Transposição do Rio São Francisco: um crime ambiental e social
Frei Gilvander Moreira (1)
---------Sobre
o projeto de transposição das águas do rio São
Francisco há um projeto de fantasia, mentiroso, e outro projeto real.
O projeto de fantasia da transposição diz que 12 milhões
de pessoas serão beneficiadas, 300 mil hectares serão irrigados,
1 milhão de empregos serão criados, tudo isso a “solução
definitiva para o problema da seca”. Divulgado em cartilhas, rádio
e TVs, o projeto criou uma expectativa que praticamente impede o debate sobre
os problemas reais do Semi-árido e suas reais soluções.
---------O
Projeto real de transposição, se não for sepultado, atingirá
apenas 5% do território semi-árido brasileiro e 0,3 % da população.
Apenas 4% da água será destinada à chamada população
difusa, 26% serão para uso urbano e industrial e 70% serão para
irrigação (carcinicultura – criação de camarão
-, floricultura e hortifrutigranjeiros) de produtos para exportação.
Serão beneficiadas cidades fora do Semi-árido como Recife e
Fortaleza, além de Caruaru (agreste de Pernambuco).
---------Impactos
relevantes: modificação da composição das comunidades
biológicas aquáticas nativas nas bacias receptoras; risco de
redução da biodiversidade nas bacias receptoras; risco de tensões
durante a fase de obra; interferências nas comunidades indígenas;
interferências no patrimônio cultural (sítios históricos);
risco de introdução de espécies de peixes daninhos; custo
da água na bacia receptora: R$ 0,11/m3, no eixo leste, e R$ 0,14/m3
no eixo norte. O custo do transporte da água será dividido com
o consumidor urbano (na conta de água). A CHESF estima que a operação
e manutenção do sistema custará de 80 a 100 milhões
de reais por ano. Serão construídas 7 usinas hidroelétricas
com capacidade para produzir 175 MW de forma a manter o sistema funcionando.
---------Dados
oficiais dos próprios Planos de Recursos Hídricos dos Estados
beneficiados revelam um quadro atual bastante favorável em termos de
disponibilidade de água. O Ceará, por exemplo, tem potencial
para atender com segurança até quatro vezes as demandas atuais
por água para todos os usos. Não existe déficit hídrico
nos Estados beneficiados. Custo da transposição: R$ 4,5 bilhões
apenas nos primeiros anos.
---------O
que o Nordeste precisa não é de importação de
água, mas de uma reforma hídrica eficiente. Os impactos ambientais
e sócio-econômicos da captação da água no
rio São Francisco, na própria bacia, estão sendo minorados,
conforme previsão no projeto, sem a devida precaução.
---------Toda
a água da bacia já se encontra comprometida. Da vazão
disponível, 80% encontravam-se reservados para a produção
de energia para todo o Nordeste e, dos 360 m³/s alocáveis para
os outros usos, 335 m³/s encontravam-se comprometidos. Paira a questão
da inviabilidade das vazões maiores a serem retiradas para o Projeto
completo (até 127 m³/s, 65 m³/s em média) a depender
da disponibilidade sobrante do reservatório do Sobradinho, o que tem
acontecido raramente, entre sete e dez anos. 98% da energia consumida no Nordeste
vêm das águas sanfranciscanas.
---------As
águas desviadas vão passar distante da grande maioria da população
rural do sertão atingida pela seca, e, em contrapartida, vão
irrigar, em condições economicamente desfavoráveis, regiões
onde já se encontram os maiores reservatórios. Com a transposição,
ao contrário, vai se pagar muito caro pelo uso da água transposta.
O custo da água será, no mínimo, cinco vezes maior do
que os valores atualmente praticados na Região. Um verdadeiro “presente
de grego” para a população dos Estados receptores. Está
previsto o subsídio cruzado: 85% da receita do projeto será
gerada pelos consumidores de água situados no meio urbano das grandes
cidades do Nordeste Setentrional, que na atualidade não precisam desta
água e já subsidiam o abastecimento hídrico humano do
interior dos municípios. A construção de adutoras, a
partir das grandes barragens da região, tem se mostrado como a solução
mais viável para o abastecimento das cidades e comunidades rurais nos
períodos secos. O abastecimento rural nos anos de chuvas normais deve,
preferencialmente, sustentar-se nas soluções locais de baixo
custo - açudes, poços, cisternas. Construção de
barragens subterrâneas para culturas de vazantes; Modernização
das tecnologias de irrigação.
---------Há
milhões de pessoas que vivem na bacia do São Francisco e que
dizem, a partir da sabedoria popular, que o rio está morrendo. Por
exemplo, dia 01/08/2004, na IX Romaria da Terra e das Águas de Minas
Gerais, em Pirapora e Buritizeiro, ouvimos os relatos de pescadores que pescam
há 15, 20, 30 ou 35 anos no rio São Francisco. Todos
dizem: o rio São Francisco está morrendo. Nos últimos
40 anos, já perdeu cerca de 40% do seu volume de água. Está
cada vez mais raso, estreito e assoreado. Uma infinidade de ilhas existentes
hoje não existia no passado. O assoreamento é o resultado dos
18 milhões de toneladas de areia e terra que o rio está recebendo
todos os anos. O rio está sendo sepultado vivo. As matas ciliares acabaram.
Os vazanteiros tiveram que migrar para as favelas, pois as cheias quase não
existem mais e, por isso, a pesca e a agricultura nas várzeas estão
ficando inviáveis.
---------O
Tribunal de Contas da União diz que o projeto não beneficiará
o número de pessoas que se alardeia. A Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN) observou que pelo menos 30% da água se perderia
por evaporação. A Cáritas mostrou que a solução
para comunidades isoladas está na implantação de 1 milhão
cisternas de placa para captação da água da chuva (das
quais já há 160 mil), não na transposição,
que não chegaria a esses lugares.
---------Vários
especialistas (professor Aldo Rebouças, da USP, professor João
Abner Guimarães, da UFRN, professor João Suassuna, da Fundação
Joaquim Nabuco, Roberto Malvezzi, da CPT, entre muitos) demonstraram a desnecessidade
da transposição: o problema no semi-árido é de
gestão, não de escassez.
---------A
Agência Nacional de Águas (ANA), entidade estatal criada para
a gestão estratégica do uso da água no Brasil, propõe
530 obras para solucionar os problemas de abastecimento hídrico até
2015 em todos os núcleos urbanos acima de 5.000 (cinco mil) habitantes
do semi-árido brasileiro. Essas obras beneficiariam as populações
mais necessitadas e custariam 3,6 bilhões de reais, portanto, mais
baratas, mais abrangentes, mais eficientes que qualquer obra de transposição
hídrica.
---------Por
tudo isso, concluímos, seguindo as opiniões mais abalizadas
no tocante ao tema exposto, que o projeto falacioso de transposição
do Rio São Francisco é um crime não apenas ambiental,
mas sobretudo social, já que aventureiro, despropositado e contrário
ao interesse público.
(1) Mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor de CEBs, CEBI, CPT, MST e SAB.
Frei Gilvander Luís Moreira,
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
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