As
crises de abastecimento de água em Belo Horizonte têm se repetido ao longo da
história. Nos primeiros anos da capital, os moradores do vale do Leitão e da
região do Calafate e do Barro Preto organizaram as primeiras ações pela melhoria
do abastecimento de água da nova capital. Em 1912, quando Belo Horizonte era
abastecida pelos córregos Serra e Cercadinho, o Prefeito Olyntho Meirelles registrava:
“de
anno para anno é sensível a reducção d’agua ... ; na ultima secca o ‘Serra’
soffreu uma reducção de 20% comparada com egual época anterior. Devido talvez
às grandes e prolongadas chuvas deste anno e ao maximo cuidado na conservação
das mattas protectoras dos mananciaes, a diminuição de vasão não tem sido tão
grande e só ultimamente tornou-se mais accentuada. A Prefeitura tem sustentado
uma campanha ininterrupta contra os invasores de suas mattas”.
Em
1942, o prefeito Juscelino Kubitschek relatou:
“os
períodos de carência da água potável, de tempos a tempos, têm-se tornado críticos
[...]. Em 1910, verificou-se a necessidade do primeiro aumento”. “Iniciaram-se,
então, pouco depois, as obras de captação das águas do Barreiro [...]. Em 1927,
havia chegado o período crítico, provocando novos estudos. Iniciou-se, então,
em meados de 1928, a canalização dos córregos Rola
Moça e Tabuões, em Ibirité”.
“Ao
iniciarmos o nosso governo, tratamos de estudar a questão [agravada em 1938]
com o máximo de interesse” e “verificamos que, atualmente, o manancial mais
indicado para utilização é o do Mutuca”, “estando em estudos” a aquisição da
bacia “para proteger-se de intromissão estranha”. E acrescentava JK:
“outra vantagem no aproveitamento do Ribeirão do Mutuca é a possibilidade da
captação futura do Córrego dos Fechos [...] situado a 7 quilômetros além do
Mutuca, com uma capacidade de 30.000 m.c. diários, no período das secas, [...]
com a vantagem ainda de estar em nível muito elevado”.
Em
1948, o Município reconhecia “a luta diária do povo contra a falta dágua”. “A
água, já insuficiente para o consumo livre do povo”, descera “a 40% do fornecimento
normal, exigindo ... medidas excepcionais de economia e distribuição”. A cidade
não se teria livrado “do terrível flagelo da sede, com que teria que lutar,
se não pudesse valer-se das águas do Mutuca”
. O Mutuca reforçou o abastecimento de Belo Horizonte em 30%, “no quadro
final da seca de 1948” [Jornal “O Diário”, 29/10/1948].
Duros
foram os trabalhos e sacrifícios financeiros da municipalidade, para a perfuração
de túnel sob a Serra do Curral e a construção das adutoras do Mutuca e de Fechos
que, inicialmente, vinham dar no reservatório do Santo Antônio.
Em
1956, no Relatório apresentado à Câmara Municipal, o Prefeito Celso Mello de
Azevedo informava que “o problema do abastecimento de água [tornara-se] crítico
para a Cidade de Belo Horizonte”, e registrava a conclusão das desapropriações
das “terras marginais aos córregos do Mutuca e Fechos” – ressaltando:
“o
planejamento da solução do problema da água na Capital não pode ficar adstrito
unicamente ao fator ‘consumo atual’. Trata-se do futuro da cidade e, para isso,
a administração tem de oferecer garantias, traduzidas em generosa reserva de
abastecimento, a fim de assegurar expansão demográfica e confiança aos empreendimentos
de natureza particular que queiram se fixar no Município. Trata-se, ademais,
de assegurar tranquilidade aos belo-horizontinos e às administrações municipais
vindouras”.
A
preocupação do prefeito Azevedo reiterava a de Christiano Machado, em 1927,
que, ao lembrar que a captação dos mananciais de Rola Moça e Capão do Bálsamo
fosse “uma grande realização”, Belo Horizonte “não mais” permitia “soluções
de retalho, que se fazem num dia para reviverem no imediato. Eis porque” procederia
“a estudos de novos mananciais, procurando desapropriá-los para resguardo futuro”.
Aarão Reis também, no Relatório da Comissão de Estudos das Localidades (1893)
para a Nova Capital de Minas, lembraria
que, “para recurso de futuro”, Belo Horizonte poderia contar com “os ribeirões
dos Macacos [o mesmo que, à
montante, é denominado Fechos] e da Pantana, qualquer deles mais importante que o do
Arrudas”.
No
final da década de 50, o crescimento de Belo Horizonte superou as expectativas.
Em 1964, o Clube de Diretores Lojistas, realizou a mesa redonda “As implicações
da falta d’água em Belo Horizonte”. Novos mananciais foram paulatinamente incorporados
ao abastecimento da Região Metropolitana. Em 1969, o Sistema Rio das Velhas,
em 1972, o Vargem das Flores, em 1982, o Sistema Serra Azul e em 1991, o Rio
Manso.
O
fato de Belo Horizonte contar com uma situação relativamente tranqüila nos dias
atuais, não significa que os gestores de recursos públicos possam negligenciar
com a administração desse patrimônio em favor de interesses concorrentes. Tampouco
se pode descartar possibilidades de ocorrerem secas graves no futuro, ou acidentes
de toda monta que possam comprometer nossas principais fontes de água. Os problemas
climáticos vêm se agravando mundialmente.
Na
mesa redonda, do Clube de Diretores Lojistas, isto é, há 40 anos, falou com
muita propriedade o sociólogo Fernando Correia Dias:
“A abundância
e a boa qualidade de água servida às comunidades representam índices de progresso
técnico e de civilização. Desejo encarar o problema do ângulo da coletividade.
As utilidades decorrentes dos equipamentos fundamentais compõem o nível de vida
da população e estão na fase do seu bem estar social.
Na
medida em que, num país como o Brasil, vai-se difundindo um padrão de cultura
urbana moderna, as massas vão tomando consciência de que devem participar dos
bens culturais e comerciais, digo materiais. O fenômeno da participação - na
vida cívica e política, no consumo de tipo urbano, nas atividades culturais,
etc. - é talvez o mais significativo de nossa época, do ponto de vista sócio-cultural.
Não é necessário salientar a evidência de que a participação em bens da natureza,
como a água, ainda que obtida e distribuída pelos mais refinados processos tecnológicos,
é tranquilamente encarada por todos como direito elementar, como exigência irrecusável
do bem-comum. Daí as atitudes coletivas de reação à falta desse bem indispensável,
que é a água.
[...] Por mais
irrisórias que fossem, as contas de água, por muito tempo, quando era menos
complexo o orçamento municipal, representaram elemento considerável na arrecadação,
notadamente na arrecadação constante de todo o ano, e não apenas das épocas
fiscais favoráveis. Pois bem: as camadas populares, aquelas de menor capacidade
contributiva, colaboravam, pelo pontual pagamento das taxas, com os cofres da
Municipalidade. Tais setores da população estão convictos de que participavam
e participam (apesar de, em muitos casos, não receberem o serviço) para a manutenção
dos serviços sociais e financiamento das obras públicas”.
INCOMPATIBILIDADES
AMBIENTAIS
O
nível de isenção e neutralidade da área técnica da FEAM, responsável pelo licenciamento,
fiscalização e análise de atividades minerarias, vem sendo questionado por muitos
ambientalistas. Estes lembram que interesses de ordem corporativa podem estar
interferindo no posicionamento de técnicos ou de ocupantes de cargos superiores
no sistema ambiental do Estado. Recentemente cinco dos mais experientes técnicos
da Diretoria de Atividades Industriais e Minerarias da FEAM, setor que assessora
e emite pareceres relacionados à área de mineração, deixaram o órgão, para trabalhar
para a Cia. Vale do Rio Doce, acionista majoritária da MBR, Ferteco, Samarco
e de outras importantes empresas de mineração em Minas. Qual o nível de interação
que restará entre os funcionários que foram e os que ficaram? E como as expectativas
de colocação futura poderão estar contaminando a área – questionam os ambientalistas?
As
incompatibilidades ambientais dos responsáveis pela gestão ambiental em Minas
não se restringem à FEAM. Recentemente os opositores ao projeto Capão Xavier,
tomaram conhecimento de Ação Civil Pública que corre no Município de Manhuaçu,
sobre projeto de mineração de bauxita à montante do principal manancial que
abastece a cidade. Além da pretendida mina ter obtido parecer favorável da FEAM,
a solicitação de classificação das águas do Córrego Manhuaçusinho, pelo Serviço
de Águas local, obteve um curioso parecer jurídico do Instituto Mineiro de Gestão
das Águas. Segundo a assessoria jurídica do órgão, em 20/08/2002,
Exportações
A
questão da preservação do meio ambiente e, muito especialmente, dos mananciais
do Quadrilátero Ferrífero, torna-se mais grave, em vista dos aumentos de embarques,
preços e das perspectivas anunciadas de intensificação das exportações de minério
de ferro nos próximos anos – tendo em vista contratos bilionários e de longo
prazo com mercados siderúrgicos na Europa, América do Norte e Ásia.
No
início de janeiro, a Companhia Vale do Rio Doce anunciou a captação de US$ 500
milhões em títulos de 30 anos, operação inicialmente estimada em US$ 300 milhões.
Foi o recorde, em valor e prazo, negociado por empresa brasileira no mercado
externo. E a demanda pela operação chegou a 1,6 bilhão de dólares. A empresa
prepara a captação de cerca de 1 bilhão para 2004.
O
negócio do minério de ferro parece estar prosperando. Com recente aumento de
18% no preço do produto, o setor deverá agregar 1 bilhão de dólares às vendas
brasileiras. Há, um clima internacional favorável ao mercado de extração e refinamento
de metais básicos. O índice Morgan Stanley Metals – segundo o The Wall Street
Journal – subiu 40%, em dólares, em 2003, e só em 2004, 9% até 20 de janeiro.
O índice Dow Jones de recursos básicos subiu cerca de 47% nos últimos 12 meses,
englobando ações de grandes companhias de metalurgia e mineração. Essa tendência
anuncia prováveis fusões no plano global.
O
cenário se reflete no mercado brasileiro, com anúncios de incremento da produção
mineral e siderúrgica por diferentes empresas. No campo das aquisições e fusões,
a Vale, com 21 operações, ocupa a terceira posição, entre 1998 a 2003, abaixo,
segundo a consultoria KPMG, apenas da Petrobrás, com 38 operações (várias delas
envolvendo blocos exploratórios), e do Bradesco, com 25.
No
final de janeiro, o presidente da Vale anunciou a meta de US$ 10 bilhões/ano,
já em 2010, levando em conta, especialmente, o preço do produto e a demanda
chinesa. Se em 2003, a CVRD exportou US$ 3,8 bi, a previsão para 2004 é de US$
4,8. As metas de investimento são também fabulosas: US$ 6 bilhões de entre 2004
e 2008, e quase US$ 2 bilhões somente no ano passado. O governo federal também
prevê aumento de mais de 300% em investimentos no setor, nos próximos dez anos,
conforme afirmou a Ministra Dilma Rousseff em recente seminário do setor mineral.
Do
ponto de vista ambiental, os olhos cifronados do empresariado minero-metalúrgico
e dos defensores dos superávits comerciais – além da participação acionária
de setores do governo, como o BNDES, em negócios de extração mineral –, só vêm
agravar a preocupação dos ambientalistas. Sabe-se que a pressão a ser exercida
pelo segmento econômico junto aos órgãos ambientais, será duríssima. Em 21 de
dezembro de 2003, a Folha de São Paulo denunciou pressões e críticas de diversas
empresas sobre o IBAMA, sendo a direção da Vale do Rio Doce, uma das que mais
reclamaram da atuação do IBAMA.. Será que os anúncios de mudanças em órgãos
governamentais como o IBAMA, pelo ministro José Dirceu, prenunciam atendimento
às “reivindicações” dos empresários potencialmente poluidores?
As
preocupações com o desempenho ambiental em Minas Gerais e, muito especialmente,
no Quadrilátero Ferrífero, são, além do mais reforçadas, com a posição privilegiada
do Secretário de Desenvolvimento Econômico, Wilson Brumer, na definição de prioridades
no Estado. Ex-Presidente da Vale do Rio Doce, e de conselhos de administração
de empresas como a Paranapanema e Açominas, Brumer é um dos maiores defensores
do enquadramento da área de meio ambiente em Minas Gerais.
Quanto
ao Quadrilátero, lembre-se que a Vale do Rio Doce tem nessa região, a seu maior
complexo produtoredor de minério de ferro – matéria prima que ocupa o segundo
lugar no ranking de produtos brasileiros exportados.
EFEITOS
CUMULATIVOS
Os
opositores do projeto Capão Xavier chamam a atenção para os efeitos cumulativos
da Mina de Capão Xavier.
Há
várias minerações em atividade nas proximidades da jazida de Capão Xavier e
cerca de oito decretos e manifestos de lavra, de jazidas não mineradas, subseqüentes
à jazida de Capão Xavier, sobre a Serra da Moeda (Ver Mapa...).
Na
resposta ao recurso ainda não analisado pela CMI-COPAM, a Diretoria de Atividades
Industriais e Minerárias, emitiu o seguinte parecer (Parecer Técnico DIMIM 280/2003)
sobre os efeitos cumulativos relacionados à pretendida Mina de Capão Xavier:
“A mineração
é uma atividade que deve ser entendida e tratada diferentemente das demais atividades
industriais pela sua peculiaridade, de que cada jazida constitui uma atividade
única, onde um mesmo bem mineral pode ter sua explotação sendo realizada de
diferentes maneiras dependendo do contexto físico, biótico e antrópico em que
cada jazida encontra-se inserida. Desta forma, entende-se que para cada jazida
deve ser realizado um diagnóstico ambiental único, onde os impactos e as medidas
mitigadoras e compensatórias a serem adotadas devem ser referentes unicamente
à jazida em questão. Assim, não devemos entender que uma Empresa, detentora
de várias jazidas, constitua um único empreendimento minerário. Podemos sim,
caso os empreendimentos sejam interligados e pertencentes a um mesmo ambiente,
transformar os mesmos em um único complexo minerador e unir seus licenciamentos,
conforme objetivo da Renovação da Licença de Operação, onde todas as licenças
de operação dentro de um mesmo empreendimento são revalidadas e analisadas conjuntamente
...”
NOVA
ESPÉCIE
Para
além dos riscos aos mananciais sob influência direta da jazida de Capão Xavier
verifica-se também a perspectiva concreta de extinção de uma nova espécie de
microcrustáceo branchiópodo – a Branchinecta
ferrolimneta –, descoberta na área onde se pretende fazer a lavra de Capão
Xavier.
O
microcrustáceo, do período Cambriano Superior, isto é, de há mais de 500 milhões
de anos passados, está, segundo próprio parecer interno da FEAM, “em processo
de descrição taxonômica”. A FEAM e o IEF estão, mesmo assim, autorizando a efetivação
da Mina de Capão Xavier na área do habitat da espécie sob a alegação de que
“um novo sítio de ocorrência deste microcrustáceo foi encontrado, em uma área
de dolina natural, localizada dentro da Estação Ecológica de Fechos. A Estação
Ecológica de Fechos, além de estar localizada à jusante de um dos trechos mais
movimentados da BR 356 (BH-Rio), será uma das mais afetadas pelo rebaixamento
do lençol freático proposto para a operação da Mina de Capão Xavier (a média
de perda de vasão dos vários contribuintes de Fechos, segundo cálculo constante
do EIA-RIMA do Projeto Capão Xavier, será de cerca de 30%). Além disso, conforme
Termo de Compromisso celebrado pela Copasa e a MBR, “existem agentes potencialmente
poluentes entre a Mina de Capão Xavier e o Manancial de Fechos”. Outro aspecto
a ser citado, considerando os prognósticos de perda de vasão, é o ressecamento
da “capa de canga e rolado de mineral de ferro, próxima a Capão Xavier e Jardim
Canadá” – segundo estudo feito pela empresa espanhola FRASA Ingenieros Consultores, para o compromisso COPASA-MBR – durante
o “estado de rebaixamento” para a explotação mineira. A capa de canga e rolado
é a cobertura permeável, ou aqüífero superficial, do platô situado sobre as
formações Cauê e Gandarela, predominantes na localização da jazida de Capão
Xavier – portanto, é, além dos “depósitos superficiais de solo e tálus nos vales”,
a camada superficial da localidade de Capão Xavier. Portanto, o sucesso da preservação
da espécie descoberta em Capão Xavier e Fechos será duvidoso, a depender da
eliminação do habitat mais favorável à conservação da mesma, isto é, aquele
sobre o qual se projeta o assentamento da Mina de Capão Xavier.
É
ainda de se lembrar que próximo ao privilegiado habitat do microcrustáceo estão
situadas pequenas cavernas, raras pelo contexto geológico respectivo.
MOBILIZAÇÃO
POPULAR E NOTA À IMPRENSA
Diante
da gravidade da presente situação e dos esforços que setores da sociedade civil
vem empenhando para demover órgãos ambientais e membros de colegiados em função
pública no sentido de assegurar
a precaução necessária para a preservação do patrimônio público e ambiental
ameaçado, a mobilização dos ambientalistas contrários ao Projeto Capão Xavier
está encaminhando novas ações e contatos com diferentes entidades da sociedade
civil, planejando atos em logradouros públicos e junto a igrejas de credos distintos.
Em
2004, a Campanha da Fraternidade é dedicada à água. Assim, alguns setores da
igreja já estão se mobilizando para o apoio ao movimento. Os coordenadores do
movimento irão solicitar encontro com o novo Arcebispo de Belo Horizonte e região,
Dom Walmor de Azevedo. A CUT-MG também solidarizou apoio ao movimento, encaminhando
Moção de Repúdio, para consideração do Governador Aécio Neves e do Prefeito
de Belo Horizonte Fernando Pimentel.
Movimento Capão
Xavier VIVO
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