Eis um exemplo de luta:
“Dona Teresa também falou da água e das dificuldades do povo de subir até lá em cima do brejo, para buscar uma cabaça ou lata de água na fonte. Ela soube da reunião que o povo tinha feito, dois meses atrás, para se organizar e conseguir o encanamento da água até perto das casas, onde pretendiam construir um chafariz comum. E disse: “Esse povo se reuniu para encanar a água e nem veio falar com a gente, que somos donos da água! Fica no nosso terreno! Querem levar a água lá para baixo. Nós, então, aqui em cima, vamos ficar sem água? No ano passado, eles emporcalharam a água sete vezes! Mesmo agora, a água está suja e temos que subir todos até lá no brejo! Adianta fazer reservatório lá embaixo, para eles fazerem sujeira lá dentro? O problema é esse!” Ela falou sem paixão, calma. Não se pode negar que ela tinha razão. Nem por isso parece bom deixar as coisas como estão e exigir que as mulheres e moças do lugar subam duas ou três vezes por dia, andando num total de quase uma légua cada vez, só para apanhar uma cabaça de água! A subida até a água é difícil. Só pedra. Quase nem estrada ou atalho tem. Calor enorme no verão, liso e frio no tempo da chuva. Meninas de doze anos, carregando latas de 17 litros ou cabaças de 20 litros na cabeça, todo o santo dia! Será que isso é bom para o espinhaço? Em todas as casas onde a gente chegava, as mulheres reclamavam: “É um absurdo!” Até que, dois meses atrás, os homens se reuniram para discutir o assunto e encontrar uma solução. Foi durante a visita pastoral. Foi uma reunião muito boa. O povo estava disposto a se organizar e a fazer alguma coisa. Mas lembro ainda a frase do bispo que comentava depois comigo: “Não se iluda! Esse entusiasmo é apenas um lampejo passageiro! Uma reunião não muda séculos de passividade! Mas é só assim que as coisas começam! Tem que acreditar nisso, apesar de não ver nenhum resultado!”
P.S: Extraído de MESTERS, Frei Carlos. Seis dias nos porões da humanidade.
Petrópolis, Vozes, 1977. p. 62.