Dia 06 de agosto de 2004, houve uma Audiência Pública
na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, promovida pelas Comissões
de Meio Ambiente e de Direitos Humanos, para que o Sr. Jean Pierre Leroy, Relator
Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, das Organizações
das Nações Unidas – ONU -, ouvisse depoimentos de cerca
de 30 pessoas, representantes da sociedade civil organizada, de diversas comunidades
de Minas Gerais, que estão sofrendo na péle as conseqüências
dramáticas da monocultura do Eucalipto, das minerações
e das Barragens. A audiência durou 5,5 horas. Em vários momentos
o povo que participava chorou convulsivamente, comovido e indignado com as denúncias
que foram colocadas à luz do sol. Abaixo, segue, uma síntese das
53 páginas taquigrafadas.
Sr. Presidente (Deputado Durval Ângelo):
A finalidade desta Audiência Pública é ouvir o Sr. Jean-Pierre
Leroy, Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, das Organizações
das Nações Unidas – ONU -, que abordará as violações
ao Direito Humano ao Meio Ambiente, a partir de situações de injustiça
ambiental no Estado de Minas Gerais.
A realização dessa Audiência foi a requerimento da presidência
da Comissão de Direitos Humanos, Deputada Maria José Haueisen,
do Presidente da Comissão de Direitos Humanos e dos Deputados: Padre
João e Rogério Correia.
Sempre tentamos dar uma visão mais ampla dos direitos humanos e, dentro
desses, com toda a certeza, o direito ao meio ambiente equilibrado, como estabelece
a Constituição Federal. E, mesmo também, levantar a questão
dos direitos fundamentais e essenciais, como o direito à terra. Nessa
Comissão Conjunta, fizemos várias discussões sobre a questão
da violação da terra, sobre o Movimento dos Atingidos por Barragens,
constantemente provocados por grandes interesses econômicos em nome de
um pseudoprogresso.
Sr. Jean-Pierre Leroy:
O Brasil assinou uma Convenção Internacional, um acordo, dizendo
que respeitaria os Direitos Humanos: o direito à vida, à liberdade,
à opinião, o direito político e civil. Mas com relação
ao direito à vida, de que ela adianta, se não tenho possibilidade
de dar alimentação à minha família, se não
tenho terra, saúde e educação?
Foi um novo momento em que os países, notadamente na América,
na OEA, assinaram a Convenção dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais, que reconhece que todos deveriam ter acesso à alimentação,
à moradia, à educação e ao meio ambiente. Com a
parceria do governo, da ONU e da sociedade civil, foram elaborados relatórios
sobre alimentação, terra rural, água, moradia, educação,
saúde, trabalho, meio ambiente, etc. Sou Relator de Direitos Humanos
ao Meio Ambiente. É importante salientar que no relatório não
apresentarei apenas queixas. Apontaremos alternativas para as próprias
organizações e para as vítimas. A finalidade primeira não
é apresentá-lo a ONU, mas discuti-lo, aqui, no Brasil.
Direitos Humanos ao meio ambiente é novidade. Estou vindo do Norte de
Minas e lá essa ligação, entre direitos humanos e meio
ambiente, é muito clara. A população que sobrevive do meio
ambiente, que está integrada a ele, tanto pela produção
quanto pelo extrativismo, criou uma relação consolidada e sustentável
com o meio ambiente. Elas têm uma participação extremamente
importante para o futuro, pois mantêm a biodiversidade e conservam as
águas e, após a minha visita, ficou claro que são produtoras
de água. Uma indústria de eucaliptos é consumidora de água.
O pequeno produtor, os geraizeiros, como são chamados, pela forma como
manejam os recursos, fazem com que a água brote, são produtores
de água. Portanto, o direito humano ao meio ambiente, o direito dessas
populações a continuarem produzindo, melhorando sempre é,
também, um direito que se estende a outras comunidades, outras regiões,
para o futuro. Elas estão defendendo não só seus direitos
mas, também, os direitos de outras regiões do Brasil e o direito
de gerações futuras na beira dos rios e nas capitais a terem água,
biodiversidade e um clima que possa garantir a sobrevivência ao conjunto
da população.
Estive em Curvelo com minha equipe. Ficamos chocados com o que vimos: a comunidade
prensada pela monocultura, totalmente privada de água, portanto, impossibilitada
de produzir...
Estivemos em Rio Pardo, na comunidade de Vereda Funda. Há 25 anos chegou
lá uma empresa falando de redenção, de plantação,
dizendo que tudo seria uma maravilha. Como a Chapada é coletiva, avançou
tanto em direção à vereda que estrangulou a comunidade
que mantinha perfeita integração entre a produção
e o extrativismo. A empresa – AGROMINAS -, já terminou seu ciclo
de 23 anos. Agora, quer dizer que é dona porque obteve uma concessão
do Estado por 23 anos. E os que moram lá?
Novamente, temos uma forma de interpretação da legislação
e, sobretudo, o rolo compressor do ideário do desenvolvimento, que vai
dizer que uma empresa que produz menos empregos que o conjunto das famílias
do lugar tem precedência. Que tipo de desenvolvimento oferece e para quem?
Estivemos em Cristália para encontrar um grupo de mais ou menos de 80
a 100 atingidos de vários municípios pela Barragem de Irapé.
Ficamos chocados pelo modo como são tratados. Há 12 anos que está
em curso, que se prepara a barragem de Irapé e só há 2
anos que se começou a pensar que tem gente! É uma inversão
absoluta de valores. É um tremendo erro político e também
econômico. Estou descrente com a situação. Poderia dar detalhes,
há gente passando fome, vivendo misérias, sendo esmagada, mas
não são coitados. O que vi foi gente com uma grande dignidade.
Direito não é se queixar, não é gemer, mas dizer
que se considera um cidadão e que a sua vida é uma luta por cidadania.
Vi, também, projetos de produção dando certo - colocaremos
esses dados no Relatório -, por exemplo, o que mostra a exploração
de pequi com a agroindústria e a comercialização, na realidade,
rende mais que o eucalipto. Faz todo sentido para a economia de Minas e para
a economia do país, manter o agroextrativismo, o pequeno produtor bem
inserido no ecossistema.
Agora vamos convidar as pessoas dos lugares que visitamos para fazerem seus
depoimentos:
O Sr. Denervaldo Fernando Lima:
Venho da região do Norte de Minas, do Quilombo Gorotuba. O Quilombo tem
aproximadamente 5000 pessoas. Estamos praticamente abandonados. Estamos impedidos
de nos locomover por falta de estradas. E temos outro problema, muito sério,
que é a questão da moradia. Essa região era do nosso povo,
os negros gorotubanos mas, hoje, 97% dessas terras estão nas mãos
de fazendeiros e, possivelmente, foram compradas das mãos de grileiros.
Foram cercadas e não produzem nada e não dão serviço
pra ninguém. Assim, o nosso povo ficou encurralado, não tem acesso
às águas, já que ficam dentro das grandes fazendas. Fazendeiros
e políticos estão aliados.
A Sra. Grace Borges dos Reis – Sindicato dos Trabalhadores
Rurais:
Estamos cercados pela monocultura de eucalipto. Na minha comunidade há
a presença das companhias MANNESMANN, V&M e PLANTAR. Temos muitos
problemas com plantios irregulares, quase dentro dos córregos, quase
dentro das nascentes. Não estamos tendo água para mais nada. As
comunidades locais estão tendo que furar poços artesianos e pagar
mensalidade para ter água em casa. Nossa comunidade não tem como
plantar. Além da falta d`água, ainda, temos que conviver com o
uso exagerado de agrotóxico. Os peixes e os animais estão morrendo.
A mega-empresa PLANTAR patrocina quase todos os eventos da cidade: reforma APAEs,
creches, escolas e igrejas. Assim cala a boca do Poder Público e de grande
parte do povo. Os pequenos proprietários estão sendo forçados
a vender suas terras para as empresas do eucalipto e partem parar tentar sobreviver
nas periferias das cidades. Depois voltam, de ônibus, para trabalhar na
mega-empresa por um salário mínimo e uma cesta básica.
De pequenos proprietários está sendo reduzidos a bóias-frias.
O Sr. Elmy Pereira Soares:
O que estamos vivendo, hoje, é muito difícil. Mas vou tentar dizer
como está a situação das pessoas que vivem no Norte de
Minas, na microregional do alto Rio Pardo,Vereda Funda e a situação
dos municípios atingidos pelo eucalipto. As famílias ficaram,
praticamente, nas grotas com o rio e os morros. Rio Pardo de Minas, hoje, tem
16 mil pessoas. Antes do plantio tinha 6 mil. Todos morando em barracos, sem
luz elétrica e sem água. Muitas crianças da zona rural
estão na prostituição. Ficamos preocupados, também,
porque algumas comunidades estão tendo conflito com os empreiteiros.
Depois de 25 anos a miséria é maior. Onde era plantado o arroz
não dá mais nada, nem mandioca. Secou tudo. Houve uma Ação
Civil Pública contra a empresa (?). O Promotor xingou o pessoal em vez
de ouvi-los. Há ameaça aos posseiros que pararam com a produção
de carvão à força, mas a firma(?) construiu outra carvoaria,
em outro local. Nossa situação é a seguinte: vamos enfrentar
a firma e defender nosso território ou teremos que sair de lá.
O BLOCO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS
O SR. Sebastião Pereira de Souza:
Sou de Botumirim e represento os municípios atingidos pela Barragem de
Irapé.
Que todos saibam que nossos direitos são negados e desrespeitados quando
se constroem barragens nesse país. Tínhamos grande confiança
no Ministério Público Federal. Pedimos, então, que se cumpra,
de fato, o acordo que foi elaborado pelo Ministério Público e
pela CEMIG e descumprido pela Barrragem.
A Sra. Marta Caetana do Espírito Santo:
Sou da Barragem PHC Fumaça, construída pela ALCAN ALUMÍNIO
DO BRASIL .
Sofremos grande pressão. Ora! Somos trabalhadores rurais, nascidos e
criados num cantinho que achávamos que era só nosso e sobrevivemos
da terra, de onde tiramos sustento para nós e para nossos filhos. De
repente, chegou uma empresa multinacional e mudou completamente a vida dos trabalhadores.
O Movimento dos Atingidos por Barragem avisou aos trabalhadores que tinham direito
a terra... Houve impasse entre os trabalhadores e a empresa. Passaram a processar
os trabalhadores rurais. A ALCAN tinha que cumprir a condicionante de realizar
o reassentamento três meses antes do reservatório encher. A PHC
Fumaça está cheia a 1 ano e 4 meses e rola muito dinheiro em cima
disso. Peço à Comissão de Direitos Humanos que faça
um levantamento nas PHCs.
. Nosso governador AÉCIO NEVES mandou, dia três de maio, uma força
policial à Zona da Mata, em Candonga, e 192 policiais manobraram armas
na cabeça de crianças e idosos.
A Sra. Wanderli Alves dos Reis - Barragem do Pilar:
Barragem, não! Águas para a vida, sim!
Somos ameaçados pelo projeto Pilar que foi indeferido desde 1999. Se
essa barragem tivesse sido concluída, 120 famílias teriam suas
terras inundadas e talvez estivessem na mesma situação das famílias
de Fumaça ou talvez pior. Naquela época, não conhecíamos
nossos direitos. Conhecemos e não temos mais medo de correr atrás
dos nossos direitos, de vir aqui falar e denunciar. Temos muitos processos.
Desde de 1995 temos esse problema.
No ano passado a ALCAN voltou à nossa comunidade querendo construir outro
projeto de barragem que atingiria mais ou menos 100 famílias. Ficamos
45 dias acampados na beira do rio para não deixar que a empresa fizesse
a sondagem e a análise da rocha, que é o primeiro estudo de viabilidade.
Infelizmente, os fazendeiros aceitam o projeto. O povo é que sofre, pois
é massacrado, alagado e entupido de água.
Vamos perder o medo da empresa e nos unir...Se esperarmos pela nossa justiça
ficaremos sem terra, sem água, sem alimento, sem vida, sem nada.
Sr. Leonardo Pereira Rezende:
Sou assessor jurídico da NACAB que é uma ONG e presto assessoria
às comunidades de atingidos por barragens. Os projetos de barragens,
constantemente, e cada vez mais, vêm causando violações
aos direitos essenciais da pessoa humana. Temos algumas preocupações
específicas sobre a construção de barragens hidrelétricas
e sobre algumas decisões de liberar a operação dos empreendimentos,
sem a resolução de todos os impactos sócio-ambientais.
Essa é a preocupação constante da NACAB que está
cansada de debater, administrativamente, e tem recorrido às ações
judiciais.
O Sr. Edney José de Oliveira Pego:
Sou do Vale do Jequitinhonha, membro da Comissão de Atingidos por Barragem.
O projeto Murta está causando muitos problemas. Estamos indignados porque
a empresa fez estudos de péssima qualidade, não registrando sequer
50% da população que está ameaçada por esse projeto.
Em função desses estudos superficiais de má qualidade,
a equipe técnica da FEAM não conseguiu elaborar seu parecer. Optou
pelo indeferimento e pelo arquivamento do processo.
Estamos sendo muito pressionados pela Polícia Militar. Em menos de 20
anos, mais de 36 mil famílias abandonaram o Vale do Jequitinhonha por
causa da falta d`´agua causada pelas plantações de eucalipto.
Os rios haviam secado. As famílias foram para várias cidades,
onde não tinham condições dignas de vida. O alto índice
de marginalização de jovens pode ter sido causado por esse problema.
Como os estudos feitos pela empresa foram superficiais, a FEAM fez outro pedido
de licença pública. Fizemos um parecer técnico juntamente
com o Grupo de Estudo e Temática Ambiental- GESTA- da UFMG, que nos assessora
tecnicamente. Elaboramos também uma pauta de desenvolvimento sustentável
para o Vale do Jequitinhonha, com o objetivo de atender as famílias do
Vale, tendo o cuidado de preservar o ambiente.
A Sra. Terezinha de Fátima Ferreira Souto:
Sou advogada e oriunda da região norte de Minas. Resido em Uberlândia.
O projeto de construção de 2 usinas - Capim Branco I e II –
é de um grupo de empresas, entre elas, a Vale do Rio Doce. Tentei descobrir
se essas empresas haviam sido condenadas por algum crime ambiental, para discutir
até mesmo a relação de contrato com o Estado, uma vez que,
quem pratica crime ambiental não pode negociar ou celebrar contratos
com o Estado.. Descobri que, por mais que essas empresas plantem eucaliptos
em encostas e morros, não foram processadas ou condenadas por qualquer
crime ambiental. Isso significa que, tanto o Ministério Público
Federal quanto o Estadual, são inoperantes e que as Câmaras de
Vereadores, as Assembléias Legislativas, o Congresso Nacional não
estão exercendo o controle externo do Estado e que está sendo
entregue nas mãos de uma quadrilha que usa nossos recursos, explora nossa
capacidade de trabalho e usurpa todo o patrimônio natural.
Outra coisa, é o que foi apresentado para o Estado de Minas Gerais como
sendo um estudo prévio de impacto ambiental, que é uma farsa,
com a conivência de muitas pessoas do COPAM.
Outra questão que gostaria de destacar é o que me aconteceu, durante
a minha tentativa de convencer as pessoas de que aquilo é um absurdo...
Ora, no meio dessa história, entraram em minha casa e levaram o meu computador
onde havia armazenado toda a pesquisa sobre o complexo Capim Branco.
A Sra. Eva do Carmo Assis Caetano:
Sou de Raul Soares, de Bicuíba, pertenço à área
da represa Emboque.
Viemos falar um pouco do sentimento do povo. Até hoje, sofremos como
atingidos! Não temos muito o que dizer porque não temos conhecimento.
Só de DEUS !
O Sr. Paulo Henrique Viana:
Sou do município de Pedra do Anta.
Vim fazer uma denúncia contra a empresa CATAGUASES-LEOPOLDINA que, há
10 anos, fez um projeto contra o qual lutamos e acabamos sendo vitoriosos. Há
2 anos, no entanto, resolveu mudar o eixo da barragem. A inundação,
então, será a mesma ou talvez pior. São mais de 245 propriedades
e eles alegam que serão, somente, 20.
A Sra. Sônia Maria Oliveira Loschi:
Sou agente da CPT e membro da direção nacional do Movimento dos
atingidos por Barragem
Em Minas Gerais são 104 projetos listados até hoje. Esses projetos
inundam 265.000 ha de terras férteis... E, pelo levantamento das empresas,
tiram dali 13 mil pessoas e acaba com 65 rios que, de certa forma, já
estão depredados e ficarão ainda mais com a construção.
Os trabalhadores organizam-se para apresentar suas reivindicações
e sofrem pressões, que, ultimamente, têm sido de dois níveis:
capatazes contratados pela empresa, que andam armados pela comunidade e sentem-se
donos delas e os policiais. A violência está aumentando na região
e tenho a certeza d
e que aumentará mais pois continuaremos lutando. Mas a responsabilidade,
por qualquer coisa que acontecer lá, é do Estado e não,
somente, da empresa, porque está conivente com ela.
A Sra. Margarida Danta:
Sou de Caxambu, sul de Minas e represento o Fórum das ONGs do Circuito
das Águas do Sul de Minas- FOCAS
A nossa preocupação é com as águas minerais, que
são um Dom de Deus. Estamos nos sentindo ameaçados porque já
temos o exemplo do município de São Lourenço, onde a NESTLÉ
tomou conta do Parque, da empresa e onde duas fontes já secaram por superexploração.
O relatório do impacto ambiental é feito depois que a obra está
pronta. O patrimônio mineral nosso, que é a água mineral,
encontra-se, hoje, ameaçado pela ganância de poucos, pelo interesse
de poucos e pelo descaso de muitos, incluindo nesse descaso, o Estado.
O Sr. Eduardo Antônio Arantes do Nascimento:
Sou assessor da FETAEMG
É inegável a relevância das denúncias que estão
sendo feitas. Elas são antigas. E a falta de adoção de
providências, inclusive por parte da Assembléia Legislativa, cansa-nos.
A FETAEMG tem a honra de ter assento no COPAM e eu, aliás, acho, sem
demérito, que o COPAM, no limite, cumpre a legislação e
quando não é de extrema tolerância. É preciso ter
claro que, em nome do desenvolvimento, não podemos aceitar que os direitos
dos trabalhadores, das populações e o caminho do desenvolvimento
deste país sejam submetidos a interesses privados. E, também,
uma segunda questão é que o licenciamento ambiental não
pode ser entendido como um obstáculo a ser superado. Ele tem que ser
entendido como um compromisso de visão de desenvolvimento.
MOVIMENTO CAPÃO XAVIER
O Sr. Ricardo Santiago:
Sou engenheiro civil, cidadão de Belo Horizonte. Tenho uma Ação
Popular contra o Governo do Estado e contra as MINERAÇÕES BRASILEIRAS
REUNIDAS – MBR –, e lamento não ter colocado, também,
em juízo a CIA. VALE DO RIO DOCE, mas vou colocar.
Capão Xavier é o nome adotado por uma mineração
que fica a 10 km do centro de Belo Horizonte e está situada, exatamente,
em cima de quatro mananciais que abastecem a cidade de Belo Horizonte que tem
4 milhões de habitantes na sua região metropolitana. Estas águas
são responsáveis por 9% do abastecimento desta cidade. A mina
está em cima das nascentes.
Estão sendo feridos direitos humanos, especificamente quanto, ao meio
ambiente pela ação inescrupulosa das mineradoras e da MBR, coligada
da Cia . Vale do Rio Doce, acobertada pelas licenças ambientais indevidas
e ilegais que lhes vêm sendo concedidas pelo Governo de Minas Gerais e
seus órgãos ambientais.
O artigo 225 da Constituição Brasileira determina que todos têm
direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
saúde e à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
É flagrante o desrespeito à lei pelo projeto de mineração
de Capão Xavier, desenvolvido e explorado pela MBR.
O estudo dos impactos ambientais é claro, não tem sofismas, aponta
para a redução da vazão natural das águas desses
mananciais em torno de 40%. Além disso, no futuro, será deixado
um legado com a construção de um lago de profundidade de 140 mts
em águas tropicais. Não há outro exemplo no mundo. Serão
desenvolvidos fenômenos impressionantes: como a formação
de gases de odor repugnante e, ainda, a eutrofização, pior mecanismo
que pode atingir a qualidade de uma água, tornando-a pútrida e
infecta, praticamente sem possibilidade de tratamento químico. Achando
isso pouco, a atividade minerária de Capão Xavier matará
e extinguirá do planeta um microcrustáceo chamado branquiópolo,
que tem 500 milhões de anos de existência. Por incrível
coincidência, ele só existe ali segundo relatórios de estudos
ambientais. Desgraçadamente, a mineração destrói,
de forma definitiva, cavernas e sítios arqueológicos brasileiros
como demonstrou os estudos do EIA- RIMA e dos Institutos de Patrimônio
Histórico e Artístico Estadual e Nacional que, também,
são objetos de ação judicial impetrada por dois deputados.
Peço ao Sr. Jean- Pierre que leve à ONU uma denúncia formal
contra o Poder Executivo do Estado de Minas Gerais e seus órgãos
de administração ambiental- COPAM, FEAM, IGAM, IEF- que, sem dúvida,
estão mancomunados com a atividade minerária e com as grandes
empresas que tratam do assunto.
A Sra. Delze dos Santos Laureano:
Sou advogada do Movimento Capão Xavier Vivo e professora universitária.
Quanto ao movimento Capão Xavier, abordarei, apenas, o aspecto jurídico.
A sociedade civil está fazendo a sua parte. Não há dúvida:
onde está o Estado brasileiro?
Onde está o aparato estatal? Parece que os nossos representantes e os
órgãos ambientais COPAM, FEAM e IEF são os nossos maiores
inimigos.
A sociedade civil tem que se organizar e cobrar uma postura séria de
compromisso do Poder Judiciário. Também, fui intimidada pela MBR
quando uma assessora de comunicação disse que levaria o meu nome
para o Conselho de Ética da OAB. O Estado não é só
do governo e muito menos de multinacional. É de toda sociedade brasileira.
O Sr. Antônio Luís da Silva:
Sou da tribo Caxixó, de Minas Gerais.
Quero denunciar o desmatamento que está ocorrendo na reserva próxima
à nossa. Estão acabando com o cerrado e com as frutas para plantar
eucalipto. Fica nas margens do córrego que secou. Há 15 anos,
tinha muita água. Não se vê mais uma gota d`água
salvo na época das chuvas. Dentro dessa reserva tinha um cemitério
indígena. Tudo foi derrubado.
O Cacique Bayara:
Sou da tribo Pataxó e coordenador do Conselho dos Povos Indígenas
do Estado de Minas Gerais.
Nós, povo indígena, sabemos que o grande meio ambiente e a água
são a nossa vida e a nossa mãe. Por isso, são tratados
com carinho e com respeito.
Já denunciamos ao deputado Ronaldo( ? ) , do meio ambiente, que tem nosso
relatório em mãos. Também ao IBAMA e à prefeitura
mas, até hoje, não foi feito nada para os povos indígenas.
Tirávamos 8 mil quilos de mel por ano, hoje não tiramos nem 1/3.
Muitos animais foram mortos. Quase 45 espécies desapareceram.
O Sr. José Coelho da Silva
Sou membro da Coordenação Regional Indigenista Missionária,
um organismo, ligado à CNBB, de apoio à luta dos povos indígenas.
Um problema básico dos povos indígenas, direito constitucional
muito desrespeitado, é o direito à terra.
Outro problema é a situação de uma barragem na área
do povo Xacriabá, no norte de Minas. Essa barragem foi construída
desapropriando famílias indígenas que plantavam nas vazantes do
riacho e, hoje, não têm onde plantar. É uma região
extremamente seca, está inserida no semi-árido brasileiro. A barragem,
hoje, fornece pequena quantidade de água. Está assoreada e tem
uma vazão muito pequena. Essa água está apodrecendo, não
serve pra mais nada, nem para a irrigação, pois o povo não
tem recursos.
O Sr. Luciano Di Fanti
Sou da Comissão Pastoral da Terra – CPT
A CPT endossa todas essas denúncias. Lembraremos, aqui, outro aspecto
importante: o AGRONEGÓCIO. Estamos assistindo, todos os dias, as conseqüências
nefastas para o povo com a expulsão, perda da terra e com a proibição
de morar nela, o que chamam de agronegócio.
A Reforma Agrária não está sendo realizada. Em Minas Gerais
há 18 mil famílias acampadas, ao relento, sem garantia nenhuma,
sem oferecer e dar terra para eles exercerem seu direito natural de plantar,
viver. Além disso, existe a criminalização do movimento
das famílias que lutam por um pedaço de chão, a criminalização
dos Sem-Terra. Vários dirigentes são denunciados por formação
de quadrilha. Crime faz-se escondido. Os sem-terra ocupam e retomam a terra,
que é de Deus, que é do povo, à luz do dia, sem nenhuma
ação clandestina.
Os casos de violência são inúmeros. A cada dia pessoas são
baleadas. O governador Aécio Neves fez pacto com o sindicato rural de
Janaúba para criar uma patrulha rural. Isso é sacralizar e consagrar
as milícias armadas, tornando-as oficiais e em sintonia com a Polícia
Militar. Os fazendeiros oferecem Toyotas e as armas para a patrulha, o governo,
por sua vez, paga os salários. Além disso, é importante
que se diga que o Governo quer acabar com a Vara Agrária. Estamos, portanto,
numa situação bastante trágica.
A Sra Andréa Zhouri.
Sou coordenadora do Grupo de Estudos e Temáticas Ambientais – GESTA
– da UFMG.
Estamos, como foi denunciado aqui pela maioria, com um grande problema em nível
estadual, com o desmonte das instituições dos órgãos
ambientais aqui no nosso Estado, por meio de uma sistemática denúncia
e de uma campanha na mídia sobre o licenciamento ambiental como um entrave
ao desenvolvimento. Isso ocorre, mesmo, no nível federal. Faço
uma denúncia muito grave. Esse sucateamento do licenciamento está
prestes a se tornar lei. Um deputado dessa Casa, JAIRO LESSA, pretende consagrar
o fim do licenciamento, ou seja, o fim da FEAM. Isso é acabar com toda
a parte técnica do sistema ambiental. Isso é um absurdo, pois
os projetos aqui relatados demandam amplos estudos, por parte de uma equipe
interdisciplinar, antes de serem aprovados.
Sr. Franklin Daniel Rhmaotn:
Sou da Universidade Federal de Viçosa – UFV -, coordenador do projeto
de assessoria às comunidades atingidas por barragens, principalmente,
na região do Alto Vale do Rio Doce. Estou falando não como representante
da UFV, mas como membro da ONG NACAB, que vem assessorando os atingidos por
barragens.
Sob o argumento da necessidade de geração de energia para subsidiar
o crescimento econômico, os governos Federal e Estadual estão propondo
medidas que poderão atropelar todo um processo de participação
popular nos licenciamentos ambientais..
É preciso haver mobilização popular e dos órgãos
públicos para garantir essas conquistas na participação,
caso contrário, voltaremos à mesma situação de 20,
30 anos atrás.
O Sr. Klemens Lasch:
Sou pesquisador visitante na UFMG, faço parte do GESTA
Vou falar sobre o eucalipto, o qual, quero que seja considerado AGRONEGÓCIO.
O eucalipto, a soja, o algodão ou qualquer outro tipo de monocultura
causa o mesmo problema. É o sistema de uso da terra que está em
questão. Denuncio que todas as políticas públicas estão
baseadas em dados científicos errados.
O Sr. Afrânio José Fonseca Nardi:
Sou assessor do Ministério Público Federal, da Procuradoria da
República do Estado de Minas Gerais.
Diante de todos os relatos e do objetivo dessa audiência resta-me falar
que, nos diversos procedimentos investigatórios e nas ações
propostas pelo MPF, encontramos corroboração das denúncias
apresentadas. Coloco à disposição, do Sr. Relator da ONU,
todos esses elementos de informação que comprovam as violações
dos direitos humanos e, principalmente, do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, ao bem- estar da população encontrados
na atuação do MPF.
O Sr. Alexandre Magrini dos Reis:
Sou um dos assessores da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Há necessidade de manutenção dos órgãos ambientais
como parte da estrutura de política de meio ambiente do país.
Esses órgãos são necessários para a existência
do processo democrático de discussão.
O Sr. Morel Queiróz da Costa Ribeiro:
Sou técnico da FEAM e parece-me, Sr. Jean-Pierre, que o testemunho de
quase todos os atingidos por barragens dão prova de que a FEAM tem muito
a dizer. Talvez seja o caso da instituição ser ouvida. O procedimento
de licenciamento é uma ferramenta fundamental para o Estado. Esse procedimento
é administrativo mas tem força e poder de instrumento de planejamento
para que as tomadas de decisão assegurem, efetivamente, o direito das
pessoas atingidas. O licenciamento não é obstáculo à
construção de usinas hidrelétricas, ao desenvolvimento,
pelo contrário, é garantia, salvaguarda, de uma energia que pode,
de fato, ser limpa.
O Frei Gilvander Luís Moreira:
Parabenizo todos, na pessoa de Wanderli Alves dos Reis que deve ter uns 20 anos,
pela coragem de estar nessa luta. É com essa coragem e audácia
que continuaremos a luta, contando com a fé em Deus, conforme revelou
Dona Maria. Deus vibra de alegria nos nossos corações pois é
dessa luta que Ele quer participar.
Prezado Jean-Pierre, o nosso Estado se chama Minas Gerais, mas poderia se chamar
Águas Gerais, porque minas de água e de minério é
o que mais temos aqui. Minas Gerais é considerada a caixa d`água
do Brasil e temos 70% da mineração do país. Se não
mudarmos nossa rota de desenvolvimento, se não forem acolhidos os clamores,
as reivindicações e as denúncias dos atingidos por barragens,
por minerações e pelas monoculturas, principalmente a de eucalipto,
o nosso Estado poderá mudar de nome. Poderá ser chamado de Crateras
Gerais, ou Desertos Gerais ou Cemitérios Gerais. Cemitérios de
nascentes, de córregos, de veredas, de rios e de povos.
Apontamos aqui rastros da devastação das garras de um grande dragão.
Apontamos alguns nomes: Companhia Vale do Rio Doce, MBR, ALCAN, PLANTAR, Cataguases-Leopoldina,
NESTLÉ, CENIBRA, AGROMINAS, CEMIG e tantos outros. Citamos alguns comparsas
desse processo. O Estado é conivente com essa situação
como, também, o Judiciário e o Executivo por meio da FEAM, do
COPAM, etc. Um dos nossos grandes inimigos é o AGRONEGÓCIO. Não
podemos nos entusiasmar com sua fachada bonita com a propaganda de que o agronegócio
está alavancando as exportações. Está também
causando a maior depredação ambiental de toda a história
do Brasil. Temos que perceber o grande conluio que há entre o AGRONEGÓCIO,
o LATIFÚNDIO, os PROJETOS DE DEVASTAÇÃO, a MINERAÇÃO
DEPREDADORA e o TRABALHO ESCRAVO.
O grande dragão que devemos combater chama-se CAPITALISMO- neoliberalismo
político, religioso e econômico, as multinacionais, a tecnocracia,
o tecnicismo e o endeusamento da técnica.
Está na hora de continuarmos aprendendo a lição do MST.
Vamos continuar na luta com todas as mobilizações, pressionando
os poderes públicos. Além disso, continuaremos a organizar o povo
para lutas concretas. Estou entrevendo que, se a atual escalada de devastação
ecológica continuar, daqui a pouco, o povo, de forma organizada, com
bom planejamento, em mutirões, começará a cortar as plantações
de eucalipto, a queimar lavouras de eucalipto e montar barreiras nas rodovias
de MG para bloquear a passagem dos caminhões de carvão e impedir
que eles alimentem as caldeiras das mineradoras. Temos que colocar um ponto
final neste ciclo altamente destruidor.
Continuaremos com a convicção de que o Deus da Vida e da Esperança
está conosco. É, assim, que estaremos ensaiando a construção
de um mundo mais justo e mais irmão.
O Sr. Luís Chaves:
Sou representante do ITER – órgão do Governo do Estado responsável
pela gestão das terras públicas e devolutas.
Infelizmente, as ações do Estado vêm com atraso secular
no que diz respeito às terras devolutas. O Poder Judiciário que,
por meio de Ação de Usucapião em cima de terras públicas
e devolutas, regularizou enormes latifúndios ao arrepio da lei e, hoje,
está colocando obstáculos para reconhecer o direito do Estado
de recuperar esse patrimônio. Estamos fazendo o possível. Temos
tido apoio da CPT, da FETAEMG, e dos sindicatos dos trabalhadores.
A sra. Marilda Magalhães:
Sou membro do CEDEFES.
Preocupa-me a questão dos quilombolas. Infelizmente, os representantes
do Brejo dos Crioulos não puderam estar presentes porque há uma
ação de despejo contra eles, o que é imoral, uma vez que
estão ocupando terras que lhes são de direito memorial e legítimo.
O Estado é conivente e o grande responsável pela violação,
pois abriu as portas para o AGRONEGÓCIO.. Se o Estado é o grande
violador, é sua obrigação ser o reparador
dos direitos.
O Padre Antônio Claret:
A implantação de barragens é um pesadelo pois, depois,
não se consegue plantar e, após a implantação, o
pesadelo é, ainda, maior. Nos apoiamos no Estado, na Justiça,
no “diabo a quatro” mas percebemos que a única possibilidade
de garantir os nossos direitos é fincar os nossos pés na terra
onde moramos, organizarmo-nos e impedir que as empresas entrem em nossas propriedades,
independentemente de autorização, de anel ou qualquer coisa.
O Deputado Laudelino Augusto:
No início do cristianismo, Santo Irineu dizia que a glória de
Deus é o homem vivo. Já nos nossos tempos, D. Oscar Romero afirmou
que a glória de Deus é o homem vivo e livre. Hoje, podemos afirmar
que a glória de Deus é o homem vivo, livre e feliz.
Porém, o que verificamos, em nossos dias, é a degradação
humana e do meio ambiente e a morte. Isso nos causa indignação
ética que nos leva a uma ação transformadora, conquistada
de maneira organizada
O Deputado Padre João e a Deputada Maria José Haueisen elaboraram
um projeto de lei para defender e melhorar as condições dos atingidos
por barragens. Nele demonstraram que o plano de assistência social deveria
ser realizado numa etapa anterior à do licenciamento da operação
juntamente com o licenciamento prévio. Porém, o Governo vetou.
Descobrimos que foram os técnicos da CEMIG alegando que o projeto atrapalharia,
muito, os empreendimentos e o progresso. O que é o progresso? .
O Presidente da Mesa (Padre João Carlos):
Foi denunciado aqui um processo de intimidação. Quero reforçar
que houve o desaparecimento de João Caetano, em 09 de fevereiro de 2003,
no Consórcio da Vale e da ALCAN. Já apresentamos o fato à
Comissão de Direitos Humanos e à Secretaria de Segurança
do Estado, mas não tivemos resposta, até hoje, o que consideramos
um desrespeito para com esta Casa.
No que se refere à intimidação, estiveram lá quase
200 policiais intimidando e despejando 14 famílias que ainda resistiam.
Estamos sendo processados, junto a tantas lideranças, por esse consórcio.
É forte sua capacidade de intimidar.
Considerações Finais do Sr. Relator Jean-Pierre
Leroy:
Há 2 anos criamos uma rede de justiça ambiental. Estamos começando
uma campanha pelo Brasil e isso está ganhando corpo internacional e latino-americano.
Possivelmente, entre vocês, existem pessoas que perderam seus casos. Mas
saibam que não perderam, no sentido de que isso vai reforçando
algo que cria uma exigência para que, um dia, realmente, o direito possa
ser real para todos neste País.
Tenho uma tese que diz que a sociedade civil é mais do que sociedade
civil. Parte do Estado também virou sociedade civil. Parte do Legislativo,também,
virou sociedade civil. Frente a um poder que ultrapassa muitos órgãos
públicos, a Justiça, a Procuradoria, o Ministério Público
e os Deputados, na realidade, estão sendo convocados para uma jornada
cívica que vai muito além de nossas responsabilidades atuais de
trabalho e profissão, para engajarmo-nos realmente na criação
de uma cidadania para o povo de Minas e de uma cidadania para o mundo de amanhã.