EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA E AUTARQUIAS DA COMARCA DE BELO HORIZONTE / MINAS GERAIS

Dep. Proc. 024.03.187522-2

“Quando a última árvore for cortada,
quando o último rio for poluído,
quando o último peixe for pescado,
aí sim eles verão que dinheiro não se come...”
(Chefe Sioux)


O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, pelos Promotores de Justiça Especializados na Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico e Cultural e Urbanismo da comarca de Belo Horizonte, vem propor a presente


AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDOS DE TUTELA DE URGÊNCIA
CUMULADA COM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

fulcrada nos artigos 4º, VII, e 14, § 1º da Lei 6.938/81 e nos arts. 5º, e 225, e seus § 1º, incisos I, VII, §§ 2º e 3º; todos da Constituição Federal, arts. 2º, 3º, 5º, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1.985; art. 1º, 2º e 16 da Lei 4.771, de 15 de setembro de 1.965; arts. 3º, 10, inciso II, 11, inciso I, da Lei 8.429/92 e demais legislações atinentes à espécie e tendo em vista o apurado nas peças extraídas do Procedimento Administrativo n.º 336/03, em face de

Estado de Minas Gerais, pessoa jurídica de direito público interno, sediado na Praça da Liberdade, s/nº, Bairro Funcionário, CEP 30140-912, nesta Capital, por seu advogado geral;

Minerações Brasileiras Reunidas S/A – MBR, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º 33.417.445/0026-89, estabelecida no Município de Nova Lima, à Avenida de Ligação, nº 3580;

Fernando Damata Pimentel, prefeito municipal de Belo Horizonte, lotado na sede da prefeitura Av. Afonso Pena, nº 1.500, nesta cidade, e

Inácio Pereira Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas – IEF - MG, MASP nº 1023049 e REG. 67843/D, lotado no escritório do IEF em Barbacena - MG

pelas razões que passa a expor:


PRELIMINAR

A presente ação civil pública presta-se a formular pedidos de obrigação de fazer e não fazer de natureza ambiental, cumulados com sanções por ato de improbidade administrativa praticado por funcionário público integrante do Instituto Estadual de Florestas – IEF e pelo prefeito municipal de Belo Horizonte.

É de se ressaltar que é perfeitamente legítima e adequada a utilização do rito processual do procedimento comum ordinário previsto no Código de Processo Civil para as ações civis públicas previstas na Lei nº 7.347/85 e Lei nº 8.429/92, que são cumuláveis, nos termos do § 1º do artigo 292 do Código de Processo Civil.

A presente ação possui pedidos derivados dos mesmos fatos: os licenciamentos ambientais concedidos ao Empreendimento denominado Mina de Capão Xavier e atos administrativos que lhes deram suporte.

Busca-se, em primeiro lugar, o impedimento das atividades minerárias que podem produzir sérios danos ambientais em recursos hídricos que se prestam a garantir abastecimento público de água potável. Depois, a responsabilização pessoal pela prática de atos de improbidade, imputados ao agente público que autorizou a supressão de vegetação, sem preservar a área de reserva legal, com supedâneo na Lei nº 8.429/92, bem como ao prefeito municipal de Belo Horizonte, que firmou concessão de direito real de uso sobre bem dominical do município sem prévia autorização legislativa.

Como já se afirmou, não há óbice algum à cumulação dos pedidos, mas, pelo contrário, é mesmo verdade que o princípio da economia o recomenda, visto que não se pode obrigar o Ministério Público a ingressar com ações distintas tendo por base o mesmo fato, situação que poderia provocar julgamentos conflitantes, com desprestígio para a Justiça. Além do mais, os referidos pedidos são compatíveis entre si; o rito processual é adequado para ambos, e esse Juízo é competente para os respectivos julgamentos.
Para facilitar a comprovação dos fatos narrados na presente e o manuseio dos documentos que estão inseridos no Procedimento Administrativo nº 336/03, os fatos mencionados serão comprovados por meio de cópias dos documentos já constantes nos procedimentos investigatórios que formarão um volume anexo destacado.

1 – DOS FATOS

É de conhecimento público e notório neste Estado de Minas Gerais a repercussão que vem causando a possibilidade do início da operação do empreendimento denominado “Mina de Capão Xavier”, a ser realizado no município de Nova Lima. Tal repercussão decorre das incertezas e da insegurança quanto aos impactos ambientais que a operação do empreendimento poderá causar aos recursos hídricos (em especial em relação ao abastecimento público de águas) pela pretensão de rebaixar o nível piezométrico (do lençol freático).

Avaliando o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental apresentados pela empresa Minerações Brasileiras Reunidas – MBR, o Estado de Minas Gerais, por seu Conselho de Política Ambiental – COPAM – deferiu as Licenças Prévia, de Instalação e Operação para o funcionamento da Mina de Capão Xavier. Tal empreendimento só não teve início graças à liminar deferida na ação popular n°2004.38.00.013593-0 (fls. 373-376 do anexo síntese), proposta pelos deputados estaduais Adalclever Ribeiro Lopes e Antônio Júlio de Faria, que tramita perante a 17ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais e que determinou a suspensão das licenças ambientais concedidas pelo COPAM.
A questão que envolve o licenciamento ambiental do empreendimento “mina de Capão Xavier” é complexa e, para melhor entender seus aspectos de ilegalidade, é necessário fazer uma exposição pormenorizada dos fatos.

1.1 da preocupação com o abastecimento público de águas

Quando da construção de Belo Horizonte, um dos fatores determinantes que norteou as decisões para a escolha do local, em 1893, ficou registrado nas instruções baixadas pelo então governo do Estado para pautar os trabalhos da Comissão de Estudos das localidades:
“1º. As condições naturais de salubridade (...);
2º. abastecimento abundante de água potável, devendo ser examinados os mananciais que puderem ser aproveitados, não só quanto ao volume e qualidade das águas mas também quanto à altura disponível (...)”.
Em relatório apresentado ao Presidente do Estado, Dr. Affonso Pena, pelo engenheiro civil Aarão Reis, em 1893, referente aos estudos das localidades indicadas para a nova capital, já se afirmava que “para recurso futuro (...) os ribeirões dos Macacos e da Pantana, qualquer deles mais importante que o do Arrudas (...) poderão ser canalizados para o serviço da nova cidade, quando esta atingir as proporções correspondentes à necessidade de tais trabalhos”.
Da mesma forma, podemos observar que, ao longo da nossa história, sempre esteve presente o cuidado dos governantes com os mananciais que abastecem a capital. Em 1927, o então prefeito Christiano Machado, ao tratar dos mananciais de “Rola Moça” e “Capão de Baixo” (atividade para um “quatriênio”), em “Mensagem” lembrava que, embora fosse aquela “uma grande realização”, Belo Horizonte não mais permitia as soluções de retalho que se fazem num dia para reviverem de imediato. “Eis porque cuidarei de proceder a estudos de novos mananciais, procurando desapropriá-los para resguardo futuro.”
Semelhante consideração foi levantada em 1930 no Relatório Geral dos Serviços do Novo Abastecimento D’Água de Belo Horizonte, pelo Chefe dos Serviços, Otacílio Negrão de Lima, que informando sobre a situação do abastecimento regular de água da cidade, diagnosticava “patentear-se clara necessidade de aduzirem-se novos mananciais para a população da cidade” e que “ao lado da situação precária da população existente, forçoso se tornava considerar o aumento daquela população, dia a dia crescente”.
Diferente não foi, durante a gestão do prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, a preocupação e o cuidado com os mananciais. O prefeito era ciente que desde a fundação da capital, o problema de abastecimento de água potável era motivo dos mais demorados estudos. Por isso, em meados de 1928 iniciou-se a canalização dos córregos “Rola Moça” e “Tabuões”, em Ibirité. O agravamento da carência no abastecimento levou à necessária utilização do “Mutuca”, quando foi então realizado estudo para a aquisição da bacia de forma a proteger-se de intromissão estranha. (grifos de nossa autoria)
Em 1948, o Município reconhecia a luta diária do povo contra a falta d’água e dos perigos que a ameaçavam por não ser possível assegurar em bom nível o estado sanitário da população, tendo “sido esse um dos mais sérios problemas com que defrontou a administração”. “Ao terrível drama da enchente sucedia o da seca, nunca registrada na zona de que Belo Horizonte é o centro. A água, já insuficiente para o consumo àquela época , desceu a 40% do fornecimento normal, exigindo o problema medidas excepcionais de economia e distribuição”.
O Município venceu, enfim, o enorme desafio para o abastecimento de água potável à população com o desenvolvimento da captação do Mutuca. No entanto, em 1956, no Relatório apresentado à Câmara Municipal, o prefeito Celso Mello de Azevedo informava: “o problema do abastecimento de água tornou-se crítico para a cidade de Belo Horizonte” e citava várias providências como a conclusão das desapropriações das “terras marginais aos córregos Mutuca e Fechos” junto à St. John Del Mining Company Ltda. Ressaltava o relatório: “o planejamento da solução do problema da água na Capital não pode ficar adstrito unicamente ao fator ‘consumo atual”. Trata-se do futuro da cidade e, para isso, a administração tem de oferecer garantias, traduzidas em generosa reserva de abastecimento, a fim de assegurar expansão demográfica e confiança aos empreendimentos de natureza particular que queiram se fixar no Município. Trata-se, ademais, de assegurar tranqüilidade aos belo-horizontinos e às administrações municipais vindouras”.
Fácil deduzir dois fatores significativos referentes ao abastecimento de água em Belo Horizonte.
“1º. – Os ribeirões Mutuca e Fechos, articulados num mesmo processo de captação, foram as principais fontes de abastecimento desde o relatório técnico que antecedeu a escolha do lugar que receberia a Capital. Ainda hoje são os mananciais de melhor qualidade que abastecem Belo Horizonte, seja pelo grau de pureza que dispensa tratamento químico rigoroso, seja pela elevação natural, o que torna sua utilização muito menos onerosa;
2º. – O município de Belo Horizonte não poupou esforços para desenvolver o processo de captação dos mananciais, processo que ficou evidenciado no esforço de administradores como os citados acima: Aarão Reis, Christiano Machado, Octacílio Negrão de Lima, Juscelino Kubitschek e Celso Mello de Azevedo.”
Em 1955, o Governador do Estado de Minas Gerais, pelos Decretos nº 4.631, de 23 de junho de 1955, e nº 4.645, de 07 de julho de 1955, declaram de utilidade pública, para fins de desapropriação, imóveis de propriedade de ST. John del Rey Mining Co. Ltda., situados na Bacia dos Fechos, deixando claro, no art. 2º de cada Decreto, que “o terreno referido no art. 1º é necessário a captação, adução e obras complementares do Córrego dos Fechos e do Curral de João Rodrigues para reforço do abastecimento de água da Capital mineira...”. (fls. 02-04 do anexo síntese) Em decorrência destes Decretos, o Município de Belo Horizonte passou a ser proprietário de imóvel que na administração do prefeito Fernando Pimentel foi objeto de concessão de direito real de uso para servir aos interesses de escoamento do minério explotado da Mina de Capão Xavier. (fls. 05-17 do anexo síntese)
Na década de 80, os mananciais de Fechos, Mutuca, Barreiro e Catarina, todos situados na região metropolitana de Belo Horizonte, foram definidos como áreas “de interesse especial para proteção de mananciais”, de acordo com os Decretos Estaduais n.ºs, 21.372/81, 22.091/82, 22.096/82 e 22.327/82 (fls. nº 18-24 do anexo síntese), restando estabelecido no artigo 2º dos citados Decretos que “ficam declaradas de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural” das áreas demarcadas.
Na década de 90, o Poder Executivo Estadual baixou o Decreto nº 35.624/94, alterado pelo Decreto nº 37.812/96, para novamente declarar as áreas em tela como de proteção ambiental (APA SUL RMBH). (fls. nº 25-29 do anexo síntese)
Disciplinando a matéria, o Poder Legislativo Estadual, por meio da Lei nº 10.793/92, em seu art. 4º, inciso II, vedou de forma expressa a instalação de empreendimentos que comprometam os padrões mínimos de qualidade das águas nas bacias de mananciais destinados ao abastecimento público. (fls. nº 30-32 do anexo síntese)
Posteriormente, com a Lei nº 13.960/2001 declarou como área de proteção ambiental “a região situada nos municípios de Barão de Cocais, Belo Horizonte, Brumadinho, Caeté, Catas Altas, Ibirité, Itabirito, Mário Campos, Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Santa Bárbara”, justamente para “proteger e conservar os sistemas naturais essenciais à biodiversidade, especialmente os recursos hídricos necessários ao abastecimento da população da região metropolitana de Belo Horizonte e das áreas adjacentes, com vistas à proteção dos ecossistemas e ao desenvolvimento sustentável” (fls. nº 33-36 do anexo síntese), onde encontram-se situados os referidos mananciais.
Acontece que o fantasma da exploração mineral acompanha Belo Horizonte, desde a sua fundação. As jazidas de minério de ferro e de manganês do Quadrilátero Ferrífero estiveram ou estão sempre consorciados com esses mananciais de classe especial. É dessa forma que tem início em Belo Horizonte uma história que mistura a luta pela preservação da água, própria para o consumo humano, e os interesses do grande poderio econômico representado principalmente pelas empresas mineradoras instaladas na capital, dentre elas a MBR – Minerações Brasileiras Reunidas -, detentora de licenciamento para exploração mineral em extensa área na região metropolitana.
A presença das mineradoras em plena atividade extrativa fez com que fosse alterada até mesmo a paisagem da nossa capital. O belo horizonte emoldurado pela Serra do Curral vem sendo modificado, para não dizer destruído com o tempo, a despeito de diversos atos governamentais que aprovaram o tombamento da Serra do Curral. Basta olhar o que restou por trás da Serra para que se possa ter a devida conta do efeito causado pela atividade minerária ao meio ambiente.
Recentemente, um grave acidente provocado pelo rompimento de uma lagoa de rejeitos da Mineradora Rio Verde, na Região de Macacos, danificou uma das adutoras que abastece de água parte da região metropolitana, deixando a população alerta para o risco de novos acidentes, além de assorear extensas faixas dos ribeirões Taquaras e Fechos, contribuintes do Sistema Alto Rio das Velhas, gerenciado pela COPASA, o que foi amplamente noticiado pela mídia televisiva e escrita local, regional e nacional.
É bom lembrar, também, o desmoronamento de um marco do tombamento federal da Serra do Curral, por deslizamento de uma encosta minerada pela MBR e, especialmente, o extravasamento da barragem da Grota Fria, instalada na Mina de Tamanduá, de propriedade da MBR que, além dos graves e expressivos danos ambientais causados ao meio ambiente, inclusive sobre os ribeirões da Grota Fria, Marumbé e Macacos, todos também contribuintes do Sistema Rio das Velhas, responsável por cerca de 70% do abastecimento público de Belo Horizonte e 45% de sua Região Metropolitana, comprometeu a captação de água pela COPASA.

1.2 o rebaixamento do nível piezométrico

O empreendimento Minerário pretende realizar a explotação de minério de ferro em lavra a céu aberto, pelo período estimado de 25 anos. Decorridos alguns anos de seu início, a atividade atingirá o nível das águas subterrâneas e pretende-se fazer o rebaixamento deste nível piezométrico para viabilizar a continuidade da mineração.
A Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM, quando examinou os impactos do empreendimento sobre o meio físico (item II.3.1 do Parecer Técnico DIMIM n° 127/2003 (fls. nº 67-68 do anexo síntese), em especial o rebaixamento do nível piezométrico, para fins de concessão de licença prévia, registrou que:
“A água subterrânea na área da cava será drenada através do rebaixamento do nível d’água, provocando um cone de depressão que se estende e pode afetar outros fatores ambientais e captações de terceiros. Estima-se ser necessária uma vazão de bombeamento de 157 L/s para promover o rebaixamento do nível piezométrico.

A modelagem hidrogeológica preliminar (“Análise dos modelos numéricos do fluxo d’Água Subterrânea do Projeto Capão Xavier – MBR, Nova Lima – MG”) foi elaborada pela empresa MDGEO Serviços de Hidrogeologia em 2002, e apresenta o rebaixamento, em metros previsto para cada um dos 10 poços tubulares profundos inventariados, considerando-se a inexistência de barreiras hidrogeológicas, ou seja, trabalhou-se com a hipótese mais conservadora em que todos os poços de captação de água dos aqüíferos profundos serão afetados.

É importante informar que o modelo desenvolvido tem caráter preliminar, e somente a partir da realização de um teste de bombeamento prolongado e, principalmente, do início do rebaixamento propriamente dito, com a realimentação do modelo com dados obtidos (reais), o mesmo irá se tornando progressivamente mais preciso, podendo quantificar os impactos nos poços para efeito do planejamento das medidas mitigadoras correspondentes. (grifamos)

Quanto aos poços rasos (cisternas) do bairro Jardim Canadá, embora as mesmas captem águas do sistema hipodérmico (superficial) e dependam do comportamento hidrodinâmico do horizonte de alteração da camada de dolomito, situada entre o sistema hipodérmico e os aqüíferos profundos, também trabalhou-se com a hipótese de que os poços venham a ser impactados pelo rebaixamento.”

No que diz especificamente a alterações de vazões em nascentes e captações a serem produzidas pelo empreendimento, o parecer técnico da FEAM (fls. nº 68-69 do anexo síntese) ainda registra:

“... Já as águas captadas na Barragem Principal de Fechos têm origem no sistema Hipodérmico, associado a solo e canga, com águas perenes do aqüífero Gandarela no Núcleo Sinclinal da Moeda, esta última caracterizada por águas alcalinas. Esta captação é onde provavelmente irão ocorrer impactos quando do rebaixamento do nível d’água em Capão Xavier.

As águas da galeria de Fechos relacionam-se aos aqüíferos profundos do Núcleo Sinclinal Moeda e também da Formação Gandarela ou de Itabiritos Dolomíticos da Formação Cauê, mas como situa-se na margem direita do córrego dos Fechos (oposta ao Capão Xavier) a probabilidade da ocorrência de impactos diminui, apesar de existir. (grifamos)

A estação elevatória de Fechos possui uma pequena contribuição do Núcleo Sinclinal da Moeda, mas a parcela significativa de água nesta estação vem da faixa Tamanduá-Mutuca, significando que uma parte da vazão que alimenta tal estação pode vir a ser impactada. (grifamos)

Resumindo, considerando-se todos os mananciais do entorno, espera-se a ocorrência de impactos na Barragem Principal de Fechos, talvez na Galeria de Fechos e possivelmente na águas circulantes pelo vertedor V1 da Estação elevatória de Fechos. Nos demais pontos de descarga relacionados aos aqüíferos profundos do Núcleo Sinclinal da Moeda e do Hemoclinal da Serra do Curral, os impactos podem vir a existir apesar de serem improváveis e, finalmente, nos aqüíferos cutâneos de circulação rasa, Mutuca Principal e Barreiro, bem como nos aqüíferos profundos da Faixa Tamanduá-Mutuca, a probabilidade de impactos significativos é praticamente inexistente. (grifamos)

Para tentar quantificar os impactos nas vazões do entorno decorrentes do rebaixamento do nível d’água em Capão Xavier, foram desenvolvidos três modelos numéricos, a saber:

. O primeiro desenvolvido pela FRASA Ingenieros Consultores S.L., em 1996;

. O segundo desenvolvido pelo Mestrando Geólogo Hélio Alexandre Lazarim, em sua dissertação de mestrado intitulada “Caracterização Hidrogeológica no Extremo Norte do Sinclinal da Moeda, Quadrilátero Ferrífero, Nova Lima, MG – Proposta de Modelo e”.

. O terceiro modelo numérico elaborado pela empresa MDGEO Serviços de Hidrogeologia em 2002, que consistiu em uma atualização do modelo desenvolvido pela FRASA, levando-se em conta novos dados de monitoramento.

Os três modelos numéricos estão descritos no relatório “Análise dos Modelos Numéricos do Fluxo d’Água Subterrânea do Projeto Capão Xavier – MBR, Nova Lima – MG” apresentado como anexo do EIA/RIMA.”
Dos registros constantes do Parecer Técnico da FEAM pode-se chegar às seguintes conclusões:

01. O estudo de impacto ambiental apresentado é apenas preliminar, carecendo de maiores informações para que seja possível prever detalhadamente os impactos produzidos pelo rebaixamento do nível piezométrico, sendo que melhores dados somente poderão ser obtidos com o bombeamento prolongado.

02. O rebaixamento do nível piezométrico produzirá impactos ambientais relevantes na Barragem Principal de Fechos, talvez na Galeria de Fechos e possivelmente nas águas circulantes pelo vertedor V1 da Estação elevatória de Fechos. Nos demais pontos de descarga relacionados aos aqüíferos profundos do Núcleo Sinclinal da Moeda e do Hemoclinal da Serra do Curral, os impactos podem vir a existir apesar de serem improváveis.

O referido parecer técnico ainda considera as Medidas Preventivas e Corretivas Hidrológicas e Hidrogeológicas propostas para enfrentar os impactos sobre os mananciais. Em fls. 39-40 do parecer (fls. nº 75-76 do anexo síntese) consta que:

“Quanto ao rebaixamento do nível piezométrico, as medidas mitigadoras contemplam principalmente o Plano de Gestão Hídrica, que incorpora as medidas necessárias para limitar o alcance deste efeito e suas repercussões.

De acordo com o parecer técnico entregue pelo IGAM (protocolo FEAM n° 201402/2003), foi informado que no Termo de Compromisso entre a MBR e a COPASA ficou acordado que 1/3 do volume das águas explotadas para o rebaixamento do nível de água serão disponibilizadas para a COPASA em seus pontos de captação em caráter preventivo, independentemente dos impactos ocorridos. A princípio pretende-se dispor deste volume de água na bacia hidrográfica do ribeirão Mutuca, visando atender a estação de tratamento de Morro Redondo. Também foi informado que será possível fornecer à este Sistema uma vazão constante, ainda não definida, de até 200 L/s para a regularização do aporte na estação de tratamento.

“O lançamento de águas na bacia do ribeirão Mutuca será monitorado pela MBR por um plano de vigilância para que não ultrapasse a vazão máxima admitida neste curso. Caso a vazão máxima seja atingida, deverá ser acionado plano de contingência contra enchentes e inundações interrompendo-se o lançamento de água na bacia. Este sistema de alerta será projetado para todos os cursos de água que vierem a receber água de bombeamento.”

Caso o volume bombeado no rebaixamento não seja suficiente para atender ao empreendimento e às vazões de reposição, o excedente de águas do rebaixamento da mina de Tamanduá poderá ser disponibilizado na bacia de Fechos proporcionando um aumento da disponibilidade hídrica nesta bacia.

O avanço do cone de bombeamento de rebaixamento será controlado pela rede de monitoramento piezométrico sendo possível antever impactos em nascentes, poços manuais e poços tubulares. O cadastro de pontos de água e de usuários de água subterrâneo na área de entorno da mina foi realizado pela empresa e apresentado no documento analisado.

Caso seja detectada interferência do rebaixamento em poços manuais do bairro Jardim Canadá, a Empresa se compromete em arcar com os custos do fornecimento, pela COPASA MG, de igual quantidade de água. Em se tratando de poços tubulares profundos a empresa se compromete a perfurar um novo poço tubular, mais profundo, com vazão no mínimo equivalente, em substituição ao poço prejudicado.

Para as alterações de Vazões em nascentes e Captações de Terceiros, além de compensar a redução dos volumes, garantindo o fornecimento aos usuários afetados até as vazões prévias à explotação mineral, o sistema de compensação planejado se apóia no fornecimento de excedentes de água da mina, para regularização de caudais das nascentes e captações de abastecimento.”

Em uma primeira leitura pode até parecer que o empreendimento é benéfico aos interesses da sociedade quando oferece 1/3 das águas explotadas à captação direta da COPASA. No entanto, não se pode esquecer que o volume de águas bombeado é muito grande e não se pode lançá-lo em qualquer lugar (um curso d’água, por exemplo) sem correr-se o risco de produzir danos ambientais. O acordo que prevê a entrega da água à COPASA atende primeiramente aos interesses da empresa mineradora.

Mas, a questão que merece ser analisada posteriormente, com muito cuidado, diz respeito ao que acontecerá quando não mais for disponibilizado o referido volume de águas à COPASA .

O parecer ainda registra mais informações sobre o Plano de Gestão Hidrológica em fls. 42 parecer (fls. nº 78 do anexo síntese):

“O objetivo deste plano de gestão é garantir a manutenção da disponibilidade hidríca a terceiros, tanto nas captações de água do entorno quanto em poços e cisternas, levando em conta os aspectos de quantidade e qualidade de água, durante todas as fases do empreendimento: implantação, operação, desativação e pós-desativação. A partir do Programa de Monitoramento Ambiental, os impactos serão quantificados e qualificados, para que a MBR possa estabelecer as ações preventivas e corretivas a serem adotadas.

Para todos os mananciais que poderão vir a sofrer impactos (bacia do ribeirão Mutuca, bacia do córrego de Fechos, bacia do ribeirão Catarina, bacia do Córrego Barreiro, bacia do córrego Seco) serão definidos, com base nos parâmetros hidrológicos, a vazão máxima e a vazão mínima admitidas, assim como, os parâmetros da qualidade das águas. A partir da constatação ou não de impactos, as medidas corretivas serão tomadas conforme descritas no EIA/RIMA.

Outro fator importante é que a MBR se compromete a manter a disponibilidade hídrica, no mínimo, em condições equivalentes caso não houvesse o desenvolvimento da atividade minerária, tanto para as captações de água para o Abastecimento Público, quanto para os poços rasos do sistema hipodérmico, quanto para os poços tubulares do sistema profundo.

A última fase que contempla o plano de gestão é a fase de pós-desativação do empreendimento, onde está prevista a incorporação dos terrenos do entorno do lago ao Parque Estadual da Serra do Rola Moça e a administração do lago será transferida para a empresa que à época estiver responsável pelo suprimento de água na RMBH.”

Estas últimas passagens do Parecer técnico evidenciam que:

1) é necessário elaborar um detalhado Plano de Gestão Hídrica, que incorpore medidas eficazes para limitar o alcance dos efeitos e repercussões do rebaixamento do nível de águas.

2) Este plano de Gestão Hídrica ainda não foi elaborado, posto que ainda não se sabe exatamente o que irá acontecer quando for promovido o rebaixamento do nível da água. O Plano de Gestão Hídrica depende das informações decorrentes dos testes de bombeamento prolongado que ainda não foram feitos.

3) Não se sabe quais residências do bairro Jardim Canadá terão seus poços afetados, pois tal informação depende dos dados obtidos com os testes de bombeamento prolongado que ainda não foram feitos.

4) O empreendedor pretende transferir ao Poder Público a obrigação de cuidar do recurso hídrico, o lago a ser formado após a exaustão da mina.


1.3 da desativação da mina e da medida compensatória

Como medida de recuperação ambiental da área degradada, o empreendedor pretende realizar, quando da desativação da mina, a transformação da cava em um lago e como medida compensatória, a doação da área, com o lago, para que seja incorporada ao Parque Estadual do Rola Moça.

Conforme o Parecer Técnico DIMIM n° 127/2003 parecer (fls. nº 70 do anexo síntese), da Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM, que serviu de base para a concessão da Licença Prévia (item II.3.1):

“Após a exaustão da mina, está previsto no Plano de Reabilitação do Capão Xavier a inundação da cava, que terá os seguintes efeitos:

. reposição das vazões surgentes nas nascentes próximas conectadas hidrologicamente;

. criação de um reservatório de água superficial de grande volume; criação de uma zona úmida na área.

Esta inundação será causada pela ascenção do nível piezométrico que provocará a inundação progressiva da cava até alcançar a cota de equilíbrio. O resultado final será um lago, com capacidade de armazenamento de um volume de 60 milhões de m³, ocupando uma área de cerca de 1 km². Para a formação do lago, estima-se um período de 15 anos após finalizar o bombeamento da cava, sendo alimentado por águas subterrâneas surgentes no fundo, pelas águas de escoamento superficial cortadas em canaletas periféricas e pela precipitação direta.”

É importante ressaltar que Mina de Capão Xavier se encontra próxima a uma comunidade, não havendo certezas sobre os riscos de contaminação do lago pelo eventual crescimento populacional e urbanístico da área. Certo é que os riscos de contaminação dos mananciais por meio das águas do lago é em muito superior aos riscos de contaminação dos mesmos quando protegidos pelo solo.

Ocorrências de contaminação de recursos hídricos por expansão urbanística não são poucas, rios e lagoas, cuja previsão inicial eram para fornecimento de água para o abastecimento da população, se tornaram locais poluídos, propensos a propagação de doenças e impróprios a exploração da água para o fim proposto. Como exemplo marcante, veja-se o caso do reservatório de águas da Lagoa da Pampulha.

Cabe observar ainda que a característica de inércia das águas do lago são propícias ao fenômeno da eutrofisação, o que foi mencionado no próprio EIA – Estudo de Impacto Ambiental – como um risco importante e será analisado no item seguinte.

Por outro lado, a doação da área, como medida compensatória, diante de tais incertezas, pode tornar-se um verdadeiro problema para a comunidade e para o poder público. Herdar-se uma área que foi inundada após exploração mineral e que deve ser preservada para fins de abastecimento público, sem se ter a certeza de sua situação futura, só torna mais evidente a inviabilidade ambiental do empreendimento.


1.4 da qualidade das águas que formarão o lago

Vale ainda observar que, em lagos, há a possibilidade da ocorrência do fenômeno denominado de Eutrofização. Segundo Edis Milaré, Eutrofização é um processo natural de enriquecimento de lagos, represas ou rios, resultante de um aumento de nitrogênio e fósforo na água, consequentemente da produção orgânica. (in Direito do Ambiente. São Paulo: RT, 2001, p.729)

O próprio Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento denominado “Capão Xavier” demonstra que a solução técnica dada para a desativação do empreendimento consistente no enchimento de água da cava formada após a exploração mineral transformando-a em um lago com capacidade para armazenar 60 milhões de metros cúbicos acarreta incertezas sérias em relação a boa qualidade das águas nela contidas, pelo fenômeno da eutrofização, v.g.:

“Os principais nutrientes que provocam o crescimento excessivo das plantas aquáticas são o nitrogênio e o fósforo. Em alguns casos, a disponibilidade de nutrientes é tão grande que os organismos vegetais chegam a cobrir completamente o espelho d’água de lagos e represas. É nestes ambientes que a eutrofização ocorre com maior intensidade, principalmente em função do elevado período de residência da água, o qual proporciona tempo suficiente para o crescimento das plantas aquáticas, notadamente algas e macrófitas (plantas aquáticas superiores). “ (EIA – Avaliação Ambiental do lago da cava da Mina Capão Xavier, item 8) (fls. nº 203 verso do anexo síntese)

As dúvidas iniciais quanto a ocorrência de eutrofização nas águas do lago a ser formado transformam-se em certezas, quando o Estudo de Impacto Ambiental, tratando do mesmo tópico, acrescenta:

“No entanto, é inevitável o desenvolvimento da chamada eutrofização natural, a qual estão sujeitos quase todos os ambientes lénticos em nosso planeta, mas cujos efeitos são perceptíveis em escala de séculos ou de milênios.” (fls. nº 204 verso do anexo síntese)

No caso em exame, o lago a ser formado terá uma profundidade máxima de 140 metros, conforme indica o referido Estudo de Impacto Ambiental, no item nº 06 - Morfologia da Futura Cava. Considerando que no Brasil não há lagos com tanta profundidade, não se pode prever neste ambiente os efeitos da eutrofização.

Veja-se esta passagem do Estudo de Impacto Ambiental:

“Em condições anaeróbicas, como será o caso do sedimento no lago de Capão Xavier, ocorrerá a formação de gás sulfídrico (H²S), conhecido pelo seu desagradável odor. Como não haverá movimetação completa da coluna d’água, esse mau cheiro estará confinado às camadas profundas, desta forma o ferro que se encontra ali na forma reduzida (ion Fe²¹) reagirá com o íon sulfeto (S²¯), formando um composto altamente insolúvel, o sulfeto ferroso (FeS).” (fls. nº 200 do anexo síntese)

É possível prever que, com o passar dos anos, os gases acumulados permitirão perceber o odor desagradável que é característico ao gás sulfídrico.

Por outro lado, as águas que irão formar o lago, após a desativação da mina, são classificadas na Classe Especial, conforme definido na Deliberação Normativa nº 20/97, nos trechos 38 e 42, do COPAM. (fls. 210-214 do anexo síntese) No entanto, a previsão de classificação existente no EIA-RIMA para as águas do lago é a de enquadrá-las na classe 2. Está expresso textualmente no Estudo de Impacto Ambiental, no item nº 5 que trata da avaliação ambiental do lago da cava da Minas de Capão Xavier, que:

“A DN COPAM 10/86 classifica os recursos hídricos do Estado de Minas Gerais conforme as distintas possibilidades de uso. Para tanto é feito pelo órgão ambiental estadual o enquadramento do corpo d’água. Na ausência de enquadramento como é obviamente o caso atual do futuro lago de Capão Xavier, considera-se que o mesmo deva cumprir, no mínimo, os requisitos de qualidade da classe 2.” (fls. nº 192-192 verso do anexo síntese)

Isto significa que o órgão ambiental admite que haja comprometimento dos padrões mínimos da qualidades das águas, o que é expressamente vedado pelo art. 4° da Lei Estadual nº 10.793/92. (fls. 30-32 do anexo síntese)


1.5 do risco ao abastecimento público de água

É muito importante notar que durante o período em que se desenvolverá a atividade minerária o empreendedor disponibilizará à COPASA 1/3 do volume de águas explotado, mas durante o período em que for necessário inundar a cava não haverá tal disponibilização.

Segundo consta no Parecer Técnico DIMIM n° 127/2003 da Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM, que serviu de base para a concessão da Licença Prévia (item II.3.1 - fls. nº 70 do anexo síntese) “para a formação do lago, estima-se um período de 15 anos após finalizar o bombeamento da cava, sendo alimentado por águas subterrâneas surgentes no fundo, pelas águas de escoamento superficial cortadas em canaletas periféricas e pela precipitação direta.”

Fica claro que, para a formação do lago, o empreendedor deixará de realizar o bombeamento das águas subterrâneas e a disponibilização de recursos hídricos à COPASA. Ora, após mais de 20 anos de atividade minerária, a população das áreas de influência da captação da COPASA terá aumentado significativamente, juntamente com a necessidade de disponibilização de recursos hídricos para o abastecimento público de água potável.

Para se ter uma idéia da situação de fato que deverá ocorrer quando da inundação da cava, o Parecer Técnico DIMIM n° 127/2003 (fls. nº 62 do anexo síntese), da Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM, que a população do bairro Jardim Canadá era estimada em 3.979 moradores em 2000 e terá uma população projetada de 12.900, no ano de 2025, quando está previsto o exaurimento da mina.

É necessário garantir-se, com medidas concretas e efetivas, o abastecimento público de água potável durante o período em que a cava estiver sendo inundada para a formação do lago. No entanto, a condicionante nº 18 da licença prévia (fls. nº 87 do anexo síntese) restringe-se a “assegurar a disponibilidade hídrica... durante a operação do empreendimento”. Fica a dúvida: e a disponibilidade hídrica durante o período de inundação da cava ? com este problema, não houve expressa preocupação do órgão ambiental e, não havendo qualquer condicionante que assegure tal disponibilidade, o empreendedor não está administrativamente obrigado a assegurar a disponibilidade hídrica necessária ao abastecimento público.


1.6 da averbação da reserva legal

Outra questão que não pode deixar de ser observada é a que diz respeito à averbação da área de reserva legal sobre os imóveis de propriedade do empreendedor.

A Lei Federal n° 4.771/ 65 – Código Florestal, em seu art 16, e a Lei Estadual n° 14.309/02, em seu art. 14, dispõem que é requisito para a autorização/licença de exploração de atividade minerária a prévia averbação da área de reserva legal.


A norma federal tem a seguinte redação:

“art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: (grifamos)
...
“§ 8º. A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com a exceções previstas neste Código.”

Por sua vez, a norma estadual assim dispõe:

Art. 14 – Considera-se reserva legal a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, ressalvada a de preservação permanente, representativa do ambiente natural da região e necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas, equivalente a, no mínimo, 20% (vinte por cento) da área total da propriedade.

§ 1° – A implantação da área de reserva legal compatibilizará a conservação dos recursos naturais e o uso econômico da propriedade.

§ 2° – Fica condicionada à autorização do órgão competente a intervenção em área de reserva legal com cobertura vegetal nativa, onde não serão permitidos o corte raso, a alteração do uso do solo e a exploração com fins comerciais, ressalvados os casos de sistemas agroflorestais e o de ecoturismo.

§ 3° – A autorização a que se refere o §2° somente será concedida em área de proteção ambiental mediante previsão no plano de manejo.

§ 4° – A área destinada à composição de reserva legal poderá ser agrupada em uma só porção em condomínio ou em comum entre os adquirentes.”

Como se pode observar claramente, os textos legais estabelecem como condição da supressão da vegetação a manutenção de área de vegetação a título de reserva legal.

Fica clara a preocupação de preservar a vegetação nativa hoje existente, impedindo-se que, com as formas possíveis exploração econômica do imóvel rural, o percentual determinado por lei venha a ser de fato reduzido. Se a reserva legal representa um percentual da área de vegetação hoje existente, com a exploração de parte do imóvel que não tenha definida a área da reserva legal possibilitará a supressão de parte da área que deveria ser preservada, se a averbação acontecesse antes da exploração.

O disposto no parágrafo 8º do art. 16 da Lei Federal 4.771/65 e art. 14 da Lei Estadual n° 14.309/02, evidenciam a finalidade protetiva da lei, no sentido de exigir a averbação da reserva legal antes da exploração da área, como forma de impedir a alteração da destinação imposta pelo legislador.

Vale ressaltar que no Provimento GACOR nº 92, de 19 de março de 2003, que dispõe sobre a averbação de área de reserva legal no registro de imóveis, consta a conclusão expressa de “que a averbação da área de reserva legal no registro de imóveis competente não constitui opção do proprietário rural e nem faculdade do registrador de imóveis, mas sim uma imposição legal, visando à preservação e à proteção da fauna e da flora do País,” (fls. nº 224-226 do anexo síntese)

Conforme se pode apurar em diversas reuniões dos representantes da ré MBR com os subscritores da presente ação, não houve, até o momento, a averbação da área de reserva legal. O Art. 16 da Lei Federal nº 4.771/65 – Código Florestal, com a alteração determinada pela Medida Provisória nº 2.166/00, deixa claro que a supressão de vegetação está condicionada à preservação de área a título de reserva legal. Não ocorrendo a averbação da área de reserva legal, não poderia ter o réu Inácio Pereira Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas, autorizado a supressão de vegetação, nos processos nºs 0902549/2003 e 0902550/2003, cujas autorizações receberam os nºs. 071595 e 071596, respectivamente. (fls. nº 227-228 do anexo síntese)

O ato do funcionário público caracteriza improbidade administrativa, conforme os termos do art. 11, inciso I, da lei 8.429/92.


1.7 do licenciamento ambiental

O empreendimento obteve, por parte do COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental – as licenças Prévia, de Instalação (relativa à construção de uma estrada de ligação Mutuca-Capão Xavier) e de Operação. No momento, tais licenças estão suspensas por decisão judicial, no processo n° 2004.38.00.013593-0, que tramita perante a 17ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais.

No parecer Técnico DIMIM n° 289/2003 da FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente -, que serviu de base para a concessão da Licença de Instalação (fls. nº 96 do anexo síntese), consta que:

“Posteriormente, após a mina entrar em cava fechada, está prevista pela empresa a instalação de um britador primário e de um transportador de correia de longa distância – TCLD – para transportar o minério da Mina de Capão Xavier até a ITM da Mutuca. Também será necessária a realização de rebaixamento do nível d’água devido à questões operacionais. Tanto a implantação do conjunto britador – TCLD e o rebaixamento do nível d’água serão objeto de licenciamentos futuros.”

Realmente, causa espanto e preocupação o fracionamento do licenciamento ambiental feito pelo Órgão Ambiental para a operação do empreendimento, no que se refere ao do rebaixamento do nível de água que o empreendedor pretende fazer. Esse rebaixamento poderá causar interferências danosas nos mananciais da região, que são responsáveis por parte do abastecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte, e não se têm informações suficientes sobre os impactos ambientais.

De fato, o licenciamento ambiental para a operação do empreendimento não considerou um estudo prévio detalhado e capaz de demonstrar todos os impactos ambientais, como determina o art. 225, IV, da CF/88.

A concessão de licença de operação para um empreendimento de tamanho impacto ambiental, e de tamanho investimento, sem que se tenha certeza quanto à sua posterior viabilidade ambiental, causará situação de fato extremamente problemática e que dificultará sobremaneira a proteção ambiental.

O fracionamento do licenciamento ambiental que autoriza o início da operação do empreendimento, deixando para depois a análise dos impactos que o rebaixamento do nível piezométrico poderá causar, não encontra qualquer amparo legal e viola manifestamente a disposição constitucional.

O art. 1º da Deliberação Normativa do COPAM nº 01, de 22 de março de 1990 (fls. nº 229-245 do anexo síntese), que estabelece critério e valores de indenização dos custos de análise de pedidos de licenciamento ambiental e dá outras providências, dispõe que deverá ser ressarcido previamente à FEAM pelo empreendedor requerente de licenciamento ambiental os custos de análise do pedido de fontes de poluição e atividades modificadoras do meio ambiente.

A interpretação equivocada que se quer dar a esta DN é que o rebaixamento do nível piezométrico é uma nova fonte modificadora do meio ambiente, a exigir licenciamento próprio. Ora, o empreendimento foi concebido de forma a englobar a atividade de exploração mineral com o rebaixamento do nível piezométrico. Não se trata de nova fonte, mas de empreendimento único que já previa a atividade de rebaixamento. Tanto isto é verdade, que na oportunidade da licença prévia houve análise e discussão acerca do referido rebaixamento. Não se pode, portanto, entender que o empreendimento constitui única fonte na fase de licenciamento prévio e que o empreendimento implica em fontes diversas na oportunidade do licenciamento de instalação e de operação.

A licença de operação do empreendimento deve considerar a atividade de rebaixamento do nível piezométrico, com suas informações pertinentes, pois o rebaixamento é atividade inerente ao empreendimento.

O entendimento equivocado da DN que, de fato, permitiu o fracionamento do licenciamento impediu a análise total dos impactos ambientais que serão gerados em virtude da atividade minerária a ser desenvolvida pela ré MBR. Este fato viola diretamente a disposição constitucional que obriga o estudo prévio de impacto ambiental.

1.8 das condicionantes ao licenciamento ambiental

Na oportunidade da concessão das licenças ambientais, o órgão licenciador pode impor condicionantes para adequar o empreendimento aos ditames legais.

Quando da concessão da Licença Prévia foram impostas 38 condicionantes. Na concessão da Licença de Instalação da estrada de ligação Mutuca-Capão Xavier, única obra necessária ao início da operação do empreendimento, foram impostas 30 condicionantes. Finalmente, quando da concessão da Licença de Operação foram impostas 33 condicionantes. (fls. nº 85-90 do anexo síntese)

Deve-se observar que a Licença Prévia é preparatória para a concessão das licenças posteriores de Instalação e Operação, assim como a Licença de Instalação é preparatória da Licença de Operação. Isto significa dizer que atualmente as condicionantes que devem ser observadas pelo empreendedor são apenas as definidas na Licença de Operação.

No certificado de Licença Ambiental de Operação n° 238, de 25 de março de 2004, e em seu anexo I que trata das condicionantes, não consta qualquer restrição para que o empreendimento promova o rebaixamento do nível piezométrico. Também não há qualquer condicionante que estabeleça medidas concretas para a garantia da qualidade das águas (consideradas de classe especial), do volume necessário para preservar o abastecimento durante o período de inundação da cava, para comprovar a prévia averbação da área de reserva legal no imóvel de propriedade do empreendedor, bem como sobre a contratação de seguro ambiental. (fls. nº 168 do anexo síntese)

Como registro de evidente descuido por parte do órgão ambiental licenciador, consta como condicionante da Licença Prévia (n° 18) “assegurar a disponibilidade hídrica originada pelo rebaixamento do lençol freático na Mina do Capão Xavier, junto aos mananciais de captação da COPASA (Fechos, Mutuca, Catarina, Barreiro), caso haja qualquer impacto. Também deverá ser assegurada a disponibilidade hídrica dos poços rasos do sistema hipodérmico e nos poços tubulares pertencentes à terceiros caso haja qualquer impacto. Prazo: durante a operação do empreendimento, a partir do rebaixamento do nível d’água.”

Não houve a preocupação em garantir-se o abastecimento público de água potável, no período de inundação da cava (15 anos). A referida condicionante refere-se apenas ao período de operação do empreendimento, quando o rebaixamento do nível de água produzirá abundante movimentação de recursos hídricos. Certamente, o problema do abastecimento não acontecerá quando da operação do empreendimento, mas quando o mesmo acabar e não mais se der o bombeamento das águas subterrâneas.


1.9 do seguro contra sinistros ambientais

Lamentavelmente, a história recente de nosso estado de Minas Gerais registra acidentes ambientais graves (veja-se os exemplos do rompimento das barragens da Mineração Rio Verde, na localidade de macacos, e da empresa Florestal Cataguases), nos quais o Poder Público foi obrigado a custear as medidas emergenciais para evitar a potencialização dos danos ou restaurar o abastecimento público de água potável.

O licenciamento cauteloso de empreendimentos de vultuoso impacto ambiental exige que se estabeleça uma forma de garantia, para o caso da ocorrência de qualquer dano ambiental.

No caso em exame, o empreendedor e o Município de Belo Horizonte firmaram termo de compromisso no qual consta cláusula expressa sobre a contratação, pelo empreendedor, de seguro ambiental (fls. nº 259 do anexo síntese):

“CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – DO SEGURO AMBIENTAL PARA O EMPREENDIMENTO CAPÃO XAVIER

11.1 – A MBR deverá efetuar, anualmente, o seguro ambiental de suas atividades operacionais de modo a garantir a reparação e indenização por danos eventualmente causados aos recursos hídricos das bacias hidrográficas de Mutuca, Fechos, Catarina e Barreiro, ou ao patrimônio imobiliário do MUNICÍPIO. A comprovação dos pagamentos do seguro deverá ser apresentada anualmente ao MUNICÍPIO, no prazo máximo de trinta dias após a sua efetivação.”

No entanto, o termo de compromisso firmado não produz qualquer reflexo no licenciamento ambiental. Em outras palavras, se o empreendedor descumprir o acordo firmado com o município não há qualquer obstáculo ao prosseguimento da atividade mineral.

Acrescente-se, ainda, que o seguro ambiental previsto no termo de compromisso firmado com o Município diz respeito apenas aos recursos e ao seu patrimônio imobiliário, não prevendo, portanto, outros danos ambientais que possam vir a ocorrer em decorrência da atividade minerária.

No caso fica evidenciado que o cuidado que o município teve em exigir a contratação de seguro não foi acompanhado pelo órgão licenciador estadual. A exigência de contratar o seguro ambiental deve constar expressamente da licença ambiental, como uma das condicionantes do empreendimento.

Deve-se observar, por fim, que o histórico de atividades da MBR no Estado de Minas Gerais indica que há motivos de sobra para um justificado e sério receio de que o empreendimento não venha a culminar em cabal reparação ambiental. Nesse sentido, a Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, no ano de 1975, para apurar as atividades da MBR registrou em seu relatório conclusivo que:


“Está fartamente provado que as atividades da MBR provocaram a poluição da água, no município de Nova Lima e o seu prefeito de então, hoje falecido, Rubem Costa Lima, confessa: “Infelizmente, todos os mananciais que servem a Nova Lima estão poluídos”. (fls. nº 289-290 do anexo síntese)

Pode-se dizer evidentemente temerária a concessão de licença ambiental para empreendimento de tamanho impacto, sem que se tenha qualquer garantia concreta de que haverá a reparação ambiental devida. É necessário estabelecer garantias concretas para a reparação de eventuais sinistros ocorridos durante a atividade minerária, a recomposição de interferências no abastecimento público de águas e a reparação ambiental do local em que se pretende realizar a extração mineral. Para o empreendimento denominado Mina de Capão Xavier, no entanto, o órgão ambiental não estabeleceu qualquer medida garantidora da reparação ambiental. Note-se que sequer indicou, expressamente, a solução técnica adequada para promover a reparação ambiental do local minerado.

Como antecedentes negativos da MBR podemos citar os vários procedimentos administrativos e/ou inquéritos civis instaurados nas Promotorias de Justiça das comarcas de Itabirito, Nova Lima e Brumadinho, nos quais se apura a responsabilidade por passivos ambientais de conhecimento notório.


2 – DO DIREITO

2.1 - Introdução

Após séculos de desatenção para com o Meio Ambiente, a sociedade passou a sentir os efeitos de tal descuido. Alterações climáticas e acidentes ambientais antes inimagináveis ocorrerão em decorrência do crescimento das atividades industriais e exploração descontrolada dos recursos naturais.

A preocupação com o meio ambiente, então, passou a fazer parte do dia-a-dia das discussões jurídicas de nosso tempo. Sobretudo a partir da década de 70, essas preocupações resultaram em Tratados Internacionais e Convenções que ressaltaram a importância de preservar o meio ambiente. Consagrou-se a noção de Desenvolvimento Sustentável, com vistas à preservação do meio ambiente para as gerações futuras, buscando a racionalização de sua exploração.

Em 1981, o legislador brasileiro reagiu à esta nova perspectiva, através da aprovação e posterior promulgação da Lei 6.938/81, contendo a Política Nacional do Meio Ambiente, que ratificou o citado princípio em seu artigo 2º, e novamente em seu artigo 4º.

Ainda no sentido da proteção e preservação do meio ambiente, uma das mais importantes manifestações desta preocupação, no contexto mundial, aconteceu no Rio de Janeiro, em 1992. Trata-se da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, onde foi votada, por unanimidade, a “Declaração do Rio de Janeiro” contendo 27 princípios.

São esses princípios que devem dirigir a atuação do Poder Público em relação ao meio ambiente, contidos em normas internas e internacionais, e estão assentados na doutrina nacional, entre aqueles que se dispõem a enfrentar a questão ambiental.


2.2 – Princípios Constitucionais de Direito Ambiental

Destacam-se entre os princípios que regem o Direito Ambiental, o do Desenvolvimento Sustentável, o da Prevenção/Precaução, e o do Poluidor-Pagador.

O primeiro deles tem por objetivo conciliar a exploração econômica das matérias-primas com a preservação do meio ambiente. Isso ocorre através da busca por tecnologias ambientalmente saudáveis, bem como da imposição ao poluidor da obrigação de recuperar o ambiente degradado, a exigência de estudos de impacto ambiental dos empreendimentos, etc. Este princípio, pela sua abrangência, se realiza através de outros princípios, como o da Prevenção.

Pelo princípio da Prevenção, deve-se a todo custo evitar a ocorrência do dano ao meio ambiente. A explicação de tal preocupação é evidente: os danos ambientais normalmente são irrecuperáveis. Uma vez ocorrido, dificilmente a natureza poderá retornar com perfeição ao estado em que se encontrava antes da degradação. O retorno ao status quo ante, em matéria ambiental, mais parece uma utopia. A morte de espécies da fauna e da flora, a degradação do solo, a poluição atmosférica, os danos à saúde da população, uma vez ocorridos, podem ser minimizados através de atitudes posteriores, mas jamais se poderá trazer de volta o que foi perdido. Pode-se tratar a ferida, mas as cicatrizes e os traumas por ela trazidos são perenes. Assim sendo, não se pode permitir qualquer tipo de exploração sem que se tenha a exata medida do dano que ela causará.

Nesse sentido, a constituição é clara em estabelecer as exigências necessárias à preservação ambiental:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - ...;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (grifamos)
V - ...;
VI - ...;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
§ 2º. Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. (grifamos)

§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

No caso que hora se discute, estes princípios constitucionais são de grande importância e fundamentais no desfecho da presente demanda, uma vez que a implantação da Mina de Capão Xavier os afronta diretamente.

Em primeiro lugar, porque não há certeza quanto aos efeitos que a implantação do empreendimento trará aos recursos hídricos, em especial no que diz respeito ao abastecimento de água da região metropolitana de Belo Horizonte. Não houve estudo prévio de impacto ambiental com a consistência necessária para viabilizar a previsão dos impactos a serem produzidos com o rebaixamento do nível piezométrico. Consta do parecer técnico da FEAM que os estudos são apenas preliminares, então como admitir o início da operação do empreendimento ?

Por outro lado, também não há informações suficientes quanto ao abastecimento público de água quando ocorrer a inundação da cava exaurida. Como justificar a doação da área minerada ao Poder Público ? Pode ser considerada medida de compensação de danos, algo incerto como a formação do lago que ainda passará aos cuidados do Poder Público ?

Ademais, os custos da recuperação ambiental da área degradada são altos e as medidas de compensação estão recaindo sobre áreas que já estariam, por disposição legal, protegidas pelo instituto da reserva legal.

A solução técnica para o fechamento da mina também merece críticas. É prática comum das mineradoras, talvez por terem iniciado suas atividades naquele período de descaso com o meio ambiente, deixarem a própria natureza se encarregar de sua recuperação. Assim, após a desativação das minas, deixam que as crateras cavadas para extração de minerais sejam tampadas pela água originada de lençóis subterrâneos. Pode-se chamar isto de recuperação ambiental ?

Se é inviável a restauração ambiental, nos termos do art. 2º, inciso XIV, da Lei 9.985/00, o órgão ambiental deve estabelecer medida compensatória que se aproxime ao máximo do equilíbrio entre o que foi subtraído e o que foi devolvido ao meio ambiente. O que não pode acontecer é o licenciamento de atividade degradadora com proposta de compensação que incida sobre áreas já protegidas legalmente. Na prática, ou não se estaria exigindo compensação ou inobservando as regras de proteção da reserva legal.

Diante de tantas incertezas, certo é que a composição por danos ambientais deve se realizar. Admitir que tais medidas se restrinjam a uma doação de área a ser feita daqui a vinte anos, sem que se tenha qualquer conhecimento sobre a real situação em que tal área se encontrará, é no mínimo absurdo ! Desvirtua-se a essência da medida compensatória.

Permitir a implantação de tal empreendimento, diante de todas essas incertezas, é uma afronta aos princípios de Direito Ambiental mencionados e uma ofensa direta à Constituição da República, que exige expressamente, das mineradoras, a recuperação da área explorada. Reitera-se, deixar que a natureza espontaneamente busque um novo ponto de equilíbrio, após a intervenção humana, não é recuperar a área, nos termos do art. 225, §2º, da Constituição da República.

Da mesma forma, não é admissível como composição de dano ambiental a doação de área que já deve ser protegida como de reserva legal. Por outro lado, não se pode avaliar qual o seu valor econômico na época em que a doação será realizada. Também não se pode assegurar a futura qualidade da água potável para a região, correndo-se o risco de que tal doação se torne apenas uma forma da empresa se livrar de eventual problema ambiental gerado pela exposição dos mananciais a riscos de contaminação.


2.3 – Da legislação Ambiental Estadual

Na legislação ambiental estadual há a clara preocupação de preservar as áreas de mananciais, em especial quando se tratar de água para abastecimento público.

O art. 4º da Lei nº 10.793/92, dispõe que:

“Art. 4º- Fica vedada a instalação, nas bacias de manan- ciais, dos seguintes projetos ou empreendimentos que comprometam os padrões mínimos de qualidade das águas: (grifamos)
...
II- atividade extrativa vegetal ou mineral;”

Como se pode perceber, as informações consideradas pelo órgão ambiental para licenciar o rebaixamento do nível piezométrico são apenas preliminares, não se podendo afirmar se haverá ou não comprometimento da qualidade das águas.

No que diz respeito à classe das águas que formarão o lago, o órgão ambiental expressamente admite uma redução de sua qualidade, deixando de ser classe especial e podendo vir a ser classe 2.

Quanto ao fenômeno da eutrofização, há informação expressa quanto a sua inevitabilidade, embora seus efeitos possam ser sentido após anos, a utilização dos recursos hídricos será eterna.

Por tudo isto, não é juridicamente possível autorizar um empreendimento que coloca em risco a qualidade das águas que se prestam ao abastecimento público.


2.4 Da improbidade Administrativa

a) da ausência de fiscalização quanto
à averbação da área de reserva legal

A autorização para a supressão de vegetação, sem a preocupação de preservar-se a área de reserva legal, como impõe o art. 16 da Lei Federal 4.771/65, constitui manifesto ato de improbidade administrativa.

Está expresso no art. 16 da referida lei que as florestas e outras formas de vegetação nativa “são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo...” um percentual previamente fixado e que deve ser averbado no registro imobiliário. Por expressa imposição legal, a averbação da reserva legal é condição da supressão vegetal.

Não observar o disposto no art. 16 da lei Federal nº 4.771/65 caracteriza improbidade administrativa, nos termos do art. 11, inciso I, da lei 8.429/92. Este último dispositivo legal possui a seguinte redação:

"Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

"I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

Com certeza, a autorização para a supressão vegetal que não observou a obrigação imposta legalmente de identificar e averbar a área de reserva legal caracteriza improbidade do funcionário público que a praticou. O réu Inácio Pereira Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas, não poderia ter autorizado a supressão de vegetação, nos processos nºs 0902549/2003 e 0902550/2003, cujas autorizações receberam os nºs. 071595 e 071596, respectivamente, sem certificar-se de que a supressão vegetal não afetaria a área de reserva legal. (fls. nº 227-228 do anexo síntese)


b) Da impossibilidade de supressão em
vegetação protetora de nascente

A conduta do sr. Inácio Pereira Garda Júnior, em autorizar a supressão de vegetação, nos processos nºs 0902549/2003 e 0902550/2003, cujas autorizações receberam os nºs 071595 e 071596, respectivamente (fls. nº 227-228 do anexo síntese), caracteriza improbidade administrativa ainda por outro motivo.

Como já foi mencionado, o Município de Belo Horizonte só possui imóvel no território de outro município devido ao interesse de proteger os mananciais existentes no local e que prestam-se ao abastecimento público de água para a capital mineira. Nos termos do art. 13, § 6º da Lei Estadual 14.309/2002 (fls. nº 292-316 do anexo síntese), a supressão de vegetação protetora de nascente só pode ser autorizada em caso de utilidade pública. O referido dispositivo legal está assim redigido:

“Art. 13 – A supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizado e motivado em procedimento administrativo próprio, quando não existir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
...
§ 3° – Para fins do que dispõe este artigo, considera-se: I – de utilidade pública: a) a atividade de segurança nacional e proteção sanitária; b) a obra essencial de infra-estrutura destinada a serviço público de transporte, saneamento ou energia; c) a obra, plano, atividade ou projeto assim definido na legislação federal ou estadual; (grifamos)
...
§ 6 – A supressão de vegetação nativa protetora de nascente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.” (grifamos)

A simples análise do texto legal faz perceber que o desenvolvimento de atividade privada de mineração não pode ser qualificado como de utilidade pública. A mineração produz lucros privados, para um grupo restrito de pessoas, e não autoriza a supressão de vegetação nativa protetora de nascentes.

A inobservância deste dispositivo legal também caracteriza improbidade administrativa, conforme o art. 11, inciso I, da Lei Federal 8.429/92.

c) da concessão de direito de uso sobre imóvel dominical
do Município de Belo Horizonte para uso particular

Os atos de improbidade administrativa, por violação de comando normativo, não param por aí. O Prefeito de Belo Horizonte, em ato datado do dia 20 de março de 2003, firmou termo de compromisso com a MBR, no qual consta as cláusulas 4.2.1 e 4.2.1.1 (fls. nº 253 do anexo síntese), com a seguinte redação:

“4.2.1 - O MUNICÍPIO autoriza a MBR a executar as obras de construção de uma estrada pavimentada, como servidão de passagem, nos termos dos artigo 59 e seguintes do Código de Mineração, descrita e caracterizada na planta constante do Anexo VI, que interligará a Mina da Mutuca e o imóvel de Capão Xavier, localizados no município de Nova Lima, MG, após o licenciamento ambiental dessa estrada pavimentada junto aos órgãos ambientais competentes.

4.2.1.1 – A referida estrada pavimentada será de uso temporário enquanto a MBR fizer uso para o escoamento de minério e estéril. Para tanto, após o término de sua utilização, a MBR deverá reabilitar ambientalmente a área abrangida pela estrada pavimentada no trecho localizado no imóvel de propriedade do MUNICÍPIO, incluindo a recomposição topográfica conforme situação original, bem como a revegetação do referido trecho, sem prejuízo de outras determinações impostas pela FEAM, para o licenciamento.”

O termo de compromisso possui natureza jurídica de concessão de direito real de uso de bem dominical.

Conforme o art. 99 do Código Civil, não há dúvidas de que o imóvel pertencente o Município de Belo Horizonte no território do Município de Nova Lima tem natureza de bem dominical. O referido dispositivo legal reza que:

“Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.” (grifamos)

O art. 99 do Novo Código Civil reproduz a mesma disposição do art. 66 do Antigo Código Civil. Com efeito, a noção de bem dominical continua a mesma desde o código de 1916.

Sobre a natureza jurídica do termo de compromisso firmado pelo sr. prefeito municipal, vale conferir a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:
“Concessão de direito real de uso, instituto previsto no art. 7º do Decreto-lei 271, de 28.2.67, é o contrato pelo qual a administração transfere, como direito real resolúvel, o uso remunerado ou gratuito de terreno público ou do espaço aéreo que o recobre, para que seja utilizado com fins específicos por tempo certo ou por prazo indeterminado.” (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 543)

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“A concessão de direito real de uso, outro instrumento de utilização de bem público dominical por particular, foi instituída pelos artigos 7º e 8º do Decreto-lei nº 271, de 28-2-67, que dispõe sobre o loteamento urbano, responsabilidade do loteador, concessão de uso do espaço aéreo e da outras providências.
...
Caracteriza-se por ser direito real resolúvel, que se constitui por instrumento público ou particular, ou por simples termo administrativo, sendo inscrito e cancelado em livro especial (art. 7º, § 1º); pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado; a sua finalidade só pode ser a que vem expressa no artigo 7º, caput, a saber: urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social; sua concretização depende de autorização legislativa e de concorrência pública; é transferível por ato intervivos ou causa mortis; é resolúvel, antes do termo se o concessionário der ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou termo, ou descumprir cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza.” (Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 572-573)

Desta forma, fica claro que a concessão de direito real de uso sobre bem dominial do município de Belo Horizonte somente poderia ter sido constituída após aprovação específica da Câmara Municipal, a teor do que dispõe o art. 84, inciso XXV, da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte (fls. nº 317-372 do anexo síntese), a saber:

“Art. 84 - Compete privativamente à Câmara Municipal:
...
XXV - aprovar, previamente, a alienação ou a concessão de bem imóvel público; (grifamos)”

Além de impor a aprovação prévia pela Câmara Municipal, a Lei Orgânica ainda dispõe em seu art. 38 e parágrafos que a utilização de bem patrimonial por terceiros deve ser sempre remunerada:

“Art. 38 - O uso especial de bem patrimonial do Município por terceiro será objeto, na forma da lei, de:

I - concessão, mediante contrato de direito público, remunerada ou gratuita, ou a título de direito real resolúvel;
II - permissão;
III - cessão;
IV - autorização.

§ 1º - O uso especial de bem patrimonial por terceiro será sempre a título precário, condicionado ao atendimento de condições previamente estabelecidas e submetido à aprovação de comissão a ser criada pelo Executivo.

§ 2º - O uso especial de bem patrimonial será remunerado e dependerá de licitação quando destinado a finalidade econômica. (grifamos)

§ 3º - O uso especial de bem patrimonial poderá ser gratuito quando se destinar a outras entidades de direito público, entidades assistenciais, religiosas, educacionais, esportivas, desde que verificado relevante interesse público.”

A inobservância destes dispositivos legais caracterizam improbidade administrativa. Além do já mencionado art. 11, inciso I, da Lei Federal 8.429/92, que se aplica perfeitamente à hipótese, a conduta do sr. prefeito municipal causou lesão ao erário, por não exigir remuneração pelo uso do bem imóvel, enquadrando-se na previsão do art. 10, inciso II, da referida lei:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
...
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;”

Cabe observar que os atos de improbidade administrativa não acarretam sanção apenas para o funcionário público, mas também para os beneficiários do ato improbo, nos termos do art. 3º da Lei 8.429/92. Desta forma, no que couber, as sanções do art. 12 devem recair também sobre a ré Minerações Brasileiras Reunidas.


3. SÍNTESE CONCLUSIVA

Considerando que a questão que envolve o empreendimento denominado Mina de Capão Xavier é bastante complexo, permitindo que pontos importantes possam ser ofuscados por outros não tão importantes, é conveniente fazer uma síntese conclusiva dos argumentos sustentados na presente ação civil pública. Tem-se, então, que:

1. O empreendimento afeta diretamente recursos hídricos, com o procedimento de rebaixamento de nível piezométrico (lençol freático), com repercussões diretas no abastecimento público de águas.

2. O estudo de impacto ambiental apresentado para fundamentar a licença de operação do empreendimento é apenas preliminar, carecendo de maiores informações para que seja possível prever detalhadamente os impactos produzidos pelo rebaixamento do nível piezométrico, sendo que tais dados somente poderão ser obtidos com o bombeamento prolongado. Não foi observado o disposto no art. 225, IV, da CF/88

3. O rebaixamento do nível piezométrico produzirá impactos ambientais relevantes na Barragem Principal de Fechos, talvez na Galeria de Fechos e possivelmente na águas circulantes pelo vertedor V1 da Estação elevatória de Fechos. Nos demais pontos de descarga relacionados aos aqüíferos profundos do Núcleo Sinclinal da Moeda e do Hemoclinal da Serra do Curral, os impactos podem vir a existir apesar de serem improváveis.

4. Se o estudo considerar a inexistência de comprometimento da qualidade das águas, ainda é necessário elaborar um detalhado (concreto) Plano de Gestão Hídrica, que incorpore medidas eficazes para limitar o alcance dos efeitos e repercussões do rebaixamento do nível de águas.

5. Este plano de Plano de Gestão Hídrica ainda não foi elaborado, posto que ainda não se sabe exatamente o que irá acontecer quando for promovido o rebaixamento do nível da água. O Plano de Gestão Hídrica depende das informações decorrentes dos testes de bombeamento prolongado que ainda não foram feitos.

6. Não se sabe quais residências do bairro Jardim Canadá terão seus poços afetados, pois tal informação depende dos dados obtidos com os testes de bombeamento prolongado que ainda não foram feitos.

7. O empreendedor pretende transferir ao Poder Público a obrigação de cuidar do recurso hídrico, após a exaustão da mina.

8. As características de inércia das águas do lago a ser formado após a exaustão da mina possibilitam o fenômeno da eutrofisação, o que foi mencionado no próprio EIA – Estudo de Impacto ambiental – como um evento de ocorrência inevitável, ao longo dos anos. Constatada a existência de risco à qualidade do recurso hídrico, a instalação do empreendimento é vedada pelo art. 4º da Lei Estadual nº 10. 793/92.

9. as águas que irão formar um lago na cava exaurida, após a desativação da mina, são classificadas na Classe Especial, conforme definido na Deliberação Normativa nº 20/97, nos trechos 38 e 42, do COPAM. No entanto, a previsão de classificação existente no EIA-RIMA para as águas do lago é a de enquadrá-las na classe 2. Está expresso textualmente no Estudo de Impacto Ambiental, no item nº 5 que trata da avaliação ambiental do lago da cava da Minas de Capão Xavier, a mudança de classificação das águas e isto é expressamente vedado pelo art. 4° da Lei Estadual nº 10.793/92.

10. Até o momento, não houve a averbação da área de reserva legal, conforme determina o art. 16 da Lei Federal nº 4.771/65 – Código Florestal, com a alteração determinada pela Medida Provisória nº 2.166/00, no imóvel rural em que se pretende desenvolver o empreendimento.

11. O ato do funcionário público que autorizou a supressão de vegetação para a implantação da estrada caracteriza improbidade administrativa, conforme os termos do art. 11, inciso I, da lei 8.429/92.

12. Não houve a autorização legislativa para concessão de direito real de uso sobre bem dominial do município de Belo Horizonte, a teor do que dispõe o art. 84, inciso XXV, da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, bem como não se fixou a remuneração por tal concessão, nos termos do artigo 38, §2º, da mesma Lei.

13. O ato do prefeito municipal de Belo Horizonte que firmou a concessão de uso do bem dominical sem autorização da Câmara Municipal e sem estabelecer remuneração para a utilização da estrada caracteriza improbidade administrativa, conforme os termos dos arts. 10, II, e 11, inciso I, da lei 8.429/92.

14. O parecer técnico que fundamenta a concessão da licença de operação do empreendimento menciona a necessidade de licenciamento futuro para o rebaixamento do nível piezométrico, mas o empreendimento foi concebido de forma a englobar a atividade de exploração mineral com o rebaixamento do nível piezométrico. Não se trata de nova fonte, mas de empreendimento único que já previa a atividade de rebaixamento. Não há amparo jurídico para o fracionamento do procedimento de licenciamento ambiental.

15. No certificado de Licença Ambiental de Operação n° 238, de 25 de março de 2004, e em seu anexo I que trata das condicionantes, não consta qualquer restrição para que o empreendimento promova o rebaixamento do nível piezométrico. Também não há qualquer condicionante que estabeleça medidas concretas para a garantia da qualidade das águas (consideradas de classe especial), do volume necessário para preservar o abastecimento durante o período de inundação da cava, para comprovar a prévia averbação da área de reserva legal no imóvel de propriedade do empreendedor, bem como sobre a contratação de seguro ambiental. Não houve a preocupação em garantir-se o abastecimento público de água potável no período de inundação da cava (15 anos).

16. Diante dos riscos constatados para a qualidade dos recursos hídricos e da forma como o empreendimento foi analisado pelo órgão ambiental, não é juridicamente possível permitir-se o início da atividade minerária.

17. A conduta do sr. Inácio Pereira Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas, ao autorizar a supressão de vegetação, nos processos nºs 0902549/2003 e 0902550/2003, cujas autorizações receberam os nºs. 071595 e 071596, respectivamente, sem verificar a averbação da reserva legal, imposta pelo art. 16, § 8º da Lei 4.771/65, bem como a proibição constante do art. 13, § 6º, da Lei Estadual nº 14.309/02, caracteriza improbidade administrativa, prevista no art. 11, inciso I, da Lei Federal 8.429/92.

18. A conduta do sr. Fernando Damata Pimentel, ao firmar concessão de direito real de uso sobre bem dominical do município de Belo Horizonte, sem prévia autorização legislativa e exigência de remuneração, violou os artigos 38 e 84 da Lei Orgânica Municipal, o que caracteriza improbidade administrativa, prevista nos artigos 10, inciso II, e 11, inciso I, da Lei federal 8.429/92.


4. DA TUTELA LIMINAR ESPECÍFICA

A efetividade da tutela dos interesses transindividuais exige a adoção de medidas capazes de assegurar a realização do direito.

A Lei nº 7347/85, que dispõe sobre a ação civil pública, já prevê no artigo 12 a possibilidade de concessão de liminares como forma de garantia dos direitos exercidos através daquele diploma legal.

O referido texto também remete ao Código de Defesa do Consumidor, determinando aplicação deste, no que tange aos aspectos processuais, para o exercício de direito coletivos latu sensu. É o que prevê o artigo 21, da Lei de Ação Civil Pública:

“Artigo 21 - Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Os pressupostos para a concessão da tutela liminar, quando a ação tem por objeto obrigação de fazer ou não fazer, estão previstos no § 3º do artigo 84 do CDC:

Art. 84. “Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.

(...)

§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.”

Rodolfo de Camargo Mancuso ensina, a propósito do § 3º ao art. 84 do CDC que:

"...aí se estabelece uma importante disposição: o justificado receio de ineficácia do provimento final' (que no processo cautelar aparece como o 'fundado receio' da irreparabilidade da lesão, caso a tutela seja apenas concedida a final - CPC, arts. 798 e 799) aparece, nesse § 3o do art. 84 do CDC como uma norma prevalentemente dirigida ao juiz: ele é que, ao seu prudente arbítrio, terá que aferir:

a) da relevância do fundamento da demanda; b) do justo temor de 'ineficácia do provimento final'. Presentes que sejam esses quesitos, lícito lhe será conceder a tutela liminar, tanto inaudita altera parte, quanto após prévia justificação. Esses poderes, de resto, já são assegurados ao juiz, no âmbito do chamado 'poder cautelar geral' (CPC, art. 789, c/c os arts. 797 e 804); mas o CDC achou relevante pôr em realce esse poder discricionário atribuído ao juiz, e que, efetivamente, é de enorme importância na tutela aos interesses metaindividuais, onde sobreleva a eficácia dos atos judiciais que visam impedir o dano ao consumidor ou ao menos circunscrever-lhe os efeitos nocivos." (Ação Civil Pública. São Paulo: RT, 1999, p. 125).

A necessidade de proteção ao meio ambiente é um direito do cidadão, previsto constitucionalmente entre os direitos fundamentais, art. 5º, inciso LXXIII e ainda no capítulo VI do Título VII.

Vale lembrar uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que :

“Questões relativas a interesse econômico cedem passo quando colidem com deterioração ao meio ambiente, se irreversível” (AGP 924/GO- Corte Especial – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro- 20.03.2000).

O receio do dano irreparável ou de difícil reparação também está presente, o que configura “justificado receio de ineficácia do provimento final”, vez que o impacto do empreendimento e relevante e pode causar sério comprometimento da qualidade dos recursos hídricos existentes no local. Não sendo tomadas atitudes imediatas, estar-se-á contribuindo para uma séria degradação do meio ambiente e da qualidade das pessoas que consomem água potável na região afetada pelo empreendimento.

Finalmente, na hipótese de serem os pedidos da presente ação ao final julgados improcedentes, poderão os réus ser indenizados pelos valores que eventualmente tenham despendidos em decorrência da antecipação dos efeitos da tutela.

Diante do exposto, requer, LIMINARMENTE, suspensão dos efeitos das licenças prévia, de instalação e de operação do empreendimento de explotação da Mina de “Capão Xavier, inclusive a Licença de Instalação concedida para estrada de ligação Mutuca-Capão Xavier, concedidas pelo COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental à Minerações Brasileiras Reunidas – MBR.

Também, presentes todos os requisitos para a concessão de tutela específica, requer:

Em face das Minerações Brasileiras Reunidas S/A – MBR, a imposição das seguintes medidas, sob pena de multa cominatória diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) :

1- não executar quaisquer atividades de mineração na área da denominada “Mina de Capão Xavier”, até que o órgão ambiental conceda novo licenciamento que analise todas as informações indispensáveis à previsão dos efeitos do rebaixamento do nível piezométrico;

2- promover a averbação da área de reserva legal no imóvel onde se pretende desenvolver a atividade minerária do empreendimento denominado “Mina de Capão Xavier”, no prazo de 60 (sessenta) dias.

Em face do Estado de Minas Gerais, por seu Conselho Estadual de Política Ambiental:

1- Expressamente não permitir a execução de quaisquer atividades de mineração na área da denominada “Mina de Capão Xavier”, até que novas licenças ambientais sejam concedidas;

2- Que na eventualidade de concessão de novas licenças ambientais para o empreendimento de explotação da Mina Capão Xavier, sejam estabelecidas medidas mitigadoras concretas e eficazes para todos os impactos que possam vir a ser produzidos, em especial quanto ao abastecimento público de águas, considerando todas as informações relativas aos efeitos do rebaixamento do nível piezométrico e comprovado cabalmente que o empreendimento não produzirá qualquer comprometimento para a qualidade e quantidade dos recursos hídricos existentes no local;


3- que, em hipótese alguma, seja licenciado o empreendimento denominado Mina de Capão Xavier sem que haja a certeza de que a Classe Especial dos recursos hídricos existentes na área de sua influência, conforme definido na Deliberação Normativa nº 20/97, nos trechos 38 e 42, do COPAM, será preservada, bem como que não seja licenciado projeto de fechamento da mina que permita a ocorrência de eutrofização, por imposição do art. 4º da Lei Estadual nº 10.793/92.

4- que não seja licenciado o empreendimento denominado “Mina de Capão Xavier” sem a análise detalhada de um plano de gestão de águas que garanta o não comprometimento dos níveis mínimos de qualidade (classe da água) e quantidade dos recursos hídricos hoje existentes na área de sua influência.


5- Não obstante a efetivação da doação da área em que se formará a Cava ao Município de Belo Horizonte (Gleba E), que não seja licenciado o empreendimento denominado “Mina de Capão Xavier” sem que o empreendedor fique expressamente obrigado a preservar a qualidade do recurso hídrico a ser incorporado ao lago formado na cava e na área de seu entorno após o exaurimento da mina, caso seja esta a solução técnica indicada pelo órgão ambiental competente para a recuperação da área, mantendo-se os recursos hídricos dentro da Classe Especial, conforme hoje é previsto na Deliberação Normativa nº 20/97, trechos 38 e 42, do COPAM.

6- que não seja licenciado o empreendimento denominado “Mina de Capão Xavier” sem que o empreendedor fique expressamente obrigado a comprovar, mediante certidão expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, a averbação da área de reserva legal referente ao imóvel em que se desenvolverá a atividade minerária.
7- que não seja licenciado o empreendimento denominado “Mina de Capão Xavier” sem a condição expressa de que o empreendedor fica obrigado a contratar um seguro para cobrir as despesas provenientes de eventual dano ambiental, durante todo o tempo de operação da mina e recuperação ambiental (nele incluindo eventuais problemas no abastecimento público e água potável).

8- que, no caso de eventual concessão de licença ambiental para o empreendimento “Mina do Capão Xavier”, no estabelecimento de medidas compensatórias, não seja admitida a doação de áreas já gravadas com o ônus da reserva legal, posto que estas, por determinação legal, já devem ser preservadas.

9- que não seja concedida licença de instalação para a utilização da estrada que liga a Mina de Capão Xavier à Mina da Mutuca, situada em imóvel pertencente ao Município de Belo Horizonte, até que a Câmara Municipal expressamente aprove a concessão de direito real de uso da mesma, com estabelecimento de valores para a remuneração.


5. DO PEDIDO

Após regular processamento da presente ação, obedecendo-se, inclusive, o que se prevê no § 7º do artigo 17 da Lei nº 8.429/92 quanto aos agentes públicos, requer o Ministério Público:

a) que seja tornada definitiva a antecipação de tutela com a DECLARAÇÃO DE NULIDADE das licenças prévia, de instalação e de operação do empreendimento de explotação da Mina de “Capão Xavier, inclusive a Licença de Instalação concedida para estrada de ligação Mutuca-Capão Xavier, concedidas pelo COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental à Minerações Brasileiras Reunidas – MBR;

b) que todos os pedidos formulados em tutela específica, deferida ou não, sejam julgados procedentes, condenando os réus nas obrigações neles contidos.

c) que sejam aplicadas aos agentes públicos e a empresa mineradora beneficiada pelos atos de improbidade administrativa as sanções previstas no art. 12 c/c art. 3º da lei 8.429/92, no que couber.

Protestando provar o alegado por todas as formas admitidas em Direito, mormente através de prova documental e testemunhal, pericial, atribui-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) para efeitos formais.

Indica como endereço o da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico e Cultural na Avenida Raja Gabaglia, n° 615, 2° andar, em Belo Horizonte, para fins de intimação pessoal dos signatários.

Feito isento de custas nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85.

Pede deferimento.

Belo Horizonte, 28 de maio de 2004.

Shirley Fenzi Bertão Fernando A N. Galvão da Rocha
Promotora de Justiça Promotor de Justiça


Gustavo Mansur Balsamão Rodrigo Cançado Anaya Rojas
Promotor de Justiça Promotor de Justiça


José Maria dos Santos Júnior
Promotor de Justiça