Segue abaixo entrevista publicada no encarte CADERNOS DE CIDADANIA, do Jornal O LUTADOR, Ano 02, n. 19, 21 a 30 de setembro de 2004, pp. 2-3.

Movimento Capão Xavier Vivo para o Jornal “O Lutador”

Entrevista com Frei Gilvander Moreira
Feita por Marcos Antônio Alencar Duarte


1) O que é o Movimento Capão Xavier Vivo?
O MOVIMENTO CAPÃO XAVIER VIVO é um movimento social que congrega diversas pessoas e entidades na luta pela preservação do meio ambiente e de Mananciais de Abastecimento Público da Região Metropolitana de Belo Horizonte: Ribeirões de Fechos, Mutuca, Catarina e Barreiro, integrantes do sistema Alto Rio das Velhas.
Integram o Movimento Igrejas, representantes da Campanha da Fraternidade de 2004, CUT, CPT, MST, lideranças estudantis, defensores do Direito Ambiental, Deputados, Vereadores, voluntários e um número significativo de cidadãos ciosos de seus direitos. A natureza merece nossa entusiasta adesão, o povo ainda merece nossa solidariedade. Mãos à obra!

2) O que é o projeto da Mina de Capão Xavier e o que está em jogo na mineração de Capão Xavier?
A mineradora MBR - Minerações Brasileiras Reunidas S/A - insiste, há mais de 12 anos, na explotação 173 milhões de toneladas de minério de ferro, de alto teor, em Capão Xavier, região do Jardim Canadá, em Nova Lima/MG, durante 22 anos. O grande problema é que a mina está sobre um grande aqüífero – Ribeirões de Fechos, Catarina, Mutuca e Barreiro – que abastece 320.000 pessoas, 9% da população de Belo Horizonte e 7% da região metropolitana.
Além do aqüífero, a região é uma rica biodiversidade: animais, flora, espécies endêmicas – como é o caso do microcrustáceo com 500 milhões de anos, um verdadeiro fóssil vivo. Há também grutas, de rara formação, com 20 metros de profundidade, como a de Capão Xavier. Dentre as 3.500 grutas cadastradas no Brasil, somente existem seis grutas semelhantes a ela. Neste caso concreto, a questão que está posta é: mineração ou água? Trata-se de uma escolha. Ou água para consumo humano, para a flora e fauna e para assegurar o abastecimento das futuras gerações ou 173 milhões de toneladas de ferro de alto teor - 6,5 bilhões de reais – para a MBR (Vale do Rio Doce e seus acionistas). Em Capão Xavier, o que deve prevalecer: o interesse público ou o privado?

3) O que a MBR promete deixar com herança para a população de Belo Horizonte e região?
Um dos piores legados que a MBR quer nos deixar, em Capão Xavier, é um lago, apresentado como a grande solução para a preservação das águas. O “estudo de avaliação ambiental”, entregue pela MBR à FEAM e COPAM, decreta o sepultamento definitivo do projeto no local, pois nele estão evidentes os riscos ambientais a que estará exposta a população de nossa cidade. Hoje ali nascem águas de classe especial. As águas do futuro lago serão de classe 2. Há a previsão do aparecimento de gás sulfídrico, de odor repugnante, algas azuis, as chamadas cianofíceas, cujo metabolismo transforma nutrientes em gazes, e, formações altamente tóxicas como o próprio cianureto letal. Fenômeno ainda mais grave que ocorrerá de forma natural, ao longo do tempo, é a eutrofização - água com super-alimentação de nutrientes, que será responsável pela formação no ambiente lacustre de cheiro e odor repugnantes, tornando o lago impróprio até mesmo para o banho. As águas de ambientes eutrofizados apresentam graves problemas para tratamento, tornando inviável o seu aproveitamento. O fato de não existir, em águas temperadas, lagos com tal profundidade torna esta proposta uma arriscada aventura.

4) Haverá redução na vazão dos mananciais de Capão Xavier caso continue a mineração lá?
Estudos da Frasa, apresentados à FEAM e ao COPAM, mostram que se for iniciada a mineração de Capão Xavier, as águas do manancial de Fechos terão sua vazão natural reduzida em 40% e os mananciais de Catarina e Barreiro, em torno de 20%, além de impactos irreversíveis em sua zona de proteção. Assim sendo, fere flagrantemente a Lei Estadual 10.793/92 que proíbe a instalação de atividades extrativas minerais sobre bacia de mananciais de abastecimento público. Tal atividade coloca em risco a qualidade das águas, não apenas em níveis mínimos, mas em níveis elevados.

5) Como a MBR conseguiu as Licenças ambientais para Mina de Capão Xavier?
Diante do desrespeito a um rosário de leis ambientais, a MBR teceu uma rede de convênios com COPASA, IEF e Prefeitura de BH, acordos e documentos para burlar as leis ambientais. Lamentavelmente FEAM e COPAM concederam as licenças para a operação da mina, em um processo viciado, pois pessoas comprometidas com os interesses da MBR participaram da votação. Representantes do IBRAM e da AMDA, entidades parceiras da MBR, votaram, embora não tivessem a mínima isenção para decidir sobre esse assunto. Por isso, os atos administrativos estão sendo argüidos nas justiças estadual e federal por cidadãos, deputados e pelo Ministério Público de MG.

6) Belo Horizonte tem uma história de preservação dos Mananciais de Abastecimento Público?
A cidade de Belo Horizonte só é aqui nestas paragens, exatamente, por causa da existência dos mananciais de Capão Xavier. Quando tornou-se necessária construir uma nova capital para o Estado de Minas Gerais, uma vez que Ouro Preto estava espremido por montes, o decreto do então governador Afonso Pena determinava que a nova capital deveria estar situada em local salubre e com água em abundância para o abastecimento público, o que, na visão do grande engenheiro Aarão Reis, seria proporcionado pelos quatro mananciais de Capão Xavier.
Posteriormente, o governador Clóvis Salgado, atento aos estudos anteriores levados a efeito por homens públicos da estirpe de Olintho Meirelles, Otacílio Negrão de Lima e principalmente Juscelino Kubischeck de Oliveira, desapropriou e pagou através da prefeitura de Belo Horizonte, as grandes glebas de terreno para a proteção dos mananciais de Fechos e Mutuca. Naquela época Belo Horizonte já padecia graves problemas de falta d´água. O investimento público, portanto o dinheiro do povo, foi usado com a finalidade expressa de defender a área da sanha minerária da companhia Saint John del Rey Mining, antecessora da MBR. Graças a iniciativas como aquelas, posteriormente, foi possível ao prefeito de Belo Horizonte, Dr. Celso Mello de Azevedo, concluir as obras de captação e adução das águas dos mananciais de Capão Xavier.
Outras providências a criação da Estação Ecológica de Fechos, cuja intenção, expressa em lei, era proteger as nascentes hídricas ali existentes; e, um pouco à oeste, o “Parque Estadual do Rola Moça” com a finalidade de proteger os mananciais de Catarina e Barreiro, bem como as belezas paisagísticas que envolvem e emolduram a capital mineira e que fazem parte da identidade do belorizontino.
Para reforçar a preservação das áreas dos mananciais foram criadas duas áreas de proteção especial: a de Mutuca e a de Fechos. Além dos recursos hídricos, existem formações de grutas e sítios arqueológicos de grande valor histórico e científico nessas estações e parques, segundo o IPHAN – Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico e o IBAMA. No entanto, foram, propositadamente, “esquecidos” pela mineradora MBR nos estudos de impactos ambientais apresentados às autoridades, como é o caso da Gruta de Capão Xavier, de 20 metros de profundidade, de rara formação, existente na área. Dentre as cerca de 3.500 grutas cadastradas no Brasil, existem somente seis grutas como a de Capão Xavier. Tudo isto foi “esquecido” pela MBR e pelos órgãos ambientais que conduzem os licenciamentos no Estado de Minas Gerais.

7) O Movimento Capão Xavier diante de tudo isso?
O Movimento Capão Xavier Vivo vai continuar mobilizando forças, denunciando as ilegalidades e imoralidades do Projeto Mina de Capão Xavier, chamando à responsabilidade as autoridades públicas competentes e interpelando a Justiça para que as leis ambientais sejam respeitadas. O objetivo do Movimento é defender intransigentemente a preservação dos Mananciais de Fechos, Mutuca, Catarina e Barreiro, responsáveis pelo abastecimento de 320.000 pessoas, 9% da população de Belo Horizonte e 7% da região metropolitana. . A sociedade civil está atenta e vai cobrar daqueles que se curvarem diante do poderio econômico mega-corporação MBR e Vale do Rio Doce que somente absolutiza o lucro.

8) Quais as ações concretas do movimento?
O Movimento já promoveu diversas caminhadas de protesto e chamamento à sociedade para que descruze os braços e “saia da poltrona” para defender a água, fonte de vida imprescindível à nossa sobrevivência. Participamos de audiências públicas e dezenas de debates. Estamos divulgando o RELATÓRIO FINAL DA CPI de 1975, contra a MBR, a 1a CPI realizada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais que chegou às seguintes conclusões: A Mineração na Mina de Águas Claras causou: Poluição das águas e destruição das nascentes que abastecem grande parte da população da grande Belo Horizonte e, naturalmente, as cidades de Nova Lima e Raposos; Destruição da Mata do Jambreiro, única reserva natural em um raio de 200 Km em torno de Belo Horizonte; Destruição da barreira natural de montanha, que garantia a Belo Horizonte um excelente clima (seco e frio); Extinção da linha de trem de transporte de passageiros Vera Cruz, para que a RFF – Rede Ferroviária Federal - pudesse cumprir o contrato de transporte de minério de ferro celebrado com a MBR; O contrato entre a MBR e a Ferrobel, prejudicial aos interesses desta e, em conseqüência, aos interesses da capital; E destruição da fauna na Mata do Jambreiro.
Buscamos apoio do Ministério Público que move agora uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra MBR, prefeito de Belo Horizonte, Governo de Minas (IEF, FEAM E COPAM) COM PEDIDOS DE TUTELA DE URGÊNCIA CUMULADA COM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Esperamos a decisão do Dr. Evandro, juiz da 5a Vara da Fazenda Pública de MG.

9) Quais foram as principais vitórias já alcançadas e as dificuldades que esse movimento enfrenta?
Até agora conseguimos evitar que FEAM E COPAM concedesse Licença de Operação global sobre o projeto da Mina de Capão Xavier. A Licença de Operação não autoriza o rebaixamento do lençol freático. Isso exigirá uma nova licença. Esperamos reunir forças para que isso não aconteça, pois será a destruição dos mananciais.
A nossa luta concreta em favor da preservação dos Mananciais de Capão Xavier tem inspirado e motivado muitas outras lutas em defesa do ambiente pelo Brasil afora.
Quebramos o tabu que dizia que MBR era inquestionável. A sociedade está sabendo melhor quem é MBR. Muito mais gente hoje sabe que as explorações minerárias da MBR já destruíram parte do nosso Patrimônio Histórico Natural - a Serra do Curral e o Pico do Itabirito -, secaram nascentes do Clube Campestre e em Macacos, prejudicaram diversos mananciais, inclusive na cidade de Itabirito. Deixou uma enorme cratera em Águas Claras, sem recuperação, fez estragos ambientais em “Tejuco”, no Município de Brumadinho/MG. A MBR tem sido denunciada e autuada por diversos danos ambientais e omite informações aos órgãos ambientais e à população de Belo Horizonte. A despeito de tudo isso, afirma que “vem minerando desde 1961 com responsabilidade ambiental.” Só acredita nisso quem não conhece o passado dessa mineradora.
Dificuldades que enfrentamos são ameaças, intimidações e perseguições. Também a apatia de tanta gente que fica “sentada na poltrona” com “tudo isso acontecendo”.

10) A Igreja Católica lançou Campanha da Fraternidade de 2004 sobre as águas, com o lema ÁGUA, FONTE DE VIDA. Como você percebeu a aceitação da Campanha da Fraternidade pela comunidade católica e pela sociedade de modo geral?
Foi boa a aceitação, mas precisamos transformar a CF/2004 em AÇÕES PERMANENTES na defesa das águas, em prol de um novo modelo de relacionamento com o Meio Ambiente, especificamente com as águas. Realizada há 40 anos, a Campanha da Fraternidade de 2004 com o tema Fraternidade e Água (lema: Água, fonte de vida) constituiu-se em um terreno propício para semear todas as nossas esperanças de luta e reinventar nossa forma de relação com a água. A água é patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade. Não pode mais ser tratada como uma mercadoria, mas como “nossa irmã”, como nos ensinou São Francisco de Assis, há 800 anos atrás.
Um dos principais desafios da humanidade no século XXI é a conservação das reservas de água da Terra. A cada ano morrem dois milhões de crianças devido a doenças causadas por água contaminada.
Enquanto em termos mundiais as usinas hidrelétricas são responsáveis pela produção de 25% da energia elétrica, no Brasil esta cifra tem atingido, nos últimos anos, 97%. Por que não investir na produção de energia solar, eólica, da biomassa e tantas outras formas alternativas de energia?
Poluir as águas, danificar os rios e os lençóis subterrâneos, destruir nascentes e depredar mangues significa atentar contra todas as formas de vida. Nesse sentido, a água tem uma dimensão vital e ética que precisa ser cultivada e não podemos permitir que ela se perca. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma pessoa precisa de, no mínimo, 40 litros de água por dia para manter sua saúde.
Se houver cuidado, a água será abundante para todos. Mas o cuidado deve começar na preservação das nascentes, passar pela preservação das veredas, grotas e riachos, respeitar os rios não os poluindo, não desmatar irracionalmente, conservar as matas ciliares (ou replantá-las onde já foram arrancadas), não absolutizar a mineração. Fica proibido lançar nas correntes d’água mercúrio, arsênio, chumbo e ... Minerar em áreas de Mananciais de Abastecimento será considerado crime hediondo; rever radicalmente o modelo de agricultura intensiva, priorizar agricultura sustentável, ecológica e orgânica; abandonar o uso de agrotóxicos e produtos químicos; dizer adeus aos pesticidas, herbicidas e fungicidas; abandonar a monocultura diversificando a plantação; reduzir, em muito, o hum milhão de hectares de eucaliptos plantados hoje em Minas Gerais; eucalipto pode ser tolerado desde que plantado em meio a outras plantas nativas; fazer tratamento de 100% do esgoto produzido pelas cidades; vivenciar a cultura do cuidado, o que implica desvencilhar-se da cultura do sujar e do jogar fora. Enfim, o cuidado da água implica cuidar de todo o ecossistema.

11) Que convocação você faria para nosso leitor?
Se estiver na Região de Belo Horizonte venha somar forças conosco nesta luta. Se estiver mais distante, abrace de forma organizada lutas concretas de defesa do ambiente de forma bem articulada com as lutas pelos direitos sociais. Encante-se, respeite e venere as águas, princípio de vida. Informe-se e denuncie as depredações ambientais da sua região. Solidarize-se com quem com os movimentos que estão na luta pela construção de um modelo de desenvolvimento realmente sustentável, ecológico. Para mais informações, email: movcapaoxavier@brfree.com.br Home page: www.capaoxaviervivo.org

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