Pronunciamento na defesa dos Mananciais de Abastecimento Público de Belo Horizonte e Região, em Reunião Especial da Câmara de  Vereadores de BELO HORIZONTE

Bem-aventurado quem trata a água como fonte de vida!

Ai de quem mata as nascentes, asfixia os mananciais e envenena a água!

 

Frei Gilvander Luís Moreira[1], O.Carm

 

Congratulo-me com todas as pessoas, aqui presentes, que se comprometem, firmes, na  defesa dos mananciais. Quando muitos dormem, mostrando-se alienados ou interesseiros,  enquanto tantos são cooptados, várias autoridades e muitos empresários se omitem em preservar o que é de todos, como cidadãos e como cristãos, todos temos de cuidar de nossa água em sua quantidade e boa qualidade.

Diante da ilegalidade já sustentada em  Ação Popular na Justiça de Minas Gerais, cuja  Liminar está em curso[2], das irregularidades questionadas pelo Ministério Público, no projeto “Capão Xavier”, diante da história da MBR em  Nova Lima e em  Águas Claras, empreendimentos que  atestam tantos estragos ambientais,  não podemos seguir a filosofia de vida do “deixe acontecer”, até que não tenhamos a certeza de que o referido projeto esteja imune aos danos perigosos para o meio ambiente e para o bem de nosso povo. Se ficarmos no “deixe acontecer para ver em que vai dar”, poderemos ter que chorar o leite derramado e aí será tarde demais.

Sabemos que as explorações minerárias da MBR    destruíram parte da Serra do Curral, secaram nascentes do Clube Campestre e em Macacos, e  prejudicaram  mananciais que abasteciam parte da população de Itabirito. A MBR  está sendo denunciada e autuada por diversos danos ambientais, e  omite informações a órgãos ambientais e à população de Belo Horizonte. E mais,  apresentou para a Mina de Capão Xavier  um projeto   que absolutiza o lucro a qualquer custo. Capão Xavier  está no meio de quatro mananciais que abastecem 9% da população de Belo Horizonte e 6% da região metropolitana.

Por tudo isso, essa empresa  deu motivo para que cidadãos idôneos, comprometidos com a construção de um mundo mais justo e solidário, entrassem com uma Ação Popular, bem fundamentada. Até o momento,  a MBR não comprovou, inequivocamente, a legalidade de seu projeto, tanto é certo que  um juiz concedeu, corretamente, medida liminar - por falta de argumentos objetivos e de valor legal para o empreendimento. Então, como podemos aceitar este projeto?

Autoridades e empresários, amigos e companheiros de fé, cidadãs e cidadãos, a solidariedade com nosso povo, a urgência de criar um Brasil diferente e a Campanha da Fraternidade 2004 nos convocam a uma revisão radical em nossa forma de viver e de nos relacionar com respeito ao meio ambiente e à água. Neste momento histórico, não temos o direito de vacilar, de nos omitir, de não darmos o melhor de nós mesmos.

Após estudar os impactos ambientais previstos no EIA-RIMA[3], após conversar com muitas pessoas entendidas nas questões de meio ambiente e mineração, após ouvir duas exposições do referido projeto da MBR,  fiquei, mais ainda, convicto da ilegalidade do projeto de instalação da Mina de Capão Xavier. Há  fortes indícios de que o projeto fere a Lei Estadual 10.793/92 (Lei que proíbe mineração, em áreas de mananciais de abastecimento público, quando compromete em níveis mínimos a qualidade da água). Há fortes indícios de que o projeto desrespeita o artigo 225 da Constituição Federal, que trata da proteção do Meio Ambiente, atenta contra o Direito do Consumidor e atropela outras leis, tais como, Lei Específica em relação à proteção da flora e fauna (Lei 5197 - código florestal), em especial no que se refere a espécie endêmica e/ou ameaçada de extinção (Lei 7653/67 - proteção à fauna), legislação que protege as cavidades naturais (Decreto Lei 9956/90, art. 2o e 3o). Lei 99274, art. 27 que causa danos diretos ou indiretos às unidades de conservação. Lei 9985, que trata de desafetação dos limites de unidades de conservação. Lei 9605, art. 38, que considera crustáceo como pesca. E o código da pesca, título 5, que trata dos invertebrados aquáticos. Considerando que são boas as leis ambientais do Brasil, sendo ilegal o projeto da Mina de Capão Xavier, não pode ser moral e defensável eticamente. Não podemos por em risco quatro mananciais de abastecimento público de BH e região metropolitana.

O projeto implicaria a exposição do aqüífero, protegido por uma montanha, a riscos de intempéries, a incertezas das forças da natureza, cada vez mais violentas em vista das alterações climáticas, conseqüência da agressão ao  meio ambiente.

No início, diz a Escritura, “o Espírito pairava sobre as águas”. A água é o princípio de toda vida. O Ferro, não. A biodiversidade assegura a resiliência, isto é, a capacidade de se reconstituir. Se Deus e uma evolução de bilhões de anos criaram um belíssimo ecossistema, com uma biodiversidade fantástica, com seres humanos, animais, vegetais e minerais convivendo, de forma harmônica, em uma grande comunidade de vida, não seria arrogância imperdoável arrancar parte do corpo da terra para, pretensamente, efetuar um milagre de multiplicação das águas? Só Deus é Deus. A MBR, FEAM, COPAM, COPASA e todos nós somos convidados a colaborar com o Criador a fim de nossa vida – a água – seja preservada. Nossos bons cuidados pelo ambiente deixam Deus reinar. Assim, as águas se multiplicarão naturalmente, mais por nosso respeito e nossa colaboração, não por meio de tecnologias ameaçadoras como aquelas propostas no empreendimento em Capão Xavier..

Dia 10 de março, na Audiência Pública, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, assistimos os defensores do projeto da Mina de Capão Xavier tecerem elogios rasgados à técnica. Houve um endeusamento da técnica. Faz-se necessário refletirmos sobre o lugar da ciência e da técnica nas nossas vidas.

Na obra  Um discurso sobre as Ciências, Boaventura de Souza Santos afirma que “vivemos num tempo atônito que ao debruçar-se sobre si próprio descobre que os seus pés são um cruzamento de sombras, sombras que vêm do passado que ora pensamos já não sermos, ora pensamos não termos ainda deixado de ser, sombras que vêm do futuro que ora pensamos já sermos, ora pensamos nunca vir a ser.”

Assim, diante das dificuldades de entendermos o nosso próprio tempo é necessário voltarmos às coisas simples, à capacidade de formular perguntas simples, perguntas que como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à nossa perplexidade. É como a pergunta formulada a Rousseau na Academia de Dijon: “O progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes?” Boaventura afirma que essa é uma pergunta elementar, ao mesmo tempo profunda e fácil de entender. Para responder a essa pergunta Rousseau fez outras perguntas não menos eloqüentes, tais como: “Há alguma relação entre a ciência e a virtude? Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres de nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível para a maioria? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática?” Rousseau responde com um sonoro NÃO.

Estamos de novo de volta à necessidade de perguntar pelas relações entre a ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós, sujeitos individuais ou coletivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso; e temos finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, qual é a contribuição positiva ou negativa da ciência e da técnica para a nossa felicidade?

A experiência nos mostra que a distinção hierárquica entre o conhecimento científico e o conhecimento POPULAR tenderá a desaparecer e a prática será o fazer e o dizer da filosofia na prática.

Se na hora de beber água que brota das nascentes, geradoras dos mananciais, não há distinção entre técnicos e leigos; se todos somos iguais e dignos de participar em pé de igualdade do acesso à água, quando estamos com sede, por que só os “técnicos” devem decidir o que deve ser feito? Por que todas as pessoas implicadas na questão não podem participar? Técnica, sim. Mas para quem? Que tipo de técnica? Se for técnica depredadora do meio ambiente, não podemos aceitar que esta governe nossas vidas. Tecnicismo, não. Tecnocracia, muito menos. Não podemos absolutizar a técnica. Só Deus, a fome e a sede são absolutos. Conhecemos muito bem os estragos que o FMI, governado por técnicos, vem fazendo nos países empobrecidos. Não podemos esquecer também o desastre social que a tecnocracia das ditaduras militares geraram na América Latina, África e Ásia.

A MBR, com tantas concessões de áreas para Mineração, há de ter o bom senso  de respeitar mananciais de abastecimento público.  A MBR, após fazer tantos bons negócios, certamente não precisará danificar as nossas nascentes para obter novos lucros, fazendo a dimensão econômica  prevalecer sobre vida de boa qualidade.

FEAM, COPAM, COPASA deverão, na prática, defender os interesses da coletividade, e não deixar que a ética e a moralidade digam adeus aos seus atos.

A vida, a saúde, a gratidão, o bem-estar de 300.000 pessoas, na próxima geração, com flora e fauna, sejam a melhor recompensa dessa empresa.

Preservar os mananciais, sempre! Minerar em áreas de mananciais de abastecimento público, nunca mais!

Bem-aventurado quem trata a água como fonte de vida!

Ai de quem mata os nascentes, asfixia os mananciais e envenena a água!

 

Muito obrigado.

 Frei Gilvander Luís Moreira.

 

Belo Horizonte, 25/03/2004,

Obs: Pronunciamento na Reunião Especial na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte/MG, onde foi debatido, mais uma vez, o projeto de MBR de implantação da Mina de Capão Xavier, visando a explotação de 173 milhões de toneladas de minério de ferro, durante 22 anos.



[1] Frei e Padre Carmelita, com mestrado em Exegese Bíblica, professor de Exegese e Teologia Bíblica, assessor de CEBs, CEBI, CPT, MST, PO, SAB e PJR, vigário da Igreja do Carmo, em Belo Horizonte.

[2] Além da 1a LIMINAR conseguida em 17 de dezembro de 2004, pelo MOVIMENTO CAPÃO XAVIER VIVO, suspendendo os efeitos práticos das Licenças concedidas à MBR até então, dia 24/03/04, um Dezembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais emitiu outra LIMINAR que visa preservar os Mananciais de Abastecimento Público de BH e Região Metropolitana, atingidos pelo projeto da Mina de Capão Xavier, suspendendo os efeitos práticos, da Licença de Operação, caso  fosse concedida pelo COPAM/MG (o que ocorreu, a despeito da Liminar e de uma recomendação do Ministério Público alertando que não se deveria conceder a Licença de Operação, diante das fortes ilegalidades contidas no projeto). Mais: Dia 26/03/2004, o Juiz Federal Dr. Carlos Geraldo Teixeira, da 17a Vara da Justiça Federal de Minas Gerais, concedeu uma Liminar a partir de uma Ação Popular impetrada na Justiça Federal clamando pela defesa dos mananciais de abastecimento público de BH e Região Metropolitana. A Liminar Federal suspende as três Licenças expedidas pelo COPAM/MG, a autorização da Prefeitura de BH para construção de uma Estrada Privativa de acesso à eventual Mina de Capão Xavier e congela os trabalhos da MBR até que o mérito das Ações Populares sejam julgadas.

[3] Estudos de Impactos Ambientais e Relatório de Impactos ao Meio Ambiente.

Gilvander Luís Moreira
Email: gilvander@capaoxaviervivo.org

Movimento Capão Xavier VIVO
Rua Grão Mogol 502 - Sala 221 - Carmo
CEP: 30310-010 fone: (31) 3221-3055 - BH - MG
email: movimento@capaoxaviervivo.org
Home Page: www.capaoxaviervivo.org



MOVIMENTO CAPÃO XAVIER VIVO 
© Copyright 2004 - - Todos os direitos reservados