de água e esgoto. Aumentam a dívida ao invés de saldá-la.
Temos uma dívida ecológico-mental formada pelo excessivo
antropocentrismo que penetrou na nossa mente. Antropocentrismo é aquela
atitude que coloca o ser humano no centro de tudo e que imagina que as coisas
só têm razão de ser na medida em que se ordenam a ele que pode dispor delas
ao seu bel prazer. Ora, o ser humano somente entrou em cena quando 99,98%
da história do universo e da Terra estava concluída. Ele é um elo da corrente
da vida, embora singular. Há uma dívida a ser paga pelo sistema escolar que
não soube educar para a alteridade de raças, culturas e religiões. Dívida a
ser paga também pelas igrejas que não souberam criar a consciência da reverência,
da solidariedade cósmica e da responsabilidade pelo futuro comum.
Temos uma dívida ecológico-integral formada pela fragmentação
de nossos saberes. Cortamos a túnica inconsútil da realidade em mil pedacinhos
e os estudamos esquecendo que eram partes do todo. Desaprendemos a re-ligar
todas as coisas e a ver o universo num grão de areia. Só pagaremos esta dívida
se aprendermos a ver o todo e a nos reencantar.
Ao pagar não estamos perdendo mas ganhando em vida.
Movimento
Capão Xavier VIVO
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